quinta-feira, 31 de maio de 2012
quarta-feira, 30 de maio de 2012
terça-feira, 29 de maio de 2012
Canal no You Tube com Seminários de alguns trabalhos de Direito Penal
No You Tube, tenho um canal onde se encontram vídeos de alguns dos trabalhos realizados nas minhas disciplinas de Direito Penal.
A experiência tem mostrado o talento de muitos alunos na abordagem de temas complexos, como Justiça Restaurativa ou Direito Penal do Risco.
Parabéns a todos os alunos que participaram destes seminários.
Link do Canal: http://www.youtube.com/user/fabiowalves
domingo, 27 de maio de 2012
Duvidem das ideias de geracao dos DHs.
Os DHs estao em desnivel porque as lutas nao seguem construcoes historicas a partir de um mesmo ponto. A diversidade da luta marca a evolucao desses dirs, que se fundam na resistencia à opressao. Uma resistencia que somente comeca quando o oprimido tem consciencia dela e nao termina quando a lei chega. A lei é apenas o inicio da luta!
Os DHs de quarta geração relacionam-se para alguns autores com as questões éticas. São essas questões que na contemporaneidade devem ser reavaliadas como forma libertação da mulher.
Agora, que ultrapassamos a questao da interrupçao da gravidez do feto anecenfálico, chegou o momento de discutir abertamente a liberação do aborto como bandeira de luta pelos DHs das mulheres.
sábado, 26 de maio de 2012
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Duvidem deste Editorial do IBCCRIM! O texto é a prova cabal de que o garantismo pode não estar adequadamente ajustado aos movimentos sociais e à análise crítica das relações de poder. Estamos aqui diante de uma tensão entre garantismo e criminologia crítica.
O TEXTO ABAIXO TRATA-SE DE UM EDITORIAL DO IBCCRIM DEFENDENDO A DECISÁO DA 3a T. DO STJ A RESPEITO DA VIOLENCIA PRESUMIDA NO ESTUPRO DE ADOLESCENTES.
O EDITORIAL ESTÁ ADEQUADO EM PARTE DE SUA ABORDAGEM, MAS CONCLUI ASSUMINDO UMA POSIÇÃO DESASTROSA, QUE IGNORA A LUTA PELA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE GÊNERO E O QUANTO ISSO TEM CUSTADO À ACADEMIA.
INFELIZMENTE, NÃO POSSO DEIXAR DE REPUTAR O CONTEÚDO MACHISTA DA DECISÃO DO STJ, SIGNIFICATIVO DE UM RETROCESSO INCONCEBÍVEL PARA OS MOVIMENTOS FEMINISTAS, ABRINDO ESPAÇO PARA REVIGORAR FALSAS DECISÕES GARANTISTAS, Q NADA MAIS FAZEM DO QUE AFIRMAR ESTIGMAS CONTRA A MULHER, DESCONSTRUINDO O CONCEITO DE VULNERABILIDADE POR COMPLETO.
VAMOS AO EDITORIAL.
EDITORIAL - Relativização do estupro de vulnerável
Relativização do estupro de vulnerável. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 234, p. 01, mai., 2012.
38 registros sobre o assunto Estupro de vulnerável.
A imprensa tem dado, há alguns dias, grande repercussão a uma decisão da 3.ª Seção do STJ, que conclui que a presunção de violência no crime de estupro, tratando-se de vítima menor, tem caráter relativo, podendo ser afastada no caso concreto. No entanto, o tema não é novo, e tampouco é inédita a posição acolhida no julgado, no que diz respeito ao art. 224 do Código Penal revogado em 2009.
Como se sabe, a doutrina nunca se pacificou sobre a natureza jurídica desse sistema de equiparação acolhido pelo legislador de 1940, o qual criou a ficção de violência, assimilando-a à falta de consentimento válido e dando ensejo a ferrenhos debates a respeito da natureza relativa ou absoluta da presunção, existindo até posturas doutrinárias propugnando pela inconstitucionalidade do dispositivo. Da mesma forma, a jurisprudência sempre oscilou a respeito, havendo relevantes discordâncias, principalmente nos Tribunais Estaduais. A própria decisão em debate foi fruto da divergência de entendimentos entre 5.ª e 6.ª Turmas do STJ.
A atual repercussão alcançada pelo julgado por meio da imprensa talvez se justifique pela interpretação equivocada de que com a reforma legislativa de 2009 – a qual revogou o art. 224 e criou a figura do estupro de vulnerável (art. 217-A) – o ato sexual com menor de 14 anos seria vedado em qualquer hipótese, em caráter absoluto. Note-se que, ainda que assim se entendesse, a nova norma não poderia retroagir para o caso em comento por ser maléfica. Por outro lado, não se pode esquecer que é em relação ao tratamento da sexualidade humana, especificamente a do menor, assim como ao tratamento das drogas, o campo no qual o Direito mais sofre influência da moral social, tornando controverso qualquer discurso de criminalização ou não da conduta sexual.
Importante ressaltar é que a decisão em debate, da relatoria da eminente Min. Maria Thereza de Assis Moura, inocentou, por maioria de votos, um homem da acusação de ter estuprado três meninas menores de 14 e maiores de 12 anos, sob o argumento de que não se pode considerar crime a conduta que não viola a liberdade sexual do menor – bem jurídico tutelado –, já que “as menores a que se referia o processo julgado se prostituíam havia tempos quando do suposto crime”. Dessa forma, confirmou a sentença de primeiro grau, a qual, após a análise dos depoimentos prestados por todos os envolvidos, pais e conselheiros tutelares da comarca – os quais confirmaram que as vítimas não eram ingênuas ou desinformadas –, decidiu por absolver o acusado. Essa sentença foi confirmada também por acórdão absolutório prolatado pelo TJSP.
A decisão, no entanto, foi objeto de críticas por parte de vários órgãos governamentais e organizações não governamentais ligados à defesa dos direitos humanos, os quais argumentam que o entendimento do STJ acaba por incentivar a prostituição infantil, além de abrir um precedente perigoso ao discriminar as vítimas com base em sua idade, gênero ou condição social. Além disso, alega-se que, ao assim se posicionar, o Tribunal estaria aceitando que as próprias vítimas sejam responsabilizadas pela situação de vulnerabilidade em que se encontram.
Ocorre que nenhum desses argumentos se mantém diante das duas verdadeiras perspectivas sob as quais o tema deve ser enfrentado: o conteúdo do direito penal sexual nas hipóteses em que a vítima é menor, ou seja, a vulnerabilidade; e seu limite, que impede que meras imoralidades sejam objeto de punição.
Nesse sentido, o que justifica ou legitima a punição da conduta sexual com o menor é a sua situação de vulnerabilidade, inexistente quando ele compreende os significados e as consequências do seu comportamento. Por óbvio, a compreensão ou experiência sexual que afasta o injusto típico não está atrelada necessariamente ao fato de o menor se prostituir e sim na sua experiência sexual, que pode existir nas mais diversas circunstâncias, sendo ele rico ou pobre. Por outro lado, a discriminação é inerente ao conteúdo da igualdade, e deve ser aplicada por uma questão de justiça. A não discriminação é que engessa o juiz em relação à análise do caso concreto, criando as tão afamadas verdades absolutas, do superado positivismo jurídico, que afasta o direito da realidade e leva a tantas injustiças.
Sob todos esses aspectos, a decisão da 3.ª Seção do STJ é digna de elogios. Especialmente por aproximar o direito da realidade, em que o comportamento sexual não segue um comando absoluto, apresentando-se mutável ao longo do tempo e do espaço; bem como por reconhecer as novas dimensões da sexualidade, característica de uma sociedade plural, que cada vez mais acaba por exigir a separação das concepções morais de um grupo da verdadeira danosidade social da conduta.
quinta-feira, 24 de maio de 2012
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Deputados não se dão ao respeito ou não respeitam? Leiam a nota sobre o filho do Ministro
O portal jurídico Migalhas publica uma nota sobre o desconhecido filho do ministro do TST indicado pela Câmara dos Deputados para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na próxima quinta-feira, toma posse (?) no CNJ o advogado Emmanuel Campelo de Souza Pereira. Ele integrará o Conselho indicado pela Câmara. Desconhecido do meio jurídico, também, tal seria, pois tem apenas 31 anos de idade (28/1/1981), tendo se bacharelado em Direito outro dia, em 2004, Emmanoel tem em seu currículo o fato de ser filho do ministro do TST, Emanuel Pereira. Sabendo-se que se trata de indicação política (advinda da Câmara) os deputados tupiniquins poderiam ter ao menos um pouco de consideração com as instituições. Mas não é só uma questão de respeito. Com efeito, a bem de ver, trata-se de indicação inconstitucional. Senão, vejamos. O artigo 103-B da CF/88 dizia, com acerto, que os integrantes do CNJ deveriam ter ao menos 35 anos de idade. O que, aliás, é lógico, uma vez que é este um requisito objetivo para compor os Tribunais superiores. Pois bem, em 2009, a EC 61 alterou a redação deste artigo, suprimindo a idade mínima. No entanto, a idade, s.m.j, continua sendo de 35 anos. Não fosse assim, como explicar que alguém que não tem requisito para ser ministro do STJ possa julgar um ministro do STJ ? Ou a EC 61, neste ponto, é inconstitucional, ou a interpretação a ser dada ao 103-B é a de que a idade mínima está implícita pelo fato de que quem não pode ser ministro não pode julgar ministro. Enfim, parece-nos que a indicação do jovem advogado não resiste a um sopro de questionamento no STF. Daqui a quatro anos, quem sabe, a cadeira estará lá. Agora, não dá pé. E, convenhamos, o CNJ merece ser respeitado.
Na próxima quinta-feira, toma posse (?) no CNJ o advogado Emmanuel Campelo de Souza Pereira. Ele integrará o Conselho indicado pela Câmara. Desconhecido do meio jurídico, também, tal seria, pois tem apenas 31 anos de idade (28/1/1981), tendo se bacharelado em Direito outro dia, em 2004, Emmanoel tem em seu currículo o fato de ser filho do ministro do TST, Emanuel Pereira. Sabendo-se que se trata de indicação política (advinda da Câmara) os deputados tupiniquins poderiam ter ao menos um pouco de consideração com as instituições. Mas não é só uma questão de respeito. Com efeito, a bem de ver, trata-se de indicação inconstitucional. Senão, vejamos. O artigo 103-B da CF/88 dizia, com acerto, que os integrantes do CNJ deveriam ter ao menos 35 anos de idade. O que, aliás, é lógico, uma vez que é este um requisito objetivo para compor os Tribunais superiores. Pois bem, em 2009, a EC 61 alterou a redação deste artigo, suprimindo a idade mínima. No entanto, a idade, s.m.j, continua sendo de 35 anos. Não fosse assim, como explicar que alguém que não tem requisito para ser ministro do STJ possa julgar um ministro do STJ ? Ou a EC 61, neste ponto, é inconstitucional, ou a interpretação a ser dada ao 103-B é a de que a idade mínima está implícita pelo fato de que quem não pode ser ministro não pode julgar ministro. Enfim, parece-nos que a indicação do jovem advogado não resiste a um sopro de questionamento no STF. Daqui a quatro anos, quem sabe, a cadeira estará lá. Agora, não dá pé. E, convenhamos, o CNJ merece ser respeitado.
domingo, 20 de maio de 2012
Alteração do Código Penal: novas regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes
Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, com a finalidade de modificar as regras relativas à prescrição dos crimes praticados contra crianças e adolescentes.
