quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Realizar tatuagem consentida em menor de 13 anos, sem a autorização expressa de um dos representantes legais, não sustenta integração típica ao delito de lesões corporais, que pressupõe a realização do núcleo ofender (TJMG)

RECURSO DA ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO. CONCOMITÂNCIA COM O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NÃO-CONHECIMENTO DO PRIMEIRO. CARÁTER SUPLETIVO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 598 DO CÓDIGO PROCESSO PENAL. Tendo apelado o ministério público, buscando a reforma integral da sentença absolutória, o recurso do assistente da acusação não pode ser conhecido, dado o seu caráter supletivo, nos termos do art. 598 do código de processo penal. Estupro - Prova da prática delitiva - Palavra da vítima - Especial relevo - Coerência e compatibilidade com os demais elementos dos autos, inclusive pela confissão do réu em ambas as fases - Violência presumida - Caráter absoluto - Absolvição em primeira instância - Inconformismo ministerial - Condenação - Necessidade. Nos crimes contra os costumes, quase sempre praticados sem testemunhas presenciais, a palavra da vítima é de amplo valor probatório, sobretudo se corroborada por todos os outros elementos de convicção contidos nos autos, inclusive pela livre confissão o réu na polícia e em juízo, sendo irrelevante seu consentimento para a prática delitiva, devido ao caráter absoluto da norma esculpida na alínea a do art. 224 do Código Penal. Lesões corporais de natureza gravíssima - Tatuagem - Erro de tipo - Ação culposa - Inadequação - Delito possível de abuso de incapazes - Correlação - Manutenção da absolvição. Realizar tatuagem consentida em menor de 13 anos, sem a autorização expressa de um dos representantes legais, não sustenta integração típica ao delito de lesões corporais, que pressupõe a realização do núcleo ofender, cujo conteúdo seria antagônico à própria atividade e, ainda que assim não fosse, a ação suporia erro de tipo que, mesmo que inescusável, não suscitaria integração culposa, muito embora, em tese, seja possível condenação por delito de abuso de incapazes, cujo reconhecimento não se mostra possível em virtude do princípio da correlação e da vedação contida na Súmula nº 453 do Supremo Tribunal Federal. Recurso provido em parte. (TJ-MG; APCR 1.0390.07.017747-7/0011; Machado; Primeira Câmara Criminal; Rel. Des. Judimar Biber; Julg. 06/10/2009; DJEMG 03/12/2009).

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

roxin-x-zaffaroni por Luís H. Silveira: "Os manuais e os professores que se guiam exclusiva ou preponderantemente pelo pensamento sistemático-dedutivo estão com os dias contados"