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A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 111 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso V:
“Art.111. ..............................................................................................................................................................................................................................................................V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.” (NR)
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 17 de maio de 2012; 191o da Independência e 124o da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Maria do Rosário Nunes
Este texto não substitui o publicado no DOU de 18.5.2012
José Eduardo Cardozo
Maria do Rosário Nunes
O caráter preponderante da confissão espontânea foi considerado pela 2a T. do STF à partir de uma ótica dos "direitos fundamentais". Muito interessante a abordagem
Segunda Turma
Confissão espontânea e
caráter preponderante
A 2ª Turma, ao reconhecer, na espécie,
o caráter preponderante da confissão espontânea, concedeu habeas corpus para determinar ao juízo processante que
redimensionasse a pena imposta ao paciente. No caso, discutia-se se esse ato
caracterizaria circunstância atenuante relacionada à personalidade do agente e,
portanto, preponderante nos termos do art. 67 do CP (“No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do
limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as
que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e
da reincidência”). Inicialmente, acentuou-se que a Constituição (art. 5º,
LXIII) asseguraria aos presos o direito ao silêncio e que o Pacto de São José
da Costa Rica (art. 8º, 2, g )
institucionalizaria o princípio da não autoincriminação — nemo denetur se detegere. Nesse contexto, o chamado réu confesso
assumiria postura incomum, ao afastar-se do instinto do autoacobertamento para
colaborar com a elucidação dos fatos, do que resultaria a prevalência de sua
confissão. Em seguida, enfatizou-se que, na concreta situação dos autos, a
confissão do paciente contribuíra efetivamente para sua condenação e afastara
as chances de reconhecimento da tese da defesa técnica no sentido da não
consumação do crime. Asseverou-se que o instituto da confissão espontânea seria
sanção do tipo premial e que se assumiria
com o paciente postura de lealdade. Destacou-se o caráter
individual, personalístico dos direitos subjetivos constitucionais em matéria
criminal e, como o indivíduo seria uma realidade única, afirmou-se que todo o
instituto de direito penal que se lhe aplicasse, deveria exibir o timbre da
personalização, notadamente na dosimetria da pena.
HC
101909/MG, rel. Min. Ayres Britto, 28.2.2012. (HC-101909)
Acredito que está fora de harmonia a decisão abaixo, que dá preponderância à reincidência sobre a confissao.
Segunda Turma
RHC N. 111.454-MS
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
Ementa: Penal. Habeas
corpus. Homicídio triplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, II, III e
IV). Dosimetria da pena. Preponderância da agravante da reincidência sobre a
atenuante da confissão espontânea. Artigo 67 do Código Penal. Precedentes.
1. O artigo 67 do Código de Processo Penal dispõe que No
concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite
indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais,
as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente
e da reincidência.
2. Deveras, a reincidência revela que a condenação transitada em
julgado restou ineficaz como efeito preventivo no agente, por isso merece maior
carga de reprovação e, por conseguinte, deve preponderar sobre a circunstância
atenuante da confissão espontânea.
3. In casu, o
Juiz ao afirmar que “A circunstância de ser o réu reincidente, já tendo sido
condenado várias vezes, prepondera sobre a confissão espontânea”, nada mais
fez do que aplicar o citado artigo 67 do Código Penal, que trata
especificamente do concurso entre circunstâncias agravantes e atenuantes; aliás,
na linha da jurisprudência desta Corte: HC 96.063/MS, 1ª Turma, Rel. Min. DIAS
TÓFFOLI, DJe de 08/09/2011; RHC 106.514/MS, 1ª Turma, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, DJe de 17/02/2011; e HC 106.172/MS, 2ª Turma, Rel. Min. GILMAR
MENDES, DJe de 11/03/2011.
4. Recurso ordinário em habeas corpus ao qual
se nega provimento.
sábado, 19 de maio de 2012
Fiz este manifesto aos meus estudantes de Direito Penal.
Coitada dela e de todos que desconhecem as relações de domínio humano e ainda pensam fazer parte do "coletivo dominador". Lamento, mas o coletivo dominador está mais acima da América do Sul.
Nós do Direito devemos é impor um caminho de luta para o reconhecimento das nossas diferenças; pôr abaixo o véu da ignorância que nos impede de ver a ditadura eurocêntrica e a inteligência do que está por trás do discurso dos idiotas que se dizem superiores.
Se alguém lhe disse que há direitos humanos por estas bandas do Sul da América, duvide. Aqui ainda restam humanos sem direitos; sobra a falta de dignididade.
Não acreditam naquela historinha de gerações de direitos humanos. Aqui não. Ainda há uma geração de direitos para ser construída!
Nós do Direito devemos mesmo é estudar para romper o discurso do "Outro", legitimador de um paradigma medieval excludente, que impõe uma força silenciosa de domínio sobre os coletivos historicamente excluídos.
Negros, índios, nordestinos, homossexuais, mulheres vítimas de violência, trabalhadores, desabrigados, presos, empregadas domésticas e tantos outros coletivos têm a nós do Direito como sua única voz. Acreditem nisso!
Nós, os homens e mulheres do Direito, somos capazes de estabelecer uma canal de construção dos direitos humanos por meio de processos revolucionários, capazes de mudanças concretas sem que seja necessário um único disparo.
Fora disso vigora o discurso dos idiotas ou - o que é pior - dos que se fazem de; dos que não se libertam de sua ignorância política e imaginam ainda viver em um mundo jusnaturalista das verdades superiores, cândidas, dos seres purificados que se estabelecem sobre os outros.
René Girard nos explica muito bem que a comunidade em volta à violência irá se lançar "em uma caça cega ao 'bode expiatório´ (A violência e o sagrado, Paz e Terra, p. 105).
Incrivel saber é que os bodes expiatórios quase sempre são (in)justamente os coletivos que historicamente não tiveram voz e dessa forma nunca puderam participar do projeto político liberal, essencialmente vitimizador do outro.
Nenhum estudante de direito poderia sair do curso sem poder saber quem são as vítimas no Brasil. Onde estão e por quais razões os processos estruturais não as deixam livres da dominação.
Precisamos de "Liberdade às Vítimas!"
E este grito é nosso. Um grito capaz de parar uma agonia.
Libertem-se, estudantes!
--------------
FÁBIO ATAÍDE
Professor de Direito Penal/UFRN
http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=2289889167620075019#editor/target=post;postID=7549427305649185601
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Entrevista: entenda a violência segundo René Girard
Cult
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Entrevista – René Girard
Entrevista – René Girard
Para o filósofo e historiador francês,
a tendência das multidões é canalizar a violência coletiva em um único
indivíduo
Melissa Antunes de Menezes
“A concepção romântica do desejo é ilusória”, afirma René
Girard, 85, membro da Academia Francesa e professor de Literatura Francesa na
Universidade de Stanford. Sua teoria do desejo mimético indica que entre o
sujeito e o objeto não existe somente o desejo, mas também o modelo, o mediador
do desejo, ou o rival. O conceito de mimesis aqui estabelece o
ponto central da articulação. Desde as sociedades primitivas, o desejo mediado
é o desejo causador dos conflitos. Pela imitação, aprendemos a falar, a andar e
a desejar. E, pela imitação do desejo alheio, competimos e rivalizamos, dando
início a um ciclo de violência, capaz de se atenuar pelo sacrifício, neste
caso, de uma vítima que acaba por aliviar as tensões do coletivo,
reestabelecendo a paz momentânea. Torna-se inevitável, dentro deste
esquema, que também o ciúme e a inveja façam parte da mimesis do
desejo.
Radicado
nos Estados Unidos há mais de 50 anos, Girard estudou o Antigo Testamento sob a
ótica sociológica e vê no cristianismo a primeira religião que consegue
amenizar a violência pelo expediente da crucificação.
Nesta entrevista, concedida com
exclusividade à CULT, o historiador fala sobre alguns dos temas presentes
naquele que é considerado seu mais importante livro, Coisas ocultas
desde a fundação do mundo, publicado originalmente em 1978 e lançado neste
mês pela editora Paz e Terra. Nele, Girard aprofunda, através de diálogos com
dois psiquiatras franceses, suas hipóteses sobre a violência, o desejo e a
representação do sagrado, desenvolvidas a partir de temas de seu livro
anterior, A violência e o sagrado.
CULT – Fala-se muito hoje em violência.
Mas não vivemos uma época em que há maior controle social e cultural da
violência do que em qualquer outro período da história?
René Girard – Temos um
grande controle da violência no que se refere ao local. Entretanto, as pessoas
não estão cientes da violência em si. A mediação externa resolve o problema da
violência de forma imperfeita porque o faz através de uma vítima. Considero que
temos paz no âmbito individual, mas a ameaça está no coletivo. Tanto o rito quanto a proibição somente adiam a
explosão da violência.
Sistemas
religiosos como o cristianismo atuam no sentido de conscientizar sobre o uso da
vítima expiatória. E não existe uso deste mecanismo de forma consciente. O bode
expiatório é inconsciente, ou não é.
Em um nível exponencialmente maior,
estamos lidando hoje com a possibilidade da destruição total, do uso da
violência em termos absolutos, através do crescente desenvolvimento de
tecnologias novas como a nanotecnologia — manipulação de partículas que podem
desencadear reações de potencial altamente destrutivo.
CULT – Assim como Peter Gay, o senhor
afirma que o coletivo é assassino por natureza e não o homem. Poderia explicar?
RG – Penso que o
indivíduo não é assassino em sua natureza e, sim, o coletivo. As descobertas
coletivas são perigosas em vários aspectos do desenvolvimento humano.
A
primeira metade do século 20 foi intensamente bélica. O século 21 traz novos
desafios e preocupações, que são o desenvolvimento científico e as descobertas
para as quais não estamos novamente preparados.
Acredito
que nossa natureza mimética é responsável pela tendência das multidões de
focalizar sua violência em um único indivíduo que se transforme,
arbitrariamente, no bode expiatório de alguma comunidade. A matança unânime de
uma vítima inocente, no passado, pacificava multidões perigosamente perturbadas
e tornou possível sua estabilização.
Acredito
que o bode expiatório tem um papel essencial na criação e na perpetuação de
religiões arcaicas. As culturas arcaicas foram
essencialmente a repetição de sacrifícios religiosos, evacuando a violência
interna através destas vítimas substitutas. Isto não significa que eu recomende
o mecanismo do bode expiatório para a manutenção da paz dentro das comunidades.
Uma vez que o ciclo do sacrifício é compreendido, ele perde sua eficácia, como
uma arma contra a violência interna.
Os deuses arcaicos, na minha opinião,
são vítimas da matança daqueles que põem fim à violência disruptiva e são
considerados divindades da violência e da paz.
CULT – Thomas Mann se perguntava: “Não
é a paz um elemento de corrupção civil e a guerra purificação, liberação, uma
enorme esperança?” O rito sacrificial – o uso da violência para apaziguar
ânimos – vem sendo há muito tempo discutido pela literatura universal?
RG – Não concordo que a guerra traga purificação. Na
literatura há comentários sobre o comportamento mimético tanto do desejo,
quanto da violência. O rito sacrificial é arcaico, é gênese da violência
humana. O uso do bode expiatório está presente na literatura, como em
Shakespeare, por exemplo.
Esta declaração do jovem Thomas Mann
reflete a atitude à época do início da Primeira Guerra e foi compartilhada por
muitos ingleses e franceses. Este espírito durou até, aproximadamente, 1916.
Estas opiniões sofreram mudanças extremas devido às terríveis perdas da guerra
e do progressivo aumento do poder militar.
Mann era muito comprometido e leal às
ideias antinazistas e perdeu sua crença no poder enobrecedor do aparato de
guerra. Concordo com o
Thomas Mann mais velho. No futuro, ou não haverá nenhuma guerra como aquelas do
século 20, ou nós veremos a destruição da civilização.
CULT – Em Coisas ocultas desde
a fundação do mundo, o senhor diz que os ritos sacrificiais perderam força
sob influência do judaísmo e do cristianismo. No que concerne à relação entre
Israel e Palestina, existe o uso do mecanismo sacrificial?
RG – Devemos tentar ver todos os conflitos e guerras que
temos hoje sob a ótica do mecanismo mimético. Mimesis tanto do
desejo, quanto do uso da violência. No cristianismo, quebra-se o ciclo. Cristo oferece a outra face e
redime seus algozes. Não busca vingança, não derrama mais sangue. É pela cruz,
pelo amor, que se dá a interrupção do ciclo de violência. O cristianismo
mostrou que a sociedade humana produzia vítimas únicas. A crucificação
desobstruiu o caminho para o entendimento do processo da vítima expiatória.
CULT – Mimetizamos o desejo e também a
violência? Ou, ao mimetizar o desejo, criamos a violência?
RG – Sim, as duas sentenças estão corretas. Criamos rivalidade na mimesis,
competindo pelo mesmo objeto, desejando os desejos do nosso modelo, o outro.
Esta admiração velada do prestígio do outro, do que o outro possui, é a
constatação clara de ser insuficiente. Constatação esta muito angustiante e
incômoda. Já o modelo, o intermediário, não é passivo dentro deste mecanismo.
Pelo contrário, faz de tudo para provocar o desejo do outro sobre seu objeto.
Pois, que valor tem o objeto, senão pelo desejo de outrem? Este é o ciclo
infernal do desejo. E também dos conflitos.
CULT – Para Freud, o mal-estar do homem moderno ocorreria
devido à repressão de sua violência natural, que gera outros problemas de ordem
interna e também conflitos sociais de diferentes naturezas. A teoria de Freud
não vem de encontro à sua?
RG
– Sim,
há uma oposição entre as ideias de Freud e as minhas. Muitos diriam que tanto
na repressão da libido em Freud, quanto no uso do mecanismo de vítimas
arbitrárias para aplacar explosões, reside uma ideia similar. Mas não concordo
com Freud e com sua teoria de que tudo está relacionado ao desejo sexual. Freud justifica todo comportamento humano
baseando-se nesta ideia. Ele foi o primeiro a ver a profunda influência que uma
pessoa tem sobre a outra. Mas discordo de sua visão de que a influência dos
pais delinearia a personalidade. A visão de Freud ficou muito restrita ao período em que viveu, no
qual predominava um certo tipo de estrutura familiar.
CULT – E quanto àqueles que somente
desejam o impossível? Ou, como disse Kierkegaard, “cometem o pecado capital de
não querer nada profunda e autenticamente”?
RG – Minhas ideias estão bem mais próximas às de
Kierkegaard do que foi visto nas entrevistas que dei e nos artigos escritos
sobre minha obra. Para mim, o desejo do impossível e o não-desejo ainda
estariam de acordo com mecanismos miméticos.
Kierkegaard
constatou, em sua análise dos três estágios do ser, a presença de um homem que
se escora no outro. Possuindo um vazio existencial aterrador, ele procura na
observação do outro, do que o outro possui, do que o outro aparenta, uma forma
de saber quem é e como sentir-se pleno. Portanto, para ser ele mesmo, este
homem necessita tomar conhecimento do outro, como no mecanismo do desejo
mimético, onde este desejo somente se faz possível pela intermediação do que é
e deseja um outro.
FONTE
Regulamentação do acesso a informação
Decreto nº 7.724, de 16.5.2012 - Regulamenta a Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011, que dispõe sobre o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do caput do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição.
quarta-feira, 16 de maio de 2012
O STF tem mantido rigor ao tratar das drogas nas forças armadas. Considerou que O tipo previsto no artigo 290 do Código Penal Militar não requer, para configuração, o porte de substância entorpecente assim declarada por portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CRIME MILITAR – SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE OU
QUE DETERMINE DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA – REGÊNCIA ESPECIAL. O tipo
previsto no artigo 290 do Código Penal Militar não requer, para configuração, o
porte de substância entorpecente assim declarada por portaria da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária
RHC N. 98.323-MS
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
CRIME MILITAR – SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE OU
QUE DETERMINE DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA – REGÊNCIA ESPECIAL. O tipo
previsto no artigo 290 do Código Penal Militar não requer, para configuração, o
porte de substância entorpecente assim declarada por portaria da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária.
*noticiado no Informativo 657
Vejam outros dois casos que confirmam este rigor:
Cola de sapateiro e crime militar
A 1ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus
no qual se pretendia trancar ação penal sob a alegação de que a Lei 11.343/2006
não classificaria a cola de sapateiro como entorpecente. No caso, o recorrente,
militar preso em flagrante no interior de estabelecimento sujeito à
administração castrense, fora surpreendido, sem apresentar capacidade de autodeterminação,
inalando substância que, conforme perícia, conteria tolueno, solvente orgânico
volátil, principal componente da cola de sapateiro.
Reputou-se que deveria ser observada a regência especial da matéria e,
portanto, descaberia ter presente a Lei 11.343/2006, no que preceituaria, em
seus artigos 1º e 66, a
necessidade de a substância entorpecente estar especificada em lei. Incidiria , assim, o disposto no art. 290 do CPM (“Receber,
preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou
entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine
dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”).
RHC
98323/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 6.3.2012. (RHC-98323)
APELAÇÃO DEFESA.
PRELIMINAR. APLICAÇÃO DA LEI N.º 11.343/2006. REVOGAÇÃO. ARTIGO 290 DO CPM.
MÉRITO. PORTE DE ENTORPECENTE. ÁREA SOB ADMINISTRAÇÃO MILITAR. PRINCÍPIOS DA
SOBERANIA, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E INSIGNIFICÂNCIA. ESPECIALIDADE DA
LESGILAÇÃO PENAL MIITAR. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DUE PROCESS OF LAW. AUSÊNCIAS
DO AUTO DE APREENSÃO E DA MATERIALIDADE DO DELITO. 1. O artigo 290 do Código
Penal Militar, a despeito das notórias e anacrônicas deficiências, continua em
pleno vigor, sendo compatível com a previsão legal de aumento de pena, do
artigo 40, III, da Lei nº 11.343/06, para o caso específico de tráfico de
entorpecentes, ficando excluído o autor do delito que porte consigo a droga,
para uso pessoal. 2. A soberania (art. 1º, inc. I, da CF) é a própria razão de
ser das Forças Armadas e condição sine qua non para o respeito à dignidade da
pessoa humana, do pluralismo político, da cidadania, dos valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa, conforme o art. 170 da Constituição Federal. 3. Sem que
o Estado Brasileiro seja soberano, o respeito à própria Carta Constitucional
torna-se inviável. O que significa que, sem soberania, é impossível a
consecução de qualquer modelo de Estado, seja simplesmente de
"Direito", "Democrático de Direito", "Social de
Direito", ou mesmo "totalitário". Trata de conclusão lógica que
não remete a maiores considerações. 4. No
sistema de Direito Penal Militar o fundamento da dignidade da pessoa humana,
diferentemente do sistema de Direito Penal Comum, tem sua aplicabilidade
condicionada e, de certa forma, mitigada, pelo fundamento da soberania. Tanto é
assim que a Lei Penal Militar pune a deserção, a insubmissão, o abandono de
posto e até a conduta de dormir em serviço, citando-se apenas os crimes
propriamente militares em tempo de paz. 5. Em razão do princípio
fundamental da Soberania, não há como afastar a especialidade do Direito Penal
Militar em razão da Lei Penal comum, ainda que mais benéfica. Ante a
especialidade do Direito Penal Militar, o Legislador deveria, caso fosse seu
intento aplicar a Lei antidrogas no ambiente castrense, fazê-lo expressamente,
haja vista que o ato de portar drogas no âmbito do exercício das funções das
Forças Armadas, não é, nem nunca foi, hipótese igual ao ato de portá-las no
meio civil. 6. Não se pode afirmar que tão-somente pelo fato de o respeito à
dignidade da pessoa humana ser princípio fundamental do Estado Democrático de
Direito deva ser aplicado e utilizado de forma descompassada, em todas as
situações, a ponto de se contradizer com toda a lógica do sistema. Deve-se ter
em conta que a soberania do Estado Democrático de Direito, materializada na
higidez de suas tropas, está também em jogo, revelando-se antijurídica a adoção
indiscriminada da legislação comum sobre drogas nos casos de porte dentro de
nossos quartéis. 7. A traficância e o porte de drogas na caserna não podem
ser tratados da mesma maneira que o são pelas instituições criminais da
sociedade civil. Deve-se refletir se a soberania do Brasil não estaria
comprometida caso a tropa fosse constituída de grande número de viciados. Pondere-se,
também, se seria seguro colocar um fuzil ou metralhadora sob a responsabilidade
de um usuário habitual de "crack" ou "ecstasy". 8. O
princípio da especialidade da Legislação Penal Militar, tendo em vista que se
fundamenta na soberania do Estado Democrático de Direito, valor colocado por
nossa Constituição na mesma hierarquia da dignidade da pessoa humana, é por esse
inafastável. Preliminar rejeitada, por unanimidade. 9. Para que se tenha como
provada a materialidade do delito do art. 290 do CPM, não deve haver dúvida
quanto à capacidade lesiva da substância apreendida ao bem jurídico
"saúde", a fim de que a conduta apresente tipicidade material. 10. A
não obediência aos ditames do due process of law, por ausência do auto de
apreensão, desrespeita o disposto no artigo 189, caput e parágrafo único, do
Código de Processo Penal Militar e leva à absolvição do acusado, haja vista a
ausência de prova da materialidade do delito. 11. Deve-se adotar o princípio da
insignificância quando a substância apreendida é tão insignificante que sequer
sobrou para ser pesada. Recurso conhecido e provido, por maioria. (Superior
Tribunal Militar STM; APL 2007.01.050641-1; Rel. Min. Flávio Flores da Cunha
Bierrenbach; Julg. 12/02/2009; DJSTM 19/01/2010).