Claus Roxin x Eugênio Raúl Zaffaroni

Claus Roxin (Hamburgo, 15 de maio de 1931) é um jurista alemão. Ele é um dos mais influentes dogmáticos do direito penal alemão, tendo conquistado reputação nacional e internacional neste ramo. É detentor de doutorados honorários conferidos por 17 universidades no mundo.
Roxin estudou direito da Universidade de Hamburgo de 1950 a 1954. Trabalhou, depois disso, como assistente científico onde em 1957 receberia o grau de doutorado por sua tese Offene Tatbestände und Rechtspflichtmerkmale. Em 1962 ele apresentou Täterschaft und Teilnahme (crime e acessórios do crime) que se transformou em um trabalho standard em seu ramo.
Roxin tornou-se professor da Universidade de Göttingen em 1963. Em 1966 foi um dos autores de "Alternativentwurf für den Allgemeinen Teil des deutschen Strafgesetzbuchs" (Proposta alternativa para a parte geral do Código Penal alemão) que influenciou o direito penal alemão nos anos seguintes. De 1968 a 1971 também trabalhou na proposta alternativa da parte especial do Código Penal alemão, lançada em 4 volumes.
Em 1971, tornou-se professor da Universidade de Munique onde lecionou até 1999 ocupando a cadeira de direito penal e processo penal. Trabalhou, também, em um workshop de juristas alemães e suíços que publicou uma proposta alternativa do sistema penal alemão em 1973 e uma proposta alternativa ao Código de Processo Penal alemão em 1980.
Claus Roxin foi o introdutor do Princípio da bagatela, em 1964, no sistema penal[1]. Claus Roxin foi o desenvolvedor do Princípio da Alteridade ou Transcendentalidade no Direito Penal. Segundo tal princípio, se proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente, e que, por essa razão, revela-se incapaz de lesionar o bem jurídico. Ninguém pode ser punido por ter feito a si mesmo.
Claus Roxin que, por ser o responsável pela maior revolução metodológica do Direito penal no último século, é hoje reputado o maior penalista do planeta. Em 1964 Roxin redescobriu o princípio da insignificância e coerente com sua posição científica passou a sustentar que nas infrações bagatelares não há necessidade de pena. Logo, não se trata de fato punível. Contribuiu para o desenvolvimento da teoria da imputação objetiva, para a construção da teoria da responsabilidade penal etc. Porém, de todas as suas idéias, é bem provável que destaque especial deve merecer a revolução que causou seus ensinamentos a respeito das relações entre Política criminal e Direito penal. Sucintamente sua idéia central é a seguinte: a Dogmática penal já não pode ser indiferente em relação ao seu produto final, isto é, ao seu resultado ou mesmo aos valores que guiam o quadro constitucional (axiológico) vigente. Por quê? Porque desde 1970, com a obra de Roxin (Politica criminal y sistema del derecho penal, trad. de Muñoz Conde, Barcelona: Bosch, 1972), já não se concebe a Dogmática penal distante da Política criminal. Essa separação resultou clara na doutrina de Von Liszt (final do século XIX). Descobriu-se, entretanto, finalmente, que a Dogmática tem que ser aberta, tem que atuar finalisticamente (em busca da realização de alguns valores, como o da justiça). O saber penal, desse modo, insere-se hoje com certeza no âmbito dos saberes práticos (leia-se: é algo que existe para a resolução racional de conflitos humanos). A forma tradicional de estudar e de ensinar o Direito penal, fundada no método puramente legalista (literalista) e subsuntivo, que tem origem no Estado moderno (final do século XVIII), está ultrapassada. Acha-se esgotado o modelo consistente em interpretar e sistematizar o Direito penal desde a perspectiva exclusiva da letra da lei vigente. Lei vigente pode não ser lei válida (Ferrajoli). É certo que existe uma justificação histórica para essa Dogmática positivista, legalista e formalista. A ciência do Direito nasceu com uma dupla