CPM, art. 290 LEI 11343, art. 40 CF, art. 1
domingo, 13 de maio de 2012
A proteção de bens jurídicos esteve neste ano na pauta do SUPREMO. Além da questão da gravidez anencefálica e do caso da arma desmuniciada ou mesmo na decisão das cotas, o SUPREMO foi preciso com os novos direitos quando do julgamento da Lei Maria da Penha. Transcrevo aqui extrato desta importante decisão
ADC e Lei Maria da Penha - 1
O Plenário julgou procedente ação
declaratória, ajuizada pelo Presidente da República, para assentar a
constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da
Penha). Inicialmente, demonstrou-se a existência de controvérsia judicial
relevante acerca do tema, nos termos do art. 14, III, da Lei 9.868/99, tendo em
conta o intenso debate instaurado sobre a constitucionalidade dos preceitos
mencionados, mormente no que se refere aos princípios da igualdade e da
proporcionalidade, bem como à aplicação dos institutos contidos na Lei
9.099/95. No mérito, rememorou-se posicionamento da Corte que, ao julgar o HC
106212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara a constitucionalidade do art. 41 da Lei
Maria da Penha (“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar
contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº
9.099, de 26 de setembro de 1995” ). Reiterou-se a ideia de que a
aludida lei viera à balha para conferir efetividade ao art. 226, § 8º, da CF.
Consignou-se que o dispositivo legal em comento coadunar-se-ia com o princípio
da igualdade e atenderia à ordem jurídico-constitucional, no que concerne ao
necessário combate ao desprezo às famílias, considerada a mulher como sua
célula básica.
ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADC-19)
ADC e Lei Maria da Penha - 2
Aplicou-se o mesmo raciocínio ao afirmar-se a
constitucionalidade do art. 1º da aludida lei (“Esta Lei cria mecanismos
para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de
outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação
de violência doméstica e familiar”). Asseverou-se que, ao criar mecanismos
específicos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher e
estabelecer medidas especiais de proteção, assistência e punição, tomando como
base o gênero da vítima, o legislador teria utilizado
meio adequado e necessário para fomentar o fim traçado pelo referido preceito
constitucional. Aduziu-se não ser desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo
como critério de diferenciação, visto que a mulher seria eminentemente
vulnerável no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos
sofridos em âmbito privado. Frisou-se que, na seara internacional, a Lei Maria
da Penha seria harmônica com o que disposto no art. 7º, item “c”, da Convenção
de Belém do Pará (“Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas as
formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios
apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar
tal violência e a empenhar-se em: ... c. incorporar na sua legislação interna
normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam
necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem
como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis”) e
com outros tratados ratificados pelo país. Sob o
enfoque constitucional, consignou-se que a norma seria corolário da incidência
do princípio da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais.
Sublinhou-se que a lei em comento representaria movimento legislativo claro no
sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à
proteção e à justiça. Discorreu-se que, com o objetivo de proteger direitos
fundamentais, à luz do princípio da igualdade, o legislador editara
microssistemas próprios, a fim de conferir tratamento distinto e proteção
especial a outros sujeitos de direito em situação de hipossuficiência, como o
Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente - ECA.
ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9..2.2012.
(ADC-19)
ADC e Lei Maria da
Penha - 3
Reputou-se, por sua vez, que o art. 33 da lei em exame (“Enquanto não estruturados os Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão
as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes
da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as
previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual
pertinente”) não ofenderia os artigos 96, I, a, e 125, § 1º, ambos
da CF, porquanto a Lei Maria da Penha não implicara obrigação, mas faculdade de
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
conforme disposto nos artigos 14, caput, e 29, do mesmo diploma. Lembrou-se não
ser inédita no ordenamento jurídico pátrio a elaboração de sugestão, mediante lei
federal, para criação de órgãos jurisdicionais especializados em âmbito
estadual. Citou-se, como exemplo, o art. 145 do ECA e o art. 70 do Estatuto do
Idoso. Ressurtiu-se incumbir privativamente à União a disciplina do direito
processual, nos termos do art. 22, I, da CF, de modo que ela poderia editar
normas que influenciassem a atuação dos órgãos jurisdicionais locais.
Concluiu-se que, por meio do referido art. 33, a Lei Maria da Penha não
criaria varas judiciais, não definiria limites de comarcas e não estabeleceria
o número de magistrados a serem alocados nos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar. Apenas facultaria a criação desses juizados e atribuiria ao juízo da
vara criminal a competência cumulativa de ações cíveis e criminais envolvendo
violência doméstica contra a mulher, haja vista a necessidade de conferir
tratamento uniforme, especializado e célere, em todo território nacional, às
causas sobre a matéria.
ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012. (ADC-19)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 1
Em seguida, o Plenário, por maioria,
julgou procedente ação direta, proposta pelo Procurador Geral da República,
para atribuir interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41,
todos da Lei 11.340/2006, e assentar a natureza incondicionada da ação penal em
caso de crime de lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e
familiar contra a mulher. Preliminarmente, afastou-se alegação do Senado
da República segundo a qual a ação direta seria imprópria, visto que a
Constituição não versaria a natureza da ação penal — se pública incondicionada
ou pública subordinada à representação da vítima. Haveria, conforme sustentado,
violência reflexa, uma vez que a disciplina do tema estaria em normas
infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a
Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, e que caberia
à Suprema Corte definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão
corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria
tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a
necessidade de representação. Salientou-se a evocação do princípio explícito da
dignidade humana, bem como do art. 226, § 8º, da CF. Frisou-se a grande
repercussão do questionamento, no sentido de definir se haveria mecanismos
capazes de inibir e coibir a violência no âmbito das relações familiares, no
que a atuação estatal submeter-se-ia à vontade da vítima.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 2
No mérito, evidenciou-se que os dados estatísticos no tocante à
violência doméstica seriam alarmantes, visto que, na maioria dos casos em que
perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher acabaria por não
representar ou por afastar a representação anteriormente formalizada. A
respeito, o Min. Ricardo Lewandowski advertiu que o fato ocorreria,
estatisticamente, por vício de vontade da parte dela. Apontou-se que o agente,
por sua vez, passaria a reiterar seu comportamento ou a agir de forma mais
agressiva. Afirmou-se que, sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as
agressões físicas surgiriam, na maioria dos casos, em ambiente doméstico.
Seriam eventos decorrentes de dinâmicas privadas, o que aprofundaria o
problema, já que acirraria a situação de invisibilidade social. Registrou-se a
necessidade de intervenção estatal acerca do problema, baseada na dignidade da
pessoa humana (CF, art. 1º, III), na igualdade (CF, art. 5º, I) e na vedação a qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º,
XLI). Reputou-se que a legislação ordinária protetiva
estaria em sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Violência contra a Mulher e com a Convenção de Belém do Pará. Sob o ângulo
constitucional, ressaltou-se o dever do Estado de assegurar a assistência à
família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal a
critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que
admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela,
depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência
especificamente designada com essa finalidade, fazendo-o antes de recebida a
denúncia. Dessumiu-se que deixar a mulher — autora da representação — decidir
sobre o início da persecução penal significaria desconsiderar a assimetria de
poder decorrente de relações histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo
a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogar o quadro de
violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implicaria relevar os
graves impactos emocionais impostos à vítima, impedindo-a de romper com o
estado de submissão.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 3
Entendeu-se não ser aplicável aos
crimes glosados pela lei discutida o que disposto na Lei 9.099/95, de maneira
que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que de natureza leve ou culposa,
praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível seria
pública incondicionada. Acentuou-se,
entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes dispostos em
leis diversas da 9.099/95, como o de ameaça e os cometidos contra a dignidade
sexual. Consignou-se que o Tribunal, ao
julgar o HC 106212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara, em processo subjetivo, a
constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação
da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 4
Vencido o Min. Cezar Peluso, Presidente. Aduzia que o
legislador não poderia ter sido leviano ao estabelecer o caráter condicionado
da ação penal. Afirmava que eventual existência de vício de vontade da mulher
ofendida, ao proceder à retratação, não poderia ser tida como regra. Alertava
para a possibilidade de intimidação da mulher em levar a notícia-crime, por
saber que não poderia influir no andamento da ação penal, assim como para a
excepcionalidade de os crimes serem noticiados por terceiros. Assinalava que
a mera incondicionalidade da ação penal não constituiria impedimento à
violência familiar, entretanto acirraria a possibilidade dessa violência, por
meio de atitudes de represália contra a mulher. Asseverava, por fim, que a
decisão do Tribunal estaria concentrada na situação da mulher — merecedora de
proteção por parte do ordenamento jurídico —, mas se deveria compatibilizar
esse valor com a manutenção da situação familiar, a envolver outros entes.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
O criminoso como popstar
Nietzsche
soube muito bem explorar ou antecipar o criminoso posmoderno, determinando a “normalidade”
de sua patologia.
Entre
nós - os ditos normais e naturais editores das normas -, o criminoso desperta sentimentos
de admiração e medo. E tanto mais compreendamos a contraditória vida posmodernidade, avança a montagem de um novo sujeito desviante.
Nietzsche lega mecanismos para entender este complexo mapa de
domínio humano.
A "grande política" como uma
política de seleção e objetivação avança a história, renovada, oculta,
por trás do discurso racional dos inocentes. O homem como um criminoso está em
todo lugar e em todo lugar merece os seus 15 minutos de fama.
Quando Andy Warhol cunhou a sua famosa frase na década de 1960 estava pensando especialmente numa obra de arte inspirada num acidente do cotidiano.
Hoje, estamos certos que o acidente do cotidiano dá visibilidade para crimes e criminosos. Em todo lugar estão as leis
penais com nomes de vítimas.
Em todo lugar estão mesmo as leis penais inspiradas por eles,
os criminosos. O grande editor da norma penal.
Caros alunos, terça-feira terá
aula do curso o novo punitivismo.
Para aprofundar o tema
Friedrich Balke. FROM A
BIOPOLITICAL POINT OF VIEW: NIETZSCHE’S PHILOSOPHY OF CRIME
sábado, 12 de maio de 2012
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Plenário do STF decidiu que juiz perde o foro por prerrogativa depois da aposentadoria, o que justifica o julgamento pelo juiz de primeiro grau
Juiz aposentado: vitaliciedade e
prerrogativa de foro - 5
O foro especial por prerrogativa de
função não se estende a magistrados aposentados. Essa a conclusão do Plenário
ao, por maioria, negar provimento a recurso extraordinário, afetado ao Pleno
pela 1ª Turma, no qual desembargador aposentado insurgia-se contra decisão da
Corte Especial do STJ, que declinara de sua competência para julgar ação penal
contra ele instaurada, pois não teria direito à referida prerrogativa pelo
encerramento definitivo da função — v. Informativos 485, 495 e 585.
Aduziu-se que a pretensão do recorrente esbarraria em orientação jurisprudencial
fixada pelo Supremo no sentido de que: a) o foro especial por prerrogativa de
função teria por objetivo o resguardo da função pública; b) o magistrado, no
exercício do ofício judicante, gozaria da prerrogativa de foro especial,
garantia voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e c) o foro
especial, ante a inexistência do exercício da função, não deveria perdurar,
haja vista que a proteção dos jurisdicionados, nesse caso, não seria mais
necessária. Ressaltou-se, ainda, que o provimento vitalício seria o ato que
garantiria a permanência do servidor no cargo, aplicando-se apenas aos
integrantes das fileiras ativas da carreira pública. Consignou-se não haver se
falar em parcialidade do magistrado de 1ª instância para o julgamento do feito,
porquanto a lei processual preveria o uso de exceções capazes de afastar essa
situação. Enfatizou-se, também, cuidar-se de matéria de direito estrito que
teria por destinatários aqueles que se encontrassem in officio, de modo
a não alcançar os que não mais detivessem titularidades funcionais no aparelho
de Estado. Assinalou-se, outrossim, que essa prerrogativa seria estabelecida ratione
muneris e destinar-se-ia a compor o estatuto jurídico de determinados
agentes públicos enquanto ostentassem essa particular condição funcional.
RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22.3.2012. (RE-549560)
Juiz aposentado: vitaliciedade e
prerrogativa de foro - 6
Vencidos os Ministros Menezes Direito, Eros Grau, Gilmar Mendes
e Cezar Peluso, Presidente, que davam provimento ao recurso. O primeiro, na
ocasião, ao salientar a vitaliciedade do magistrado, afirmava que se este, sob
qualquer situação, em qualquer instância, exercesse atividade judicante, teria
de possuir, até por princípio de responsabilidade do sistema constitucional, a
proteção que a Constituição lhe asseguraria (CF, art. 95, I). Mencionava,
ademais, dispositivo constante do Estatuto de Roma, que aprovou o Estatuto do
Tribunal Penal Internacional, integrado pela adesão brasileira e relativo à
garantia dos juízes que dele fizessem parte (“Artigo 48º... 2 - Os juízes, o
procurador, os procuradores-adjuntos e o secretário gozarão, no exercício das
suas funções ou em relação a estas, dos mesmos privilégios e imunidades
reconhecidos aos chefes das missões diplomáticas, continuando a usufruir de
absoluta imunidade judicial relativamente às suas declarações, orais ou
escritas, e aos atos que pratiquem no desempenho de funções oficiais após o
termo do respectivo mandato”). O segundo, por sua vez, reconhecia que,
relativamente aos magistrados, a prerrogativa seria do cargo, vitalício, que
pereceria unicamente em virtude de sentença judicial transitada em julgado. O terceiro
afastava a assertiva de tratar-se de privilégio e destacava a importância da
manutenção da prerrogativa, tendo em conta a presunção de que órgãos com dada
estatura e formação estariam menos suscetíveis a eventuais populismos judiciais
que pudessem afetar a própria imparcialidade, a exemplo de corregedores virem a
ser julgados pelos respectivos tribunais. O Presidente adotava posição
intermediária, por reconhecer a subsistência da prerrogativa quando dissesse
respeito a atos praticados no exercício da função e em virtude desta, o que
ocorreria na espécie. Alguns precedentes citados: HC 80717/SP (DJU de
5.3.2001); Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001); RE 291485/RJ (DJU de 23.4.2003).
RE 549560/CE, rel.
Min. Ricardo Lewandowski, 22.3.2012. (RE-549560)
Juiz aposentado:
vitaliciedade e prerrogativa de foro - 7
Ao aplicar os fundamentos
acima expendidos, o Plenário, em votação majoritária, negou provimento a recurso
extraordinário em que se questionava situação análoga, vencidos os Ministros
Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente.
RE
546609/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22.3.2012. (RE-549560)
quinta-feira, 10 de maio de 2012
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Depois que STJ decide pela atipicidade da arma desmuniciada (caso único, especialíssimo, conforme mostrado aqui no blog), STF considera categoricamente que arma desmuniciada é conduta típica. A abordagem seguiu a linha de proteção (deficiente) dos bens jurídicos
HC N.
104.410-RS
RELATOR:
MIN. GILMAR MENDES
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL
DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO
E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA.
1. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandatos Constitucionais de
Criminalização: A Constituição de
1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam
direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º,
XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é
possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os
bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados
apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando
também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os
direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote),
como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou
imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de
criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento,
o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de
excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo
exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado
em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus
de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as
diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a)
controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de
sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c)
controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle).
O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador
amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as
medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma
vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites
impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio
da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como
proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal
exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a
inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios
constitucionais.
2. CRIMES DE PERIGO
ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica
o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem
crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer,
receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o
legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o
perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados
empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente
levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de
perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por
parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em
abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais
eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter
coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o
legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir
quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de
determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação
próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que,
nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada
de inconstitucional.
3. LEGITIMIDADE DA
CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há,
no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da
conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e
indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do
indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da
conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos
(faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da
lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de
possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve
ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa.
4. ORDEM DENEGADA.
VEJA ESTE OUTRO CASO:
VEJA ESTE OUTRO CASO:
Porte ilegal de
arma de fogo e ausência de munição - 3
Em conclusão, a 2ª
Turma, por maioria, denegou habeas corpus no qual denunciado pela
suposta prática do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
pleiteava o trancamento de ação penal — v. Informativos 601 e 612. Entendeu-se
que, após a entrada em vigor da Lei 10.826/2003, a hipótese seria de crime de
perigo abstrato, para cuja caracterização não importaria o resultado concreto
da ação. Aduziu-se que a referida lei, além de tipificar o simples porte de
munição, não exigiria para a configuração do crime sob análise que a arma
estivesse municiada, de acordo com que se extrairia da redação do art. 14
daquele diploma legal. Avaliou-se, ainda,
que o trancamento de ação penal seria medida reservada a situações
excepcionais, como a manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de
extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios mínimos de
autoria e materialidade delitivas, inocorrentes na espécie. Para evitar
supressão de instância, não se conheceu da alegação, não apreciada pelo STJ nem
pelo tribunal estadual, de que o paciente fora autorizado, por presidente da
Corte estadual, a portar arma, a qual só não estaria registrada em seu nome
porque, à época dos fatos, ainda vigoraria o prazo legal para o devido
registro. Não obstante, explicitou-se que esse prazo, espécie de vacatio
legis indireta, teria sido destinado aos proprietários e possuidores de
arma de fogo (Lei 10.826/2003, art. 12), e não àqueles acusados de porte ilegal
(art. 14) . Vencido o Min. Celso de Mello, que concedia a ordem por entender
destituída de tipicidade penal a conduta imputada ao paciente.
HC
96759/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 28.2.2012.(HC-96759)
terça-feira, 8 de maio de 2012
Que julgamento foi esse no STF? Considerar a "personlidade voltada à prática delitiva" para impedir a insignificância? Pensei que esta perspectiva já tivesse sepultada.
HC N.
111.123-RS
RELATOR:
MIN. DIAS TOFFOLI
Habeas corpus. Penal. Furto simples na modalidade tentada. Artigo
155, caput, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal. Alegada
incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Valor dos
bens furtados equivalente a pouco mais da metade do salário mínimo vigente à
época dos fatos. Paciente
reincidente em práticas delituosas. Precedentes.
Ordem denegada.
1. Na espécie, não há como
considerar de reduzida expressividade financeira o valor em que foram avaliadas
as mercadorias que o paciente tentou subtrair, a saber, R$ 200,00 (duzentos
reais), se levado em conta que o valor do salário mínimo vigente à época dos
fatos não ultrapassava a cifra de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais).
2. De outra parte, ainda que se
admitisse ser de reduzida expressividade financeira o valor daqueles bens, o
que não é o caso, não há como acatar a tese de irrelevância material da conduta
por ele praticada, tendo em vista sua personalidade voltada à prática delitiva,
conforme se verifica na certidão de antecedentes criminais juntada à impetração
(fl. 38 do anexo 5).
3. Conforme a jurisprudência
desta Corte, “o reconhecimento da insignificância material da conduta increpada
ao paciente serviria muito mais como um deletério incentivo ao cometimento de
novos delitos do que propriamente uma injustificada mobilização do Poder
Judiciário” (HC nº 96.202/RS, Primeira Turma, Relator o Ministro Ayres
Britto, DJe de 28/5/10).
4. Essas circunstâncias inibem
a aplicabilidade do postulado da insignificância ao caso concreto.