preocupação: de se justificar como ciência e de demonstrar que recaía (que tinha como objeto) sobre algo demonstrável empiricamente (havia preocupação com a segurança, com a certeza do seu conteúdo). Essa é a razão de a Dogmática penal ter feito a eleição das leis vigentes, isto é, do direito positivado, como objeto de seu estudo (porque assim passou a discorrer sobre algo palpável, visível, objetivo). Aliás, o nascimento da Dogmática penal está estreitamente coligado com o princípio da legalidade penal. Nenhuma consideração sobre valores era possível, porque valores pertencem ao subjetivo (leia-se: ao indemonstrável). O método dessa Dogmática clássica é o dedutivo. Dos textos legais extrai-se um conjunto (neutro, sistematizado, seguro, asséptico) de explicações para a ciência penal. Não se concebe nenhum contato entre o Direito penal e a Política criminal. O saber penal (puro, neutro) não pode ser contaminado pelos raciocínios valorativos típicos da Política criminal. As características mais marcantes dessa Dogmática formalista e legalista foram, em suma: seu caráter abstrato (pouca preocupação com seus resultados), neutralidade axiológica (valorativa) e método dedutivo, isto é, da lei vigente (do direito positivo) extrai seu produto, sua forma de explicar o sistema, procurando dotá-lo de segurança e certeza. O mal da Dogmática penal formalista foi acreditar na infalibilidade da lei (leia-se: do legislador). Hoje sabe-se que acabou o dogma do legislador "Deus", que representaria na terra a vontade divina. No limiar do 3º milênio, a "consciência" jurídica acrítica, neutra, asséptica, formalista, enfim, já não encontra nenhuma justificativa, particularmente quando se considera o modelo de Estado vigente no nosso país (Estado Constitucional e Democrático de Direito). Os manuais e os professores que se guiam exclusiva ou preponderantemente pelo pensamento sistemático-dedutivo estão com os dias contados. Porque essa forma de ensinar e aplicar o Direito (particularmente o penal) deu lugar a outro modelo fincado no pensamento problemático (solução justa em cada caso concreto) . Exemplos práticos (de evidenciação do acerto do pensamento de Roxin): (a) um beijo lascivo é crime hediondo? Quem interpreta a lei penal de forma literal diz (absurdamente!) sim e admite então para esse fato a pena de seis anos de reclusão, que é igual à do homicídio; quem busca a solução justa para cada caso concreto jamais dirá sim (esse beijo poderia no máximo constituir uma contravenção penal - art. 61, LCP: importunação ofensiva ao pudor); (b) a Lei 10.259/01, que instituiu os juizados especiais criminais no âmbito federal, trouxe um novo limite para as infrações de menor potencial ofensivo (dois anos). Antes, no âmbito dos Estados, era de um ano. Pergunta-se: o novo limite de dois anos vale também para o âmbito estadual? O dogmático acrítico, abúlico, legalista, napoleônico e positivista diz não; o penalista constitucionalista, que tem no princípio da igualdade um dos valores mais essenciais da justiça, diz sim (porque o mesmo crime - desacato, por exemplo - não pode ter tratamento jurídico completamente distinto dentro do ordenamento jurídico: seria de menor potencial ofensivo no âmbito federal e crime comum no âmbito estadual); (c) quem, sendo primário e de bons antecedentes, furta um repelente de cinco reais de um supermercado deve ser punido com a pena de prisão de um a quatro anos (CP, art. 155)? O legalista positivista, que não tem outra preocupação que não seja a aplicação lógico-formal do Direito, diz sim (aliás, essa foi a solução penal para esse caso concreto dada recentemente pela 8ª Câmara Criminal do Rio de Janeiro); o penalista que admite a intervenção no Direito penal de todos os princípios político-criminais (mínima intervenção, exclusiva proteção de bens jurídicos, ofensividade, afetação relevante do bem jurídico.