5. Ordem denegada.
segunda-feira, 7 de maio de 2012
O STF mostrou-se alinhado à proibição da proteção deficente no caso das cotas raciais. Destaquei alguns trechos desta importante decisão
Plenário
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 1
O Plenário julgou improcedente pedido formulado em arguição de
descumprimento de preceito fundamental ajuizada, pelo Partido Democratas - DEM,
contra atos da Universidade de Brasília - UnB, do Conselho de Ensino, Pesquisa
e Extensão da Universidade de Brasília - Cepe e do Centro de Promoção de
Eventos da Universidade de Brasília - Cespe, os quais instituíram sistema de
reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com
base em critério étnico-racial. Preliminarmente ,
admitiu-se o cabimento da ação, por inexistir outro meio hábil para sanar a
lesividade questionada. Apontou-se entendimento da Corte no sentido de que a
subsidiariedade da via eleita deveria ser confrontada com a existência, ou não,
de instrumentos processuais alternativos capazes de oferecer provimento
judicial com eficácia ampla, irrestrita e imediata para solucionar o caso.
Articulou-se que, diante da natureza infralegal dos atos impugnados, a ação
direta de inconstitucionalidade não seria medida idônea para o enfrentamento da
controvérsia, tampouco qualquer das ações que comporiam o sistema de jurisdição
constitucional abstrata. De igual modo, repeliu-se alegada conexão ante
eventual identidade de causa de pedir entre esta ADPF e a ADI 2197/RJ. Ocorre
que as ações de índole abstrata não tratariam de fatos concretos, razão pela
qual nelas não se deveria, como regra, cogitar de conexão, dependência ou
prevenção relativamente a outros processos ou julgadores. Ademais, avaliou-se
que o tema relativo às ações afirmativas inserir-se-ia entre os clássicos do
controle de constitucionalidade, e seria conveniente que a controvérsia fosse
definitivamente resolvida pelo STF, para colocar fim a polêmica que já se
arrastaria, sem solução, por várias décadas nas diversas instâncias
jurisdicionais do país.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 2
No mérito, explicitou-se a abrangência da matéria. Nesse
sentido, comentou-se, inicialmente, sobre o princípio constitucional da
igualdade, examinado em seu duplo aspecto: formal e material. Rememorou-se o
art. 5º, caput, da CF, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer
qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob seu abrigo. Frisou-se,
entretanto, que o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar
solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria buscado emprestar a
máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade
material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país,
consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos,
sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a
desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para
efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de
cunho universalista — a abranger número indeterminado de indivíduos — mediante
ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas — a atingir grupos
sociais determinados — por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo
limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por
situações históricas particulares. Certificou-se que a adoção de políticas que
levariam ao afastamento de perspectiva meramente formal do princípio da
isonomia integraria o cerne do conceito de democracia. Anotou-se a superação de
concepção estratificada da igualdade, outrora definida apenas como direito, sem
que se cogitasse convertê-lo em possibilidade.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 3
Reputou-se, entretanto, que esse desiderato somente seria
alcançado por meio da denominada “justiça distributiva”, que permitiria
a superação das desigualdades no mundo dos fatos, por meio de intervenção
estatal que realocasse bens e oportunidades existentes na sociedade em
benefício de todos. Lembrou-se que o modelo constitucional pátrio incorporara
diversos mecanismos institucionais para corrigir distorções resultantes da
incidência meramente formal do princípio da igualdade. Sinalizou-se que, na
espécie, a aplicação desse preceito consistiria em técnica de distribuição de
justiça, com o objetivo de promover a inclusão social de grupos excluídos,
especialmente daqueles que, historicamente, teriam sido compelidos a viver na
periferia da sociedade. Em seguida, elucidou-se o
conceito de ações afirmativas, que seriam medidas especiais e concretas para
assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos, com o fito de
garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos
do homem e das liberdades fundamentais. Explanaram-se as diversas modalidades
de ações afirmativas empregadas em vários países: a) a consideração do critério
de raça, gênero ou outro aspecto a caracterizar certo grupo minoritário para
promover sua integração social; b) o afastamento de requisitos de antiguidade
para a permanência ou promoção de membros de categorias socialmente dominantes
em determinados ambientes profissionais; c) a definição de distritos eleitorais
para o fortalecimento de minorias; e d) o estabelecimento de cotas ou a reserva
de vagas para integrantes de setores marginalizados. Ademais, expôs-se a origem
histórica dessas políticas. Sublinhou-se que a Corte admitira, em outras
oportunidades, a constitucionalidade delas.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 4
Demonstrou-se que a Constituição estabeleceria que o ingresso
no ensino superior seria ministrado com base nos seguintes princípios: a)
igualdade de condições para acesso e permanência na escola; b) pluralismo de
ideias; e c) gestão democrática do ensino público (art. 206, I, III e IV). Além
disso, os níveis mais elevados do ensino, pesquisa e criação artística seriam
alcançados segundo a capacidade de cada um (art. 208, V). Exprimiu-se que o
constituinte teria buscado temperar o rigor da aferição do mérito dos
candidatos que pretendessem acesso à universidade com o princípio da igualdade
material. Assim, o mérito dos concorrentes que se encontrariam em situação de
desvantagem com relação a outros, em virtude de suas condições sociais, não
poderia ser aferido segundo ótica puramente linear. Mencionou-se que essas
políticas não poderiam ser examinadas apenas sob o enfoque de sua
compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente
considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre
outros. Deveriam, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico
sobre o qual se assentaria o Estado, desconsiderados interesses contingenciais.
Dessumiu-se que critérios objetivos de seleção, empregados de forma
estratificada em sociedades tradicionalmente marcadas por desigualdades
interpessoais profundas, acabariam por consolidar ou acirrar distorções
existentes. Nesse aspecto, os espaços de poder político e social manter-se-iam
inacessíveis aos grupos marginalizados, a perpetuar a elite dirigente, e a
situação seria mais grave quando a concentração de privilégios afetasse a
distribuição de recursos públicos. Evidenciou-se que a legitimidade dos
requisitos empregados para seleção guardaria estreita correspondência com os
objetivos sociais que se buscaria atingir. Assim, o acesso às universidades
públicas deveria ser ponderado com os fins do Estado Democrático de Direito.
Impenderia, também, levar em conta os postulados constitucionais que norteariam
o ensino público (CF, artigos 205 e 207). Assentou-se
que o escopo das instituições de ensino extrapolaria a mera transmissão e
produção do conhecimento em benefício de poucos que lograssem transpor seus
umbrais, por partirem de pontos de largada social ou economicamente
privilegiados. Seria essencial, portanto, calibrar os critérios de seleção à
universidade para que se pudesse dar concreção aos objetivos maiores colimados
na Constituição. Nesse sentido, as aptidões dos candidatos deveriam ser
aferidas de maneira a conjugar-se seu conhecimento técnico e sua criatividade
intelectual ou artística com a capacidade potencial que ostentariam para
intervir nos problemas sociais. Realçou-se que essa metodologia de seleção
diferenciada poderia tomar em consideração critérios étnico-raciais ou
socioeconômicos, para assegurar que a comunidade acadêmica e a sociedade fossem
beneficiadas pelo pluralismo de ideias, um dos fundamentos do Estado brasileiro
(CF, art. 1º, V). Partir-se-ia da premissa de que o princípio da igualdade não
poderia ser aplicado abstratamente, pois procederia a escolhas voltadas à
concretização da justiça social, de modo a distribuir mais equitativamente os
recursos públicos.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 5
Confrontou-se a inexistência, cientificamente comprovada, do
conceito biológico ou genético de raça, com a utilização do critério
étnico-racial para fins de qualquer espécie de seleção de pessoas. Sublinhou-se
que a Corte, nos autos do HC 82424 QO/RS (DJU de 19.3.2004), debatera o
significado jurídico do termo “racismo” (CF, art. 5º, XLII) e afastara o
conceito biológico, porquanto histórico-cultural, artificialmente construído
para justificar a discriminação ou a dominação exercida por alguns indivíduos
sobre certos grupos, maliciosamente reputados inferiores. Ressurtiu-se que, se
o constituinte de 1988 qualificara de inafiançável o crime de racismo, com o
escopo de impedir a discriminação negativa de determinados grupos, seria
possível empregar a mesma lógica para autorizar a utilização estatal da
discriminação positiva, com vistas a estimular a inclusão social de grupos
excluídos. Explicou-se que, para as sociedades contemporâneas que passaram pela
experiência da escravidão, repressão e preconceito, ensejadora de percepção
depreciativa de raça com relação aos grupos tradicionalmente subjugados, a
garantia jurídica de igualdade formal sublimaria as diferenças entre as
pessoas, de modo a perpetrar as desigualdades de fato existentes. Reportou-se
que o reduzido número de negros e pardos detentores de cargos ou funções de
relevo na sociedade resultaria da discriminação histórica que as sucessivas
gerações dos pertencentes a esses grupos teriam sofrido, ainda que de forma
implícita. Os programas de ação afirmativa seriam, então, forma de compensar
essa discriminação culturalmente arraigada. Nessa linha de raciocínio,
destacou-se outro resultado importante dessas políticas: a criação de
lideranças entre os grupos discriminados, capazes de lutar pela defesa de seus
direitos, além de servirem como paradigmas de integração e ascensão social.
Como resultado desse quadro, registrou-se o surgimento de programas de
reconhecimento e valorização de grupos étnicos e culturais. Ressaiu-se que,
hodiernamente, justiça social significaria distinguir, reconhecer e incorporar
à sociedade valores culturais diversificados. Esse modo de pensar revelaria a
insuficiência da utilização exclusiva do critério social ou de baixa renda para
promover a integração de grupos marginalizados, e impenderia incorporar-se nas
ações afirmativas considerações de ordem étnica e racial. Salientou-se o seu
papel simbólico e psicológico, em contrapartida à histórica discriminação de
negros e pardos, que teria gerado, ao longo do tempo, a perpetuação de
consciência de inferioridade e de conformidade com a falta de perspectiva, tanto
sobre os segregados como para os que contribuiriam para sua exclusão.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 6
Discorreu-se sobre o papel integrador da universidade e os
benefícios das ações afirmativas, que atingiriam não apenas o estudante que
ingressara no sistema por intermédio das reservas de vagas, como também todo o
meio acadêmico, dada a oportunidade de conviver com o diferente. Acrescentou-se
que esse ambiente seria ideal para a desmistificação dos preconceitos sociais e
para a construção de consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea. A
corroborar essas assertivas, assinalaram-se diversas ações afirmativas
desenvolvidas a respeito do tema nos EUA. Examinou-se, também, a adequação dos
instrumentos utilizados para a efetivação das políticas de ação afirmativa com
a Constituição. Reconheceu-se que as universidades adotariam duas formas
distintas de identificação do componente étnico-racial: autoidentificação e
heteroidentificação. Declarou-se que ambos os sistemas, separados ou
combinados, desde que jamais deixassem de respeitar a dignidade pessoal dos
candidatos, seriam aceitáveis pelo texto constitucional. Por sua vez, no que toca
à reserva de vagas ou ao estabelecimento de cotas, entendeu-se que a primeira
não seria estranha à Constituição, nos termos do art. 37, VIII. Afirmou-se, de
igual maneira, que as políticas de ação afirmativa não configurariam meras
concessões do Estado, mas deveres extraídos dos princípios constitucionais.
Assim, as cotas encontrariam amparo na Constituição.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 7
Ressaltou-se a natureza transitória dos programas de ação
afirmativa, já que as desigualdades entre brancos e negros decorreriam de
séculos de dominação econômica, política e social dos primeiros sobre os
segundos. Dessa forma, na medida em que essas distorções históricas fossem
corrigidas, não haveria razão para a subsistência dos programas de ingresso nas
universidades públicas. Se eles ainda assim permanecessem, poderiam
converter-se em benesses permanentes, em detrimento da coletividade e da democracia.
Consignou-se que, no caso da UnB, o critério da temporariedade fora cumprido,
pois o programa de ações afirmativas lá instituído estabelecera a necessidade
de sua reavaliação após o transcurso de dez anos. Por fim, no que concerne à
proporcionalidade entre os meios e os fins colimados nessas políticas,
considerou-se que a reserva de 20% das vagas, na UnB, para estudantes negros, e
de um pequeno número delas para índios, pelo prazo de citado, constituiria
providência adequada e proporcional a atingir os mencionados desideratos.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 8
O Min. Luiz Fux ratificou que as ações afirmativas seriam
políticas eficazes de distribuição e de reconhecimento, porquanto destinadas a
fornecer espécies limitadas de tratamento preferencial para pessoas de certos
grupos raciais, étnicos e sociais, que tivessem sido vítimas de discriminação
de longa data. Clarificou que a igualdade não se efetivaria apenas com a
vedação da discriminação, senão com a igualdade para além da formal, ou seja, a
isonomia real como ultima ratio, a atender aos reclamos do não
preconceito e da proibição ao racismo como cláusulas pétreas constitucionais.
Aquilatou que o direito à diferença reivindicaria implementação ética da
igualdade material, escopo que não se alcançaria tão somente com promessas
legais abstratas, as quais não se coadunariam com a moderna percepção da
efetividade das normas constitucionais. Neste passo, qualificou as cotas em
questão como instrumento de transformação social. Preconizou que a construção
de sociedade justa e solidária imporia a toda a coletividade a reparação de
danos pretéritos, a adimplir obrigações morais e jurídicas. Aduziu que todos os
objetivos do art. 3º da CF, que prometeriam a construção de sociedade justa e
solidária, traduzir-se-iam na mudança para se alcançar a realização do valor
supremo da igualdade, a fundamentar o Estado Democrático de Direito
constituído. Reputou paradoxal a dificuldade de alunos de colégios públicos
chegarem às universidades públicas, as quais seriam compostas, na maioria, por
estudantes egressos de escolas particulares. Acresceu que a política das cotas
atenderia, à saciedade, o princípio da proporcionalidade, na medida em que
erigiria a classificação racial benigna, a qual não se compararia com
discriminações. Explanou que aquela visaria fins sociais louváveis, ao passo
que as últimas teriam cunho odioso e segregacionista.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 9
Assentou que as políticas públicas implementadas pelas
universidades em nada violariam o princípio da reserva legal. Elas não
surgiriam de vácuo, mas teriam fulcro na Constituição, na legislação federal e
em atos administrativos (atos normativos e secundários). Nesse sentido, citou
normas criadas com essa finalidade: a) a Lei 9.394/96, que estabelece
Diretrizes e Bases para a Educação; b) a Lei 10.172/2001, que aprova o Plano
Nacional de Educação, a qual teria disposto que o ensino superior deveria criar
políticas que facilitassem às minorias vítimas de discriminação o acesso à
educação superior por meio de programas de compensação de deficiências de sua
formação escolar anterior; c) a Lei 10.558/2002, que estatui o Programa de
Diversidade na Universidade, ao definir como objetivo implementar e avaliar
estratégias para promoção do acesso ao ensino superior; d) a Lei 10.678/2003, que
cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial; e) a
Lei 12.288/2010, que institui o Ordenamento da Igualdade Racial, ao estipular
que, no âmbito do direito à educação, a população afrodescendente deverá
receber do Poder Público programas de ação afirmativa; e f) a Convenção
Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,
internalizada no ordenamento pátrio pelo Decreto 65.810/69. Por fim, relembrou
orientação da Corte no sentido de que o STF não defenderia essa ou aquela raça,
mas a raça humana.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 10
A Min. Rosa Weber acrescentou que igualdade formal seria presumida,
a desprezar processos sociais concretos de formação de dessemelhanças. Avaliou
que as possibilidades de ação, escolha de vida, visões de mundo, chances
econômicas, manifestações individuais ou coletivas específicas seriam muito
mais restritas para aqueles que, sob a presunção da igualdade, não teriam suas
condições particulares consideradas. Nesse caso, assentou necessárias
intervenções do Estado por meio de ações afirmativas, a fim de que se
corrigisse a desigualdade concreta, de modo que a igualdade formal voltasse a
ter seu papel benéfico. Ademais, ponderou que, ainda que se admitisse a tese de
que a quase ausência de negros no ensino superior e nos postos mais altos do
mercado de trabalho e da vida social brasileira não se daria em razão de recusa
consciente pela cor, a disparidade social seria flagrante. Colacionou o dado de
que, dentre a parcela de 10% da população brasileira mais pobre, 75% seria
composta por pretos e pardos. Quanto ao princípio da proporcionalidade, aduziu
que o modelo não o feriria, haja vista que o fato de certa política pública
correr o risco de ser ineficaz não indicaria motivo para considerá-la
inadequada prima facie. Além disso, as universidades teriam conseguido
realizar de forma convincente seus objetivos com as cotas, de sorte a aumentar
o contingente de negros na vida acadêmica, mantê-los nos seus cursos,
capacitá-los para disputarem as melhores chances referentes às suas escolhas de
vida.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 11
Não vislumbrou violação ao subprincípio da necessidade,
porquanto a política de cotas seria imediata e temporária, bem como tenderia a
desaparecer à medida que as discrepâncias sociais fossem diminuídas. Lembrou
não haver ofensa a qualquer direito subjetivo à ocupação de vagas do ensino
superior pelo mérito aferido na classificação do vestibular pura e
simplesmente. Isso porque a universalização do ensino diria respeito ao
fundamental e ao médio. Explicou que, se assim não fosse, não faria sentido
condicionar meritoriamente o acesso ao nível superior, pelo que não haveria
direito subjetivo a cursar faculdade, muito menos pública (CF, art. 208, V).
Ressaltou, então, existir espaço livre para realização de políticas públicas de
inclusão social que não violassem os princípios básicos de cunho individual e
coletivo, bem como aqueles que tivessem liame com o ensino superior. Destacou
inexistir afronta a critério de mérito, porque os concorrentes à vaga de
cotista submeter-se-iam a nota de corte. Além disso, as vagas remanescentes
poderiam ser redirecionadas para os demais candidatos aprovados e não
classificados. Realçou que as cotas possuiriam 3 tarefas: a) acesso ao ensino
superior do grupo representativo não encontrado de maneira significativa; b)
compreensão melhor da realidade brasileira e das suas condições de mudança; e
c) transformação dos meios sociais em que inseridas as universidades, com fito
de propiciar mais chances a quem essa realidade fora negada.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 12
A Min. Cármen Lúcia anotou que a Constituição partiria da
igualdade estática para o processo dinâmico da igualação. Enfatizou a
responsabilidade social e estatal de que o princípio da igualdade dinâmica
fosse cumprido objetivamente. Exprimiu que o sentimento de inferioridade em
razão de falta de oportunidades comuns não poderia ser ignorado socialmente,
visto que fragilizaria grande parte de pessoas desprovidas de autorrespeito e
dignidade. Aludiu que as ações afirmativas seriam etapa diante de quadro em
que a igualdade e a liberdade de ser diferente ainda não teriam ocorrido de
forma natural. Neste contexto, consignou que a função social da universidade
seria propiciar os valores necessários aos menos aquinhoados historicamente com
oportunidades, a fim de que os princípios constitucionais fossem efetivados.
Arrematou que as políticas compensatórias deveriam ser acompanhadas de outras
providências com a finalidade de não reforçar o preconceito.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
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O Min Joaquim Barbosa definiu a discriminação como componente
indissociável do relacionamento entre os seres humanos. Salientou estar em
jogo, em certa medida, competição, espectro que germinaria em todas as
sociedades. Nestes termos, estatuiu que, quanto mais intensa a discriminação e
mais poderosos os mecanismos inerciais a impedir o seu combate, mais ampla a
clivagem entre o discriminador e o discriminado. Esclareceu que, aos esforços
de uns, em prol da concretização da igualdade, se contraporiam os interesses de
outros no status quo. Seria natural que as ações afirmativas sofressem
os influxos das forças antagônicas e que atraíssem considerável resistência,
sobretudo da parte daqueles que, historicamente, se beneficiaram da
discriminação dos grupos minoritários. No ponto, frisou que as ações
afirmativas definir-se-iam como políticas públicas voltadas à concretização do
princípio da igualdade material e da neutralização dos efeitos perversos da
discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição
física. Apontou que a igualdade deixaria de ser princípio jurídico a ser
respeitado por todos e passaria a se consubstanciar objetivo constitucional a
ser alcançado pelo Estado e pela sociedade. Ressaltou haver, no direito
comparado, vários casos de ação afirmativa desenhadas pelo Poder Judiciário —
naquelas circunstâncias em que a ele não restaria outra alternativa senão
determinar medidas cabíveis. Aduziu que, impostas ou sugeridas pelo Estado, por
seus entes vinculados e até mesmo por entidades privadas, essas providências
visariam combater não apenas discriminação flagrante, mas também aquela de
fato, de fundo cultural, estrutural, como a brasileira, arraigada de tal forma
na sociedade que as pessoas sequer a perceberiam. Afirmou que constituiriam a
mais eloquente manifestação da ideia de Estado diligente, daquele que tomaria
iniciativa, que não acreditaria na força invisível do mercado. Reputou que se
trataria de mecanismo sócio-jurídico destinado a viabilizar, primordialmente,
harmonia e paz social — que, mais cedo ou mais tarde, ver-se-ia seriamente
perturbada quando um grupo social expressivo estivesse eternamente à margem do
processo produtivo e dos benefícios do progresso. Registrou que essas ações
objetivariam robustecer o desenvolvimento econômico do país, à proporção que a
universalização do acesso à educação e ao mercado econômico teria, como
consequência inexorável, o crescimento macroeconômico, a ampliação generalizada
dos negócios, ou seja, o crescimento do país como um todo. Sobrelevou que a
história universal não registraria, na era contemporânea, nenhum exemplo de
nação que tivesse se erguido, de condição periférica à de potência econômica e
política, digna de respeito, na cena internacional, quando mantenedora, no plano
doméstico, de política de exclusão, fosse ela aberta ou dissimulada, legal ou
meramente estrutural ou histórica, em relação a parcela expressiva de sua
população.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 14
O Min. Cezar Peluso destacou o déficit educacional e cultural
da etnia negra, em virtude das graves e conhecidas barreiras institucionais de
seu acesso a esses bens. Sobressaiu que o acesso à educação seria meio
necessário e indispensável para a fruição de desenvolvimento social e
econômico. Frisou o dever ético e jurídico de o Estado e a sociedade promoverem
a solidariedade e o bem de todos sem preconceito racial e erradicarem a
marginalização. Julgou que a política de ação afirmativa em comento seria
experimento realizado pelo Estado, cujo sucesso poderia, ao longo do tempo, ser
controlado e aperfeiçoado. Afastou o argumento no sentido de que as cotas
seriam discriminatórias, visto que ignoraria as próprias discriminações,
formuladas pela Constituição, na tutela desses grupos atingidos por alguma
espécie de vulnerabilidade sócio-política. Ademais, rechaçou a tese de que,
após a obtenção do diploma, seria reproduzida a discriminação em desfavor dos
negros. Afirmou que o diploma garantiria o patrimônio educacional dessas
pessoas e que essa vantagem compensaria a possibilidade de alguma reprovação
pós-universidade. Repudiou, de igual modo, a ausência de distinção por etnia,
pois a discriminação negativa seria fenômeno humano, ligado às diferenças
fenotípicas, e irracional, como todo preconceito. Quanto à questão do mérito
pessoal, supostamente deixado de lado, disse que essa alegação ignoraria os
obstáculos historicamente opostos aos esforços dos grupos marginalizados e cuja
superação não dependeria das vítimas da marginalização, mas de terceiros.
Salientou que o merecimento seria critério justo, porém apenas em relação aos
candidatos que tivessem oportunidades idênticas ou assemelhadas. No que concerne
ao suposto incentivo ao racismo que as cotas proporcionariam, lembrou que a
experiência, até o momento, demonstraria a inocorrência desse fenômeno ou a sua
manifestação em
escala irrelevante. Por fim, observou que o critério racial
deveria ser aliado ao socioeconômico. Apontou, também, que seria contraditório
considerar elementos genotípicos — se fosse esse o critério adotado pela
comissão encarregada de apurar os destinatários das cotas — para permitir a
entrada na universidade de quem, pelas características fenotípicas, nunca fora
discriminado.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 15
O Min. Gilmar Mendes consignou que o projeto da UnB seria pioneiro
dentre as universidades federais e, por isso, suscetível de questionamentos e
aperfeiçoamentos. Destacou que, no modelo da mencionada universidade, ter-se-ia
utilizado de critério exclusivamente racial, ausente em relação ao Prouni ,
por exemplo, em que, a despeito de se embasar na questão da raça, também teria
em conta a hipossuficiência do estudante. Desse modo, embora a forma adotada
por aquela instituição de ensino fosse autodesignativa por parte do candidato,
ter-se-ia criado verdadeiro tribunal racial, longe de ser infalível e
suscetível de distorções eventualmente involuntárias, por operar com quase
nenhuma transparência. Enfatizou que a modalidade escolhida teria a
temporalidade como sua característica e deveria vir seguida de um relatório —
um acompanhamento pari passu do resultado, ou seja, qual seria o efeito
da política pública em relação ao objetivo que se pretenderia. A diminuta
presença de negros nas universidades decorreria do contexto histórico
escravocrata brasileiro e da má qualidade das escolas públicas, porém, não se
poderia dizer que a fórmula estaria na melhoria das escolas públicas, sob pena
de se comprometer gerações que estariam na fase de transição desses
estabelecimentos de ensino para o vestibular. Ressurtiu que, nesse compasso, a
população negra, historicamente mais débil economicamente, não lograria
condições de pagar a perversidade do sistema, que se faria mais cruel ao não
permitir discussão sobre alguma forma de financiamento. Ressaltou ser notória a
presença, nas universidades federais, daqueles que, em princípio, passaram pela
escola privada. Concluiu necessária a revisão do parâmetro estabelecido.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 16
O Min. Marco Aurélio entendeu harmônica com a Constituição e
com os direitos fundamentais nela previstos a adoção temporária e proporcional
do sistema de cotas para ingresso em universidades públicas, considerados
brancos e negros. Extraiu, do art. 3º da CF, base suficiente para acolher ações
afirmativas, maneira de corrigir desigualdades a favor dos discriminados.
Esclareceu que os objetivos fundamentais da República consubstanciariam
posturas dinâmicas, as quais implicariam mudança de óptica. Realçou que os
princípios constitucionais teriam tríplice função: a) a informativa, junto ao
legislador ordinário; b) a normativa, para a sociedade como um todo; e c) a
interpretativa, tendo em conta os operadores do Direito. Destacou que nem a
passagem do tempo, nem o valor “segurança jurídica” suplantariam a
ênfase dada pelo legislador constituinte ao crime racial (CF, art. 5º, XLII). Anotou que as normas proibitivas não seriam suficientes para
afastar a discriminação do cenário social e, no ponto, fez apelo ao Congresso
Nacional para que houvesse normas integrativas. Enumerou como exemplos de ação
afirmativa na Constituição: a) a proteção de mercado quanto à mulher (art. 7º,
XX); b) a reserva de vaga nos concursos públicos para deficientes (art. 37,
III); e c) o tratamento preferencial para empresas de pequeno porte e à criança
e ao adolescente (artigos 170 e 227, respectivamente). Assim, revelou
que a prática das ações afirmativas pelas universidades públicas brasileiras
denotaria possibilidade latente nos princípios e regras constitucionais
aplicáveis à matéria. Avaliou que a implementação por deliberação
administrativa decorreria do princípio da supremacia da Carta Federal e também
da previsão, presente no artigo 207, caput, dela constante, da autonomia
universitária. Aduziu que o Supremo, em visão evolutiva, já teria reconhecido a
possibilidade de incidência direta da Constituição nas relações calcadas pelo
direito administrativo.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 17
Mencionou, ainda, que a definição dos critérios de admissão no
vestibular disciplinar-se-ia pelo edital, de acordo com os artigos 44, II, e
parágrafo único, e 53, caput, da Lei 9.394/97. Assinalou que a adoção de
políticas de ação afirmativa em favor de negros e de outras minorias no Brasil
não teria gerado o denominado “Estado racializado”, como sustentara o
arguente. A respeito, observou que seriam mais de dez anos da prática sem
registro de qualquer episódio sério de tensão ou conflito racial no Brasil que
pudesse ser associado a essas medidas. Versou que o art. 208, V, da CF deveria
ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais, de
sorte que a cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente poderia
referir-se à igualdade plena, tendo em vista a vida pregressa e as
oportunidades que a sociedade oferecera às pessoas. No ponto, ressaltou que a
meritocracia sem “igualdade de pontos de partida” seria apenas forma
velada de aristocracia. Apesar de reputar relevante a alegação de que o sistema
de verificação de cotas conduziria à prática de arbitrariedades pelas comissões
de avaliação, rechaçou-a. Explicou que essa assertiva não consubstanciaria
argumento definitivo contra a adoção da política de cotas. Ocorre que, na
aplicação do sistema, as distorções poderiam acontecer, mas se deveria presumir
que as autoridades públicas pautar-se-iam por critérios razoavelmente
objetivos. Ademais, registrou que descaberia supor o extraordinário, a fraude,
a má-fé, para tentar deslegitimar-se a política. Alfim, sobrelevou que somente
existiria a supremacia da Constituição quando, à luz desse diploma, vingar-se a
igualdade. Concluiu que a ação afirmativa evidenciaria o conteúdo democrático
do princípio da igualdade jurídica.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
(ADPF-186)
Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 18
Em acréscimo, o Min. Celso de Mello assinalou que o presente
tema deveria ser apreciado não apenas sob a estrita dimensão
jurídico-constitucional, mas, também, sob perspectiva moral, pois o racismo e
as práticas discriminatórias representariam grave questão de índole moral com
que defrontada qualquer sociedade, notadamente, as livres e fundadas em bases democráticas.
Considerou que o ato adversado seria harmônico com o texto
constitucional e com os compromissos que o Brasil assumira na esfera
internacional, a exemplo da Conferência de Durban; da Convenção Internacional
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; da Declaração
Universal dos Direitos da Pessoa Humana; dos Pactos Internacionais sobre os
Direitos Civis, Políticos Econômicos, Sociais e Culturais; da Declaração e do
Programa da Ação de Viena. Destacou que os deveres
irrenunciáveis emanados desses instrumentos internacionais incidiriam de modo
pleno sobre o Estado brasileiro e impor-lhe-iam execução responsável em favor
da defesa e da proteção da integridade de todas as pessoas, em especial, dos
grupos vulneráveis que sofreriam a perversidade de injustas discriminações em
virtude de sua origem étnico-racial. No ponto, registrou que o conceito
de minoria não seria apenas numérico, mas, ao revés, apoiar-se-ia na noção de
vulnerabilidade, como nas discriminações de gênero.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012.
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Políticas de ação afirmativa e reserva
de vagas em universidades públicas - 19
Afirmou, outrossim, que o desafio do país seria a efetivação
concreta, no plano das realizações materiais, daqueles deveres
internacionalmente assumidos. Por outro lado, frisou que, pelo exercício da
função contramajoritária — decorrente, muitas vezes, da prática moderada de ativismo
judicial —, dar-se-ia consequência à própria noção material de democracia
constitucional. Consignou que as políticas públicas poderiam ser pautadas por
outros meios que não necessariamente pelo modelo institucional de ações
afirmativas, caracterizadas como instrumentos de implementação de mecanismos
compensatórios — e temporários — destinados a dar sentido aos próprios
objetivos de realização plena da igualdade material. Por fim, o Min. Ayres
Britto, Presidente, repisou a preocupação do texto constitucional, em seu
preâmbulo, com o bem estar e, assim, com distribuição de riqueza, patrimônio e
renda. Reputou que o princípio da igualdade teria sido criado especialmente
para os desfavorecidos e que a Constituição proibira o preconceito. Como forma
de instrumentalizar essa vedação, fomentara as ações afirmativas, a exigir do
Estado o dispêndio de recursos para encurtar distâncias sociais e promover os
desfavorecidos.
ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e
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