Eugênio Raúl Zaffaroni, nascido em Buenos Aires em 1940, é Ministro da Suprema Corte da Nação Argentina, ainda, é professor titular e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, doutor honoris causa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal. Tendo publicado 27 livros em toda América Latina dentre elas Manual de Direito Penal Brasileiro com José Henrique Pierangelli explicando a origem do direito penal Brasileiro até os dias de hoje. Voltado para a criminologia crítica, Zaffaroni é adepto a um minimalismo penal do Estado, não com uma intervenção mínima, pois até entende que a intervenção do Estado é um garantismo do Estado Democrático de Direito explicando que o poder punitivo é um instrumento legítimo para garantia penal, no entanto, entende Zaffaroni que o direito de punir do Estado deve -se ser mínima em relação a quantitativa da punição, a função do direito penal passa a ser apenas a de impor obstrução à arbitrariedade estatal. É o Minimalismo Penal.

Suas teorias são amplamente difundidas no Brasil, tendo publicado livros em co-autoria com Pierangeli e com Nilo Batista em português.
É defensor de um pensamendo que define como "realismo marginal jurídico-penal". Muitos o consideram defensor do garantismo, entretanto esta confusão é feita porque até meados da década de oitenta Zaffaroni ainda pensava o Direito Penal como legítimo instrumento de controle social em vista da eficiência das penas criminais para ressocializar o punido.
O garantismo é um sistema sócio-cultural que estabelece instrumentos jurídicos para a defesa dos direitos fundamentais e conseqüente defesa do acesso aos bens essenciais à vida dos indivíduos ou de coletividades, que conflitem com interesses de outros indivíduos, outras coletividades e/ou, sobre tudo, com interesses do Estado. O Garantismo se vincula ao conceito de Estado Democrático de Direito, modelo político-jurídico destinado a limitar e evitar a arbitrariedade do poder punitivo estatal. Entretanto, possui matriz positivista e, embora carregue em si o minimalismo penal como um de seus postulados, pensa o poder punitivo como um instrumento legítimo e em alguns casos eficiente.
Após a publicação de "Criminologia: una aproximación desde un margen" (1988) e "En busca de las penas pertidas: deslegitimación e dogmática jurídico-penal" (1989) Zaffaroni assume uma postura realista - quanto ao atuar real e irracional das agências punitivas - e marginal - quanto a realidade dos países periféricos em face do poder planetário -, voltada para a américa-latina, deslegitimante do poder de punir, onde as penas criminais não podem ser juridicamente fundamentadas, senão que elas têm um sentido político (teoria agnóstica da pena); é defensor de um minimalismo tendente ao abolicionismo. Sua dogmática é renovada (Derecho Penal: parte general, 2000) para o que ele chama de "funcionalismo redutor", a função do direito penal passa a ser apenas a de impor freio à arbitrariedade estatal, à violência institucional; impor ao que ele chama "Estado de Polícia" o "Estado Democrático".
Sua doutrina é marcada pela utilização de uma criminologia crítica como manifestação política para a formulação dogmática, uma das suas principais contribuições nesse sentido é a "culpabilidade por vulnerabilidade" que leva em conta a seletividade do sistema penal.

FONTE
sábado, 8 de maio de 2010
Postado por Luís H. Silveira às 14:41:00
http://luisilveira007.blogspot.com/2010/05/roxin-x-zaffaroni.html

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Violência infantil: O que é Síndrome de Caffey" ? Leiam o artigo

A violência e as CRIANÇAs

Antenor Plácido Carvalho Chicarino



Médico legista e professor de Medicina Legal



CABETTE, Eduardo Luiz Santos, CHICARINO, Antenor P. C.. A violencia e as criancas. Boletim IBCCRIM. Sao Paulo, n.73, p. 12-13, dez. 1998.

A violência no âmbito doméstico, principalmente contra crianças de tenra idade, é questão chocante e, muitas vezes, relegada a um segundo plano pela sociedade, que prefere ignorar a realidade em face de sua natureza abjeta.

As seqüelas e características desse tipo de violência conduzem a um conjunto de sintomas capazes de levar a uma constatação segura da possibilidade de uma criança estar sendo vítima desse tipo de conduta.

Tal conjunto tem sido denominado de "Síndrome de Caffey" ou "Síndrome da Criança Espancada" e pode ser um instrumento de grande valia para a detecção de casos de espancamento de crianças por parte de profissionais das mais diversas áreas que tenham algum contato com crianças, ou venham a investigar casos que tais (v.g. professores, pedagogos, psicólogos, médicos, policiais, etc.).

Por incrível que pareça, as primeiras características dominantes dessa violência são que os atos ocorrem normalmente no lar e em situações do cotidiano. Os agressores geralmente são os pais ou responsáveis, sendo fato que as mães predominam nas estatísticas. As crianças são especialmente aquelas entre zero e três anos, aumentando a incidência em razão direta à maior ou menor vida de relacionamento da criança, ou seja, nas fases em que começa a engatinhar, andar, falar, enfim, ter maior manifestação e contato com o ambiente em que vive.

Considerando as circunstâncias em que normalmente a conduta do agressor se desenvolve, torna-se comum o uso de objetos domésticos como instrumentos para provocar lesões (ex.: ferro de passar, cabos de vassouras, garfos, facas de cozinha, panelas, alimentos fumegantes, etc.), sendo ainda comuns agressões manuais (chutes, tapas, socos) e até o arremesso das vítimas contra a parede ou o chão.

Em conseqüência ainda das condições peculiares desses casos, pode-se verificar caracteres de lesões que são indicadores.

A sua produção é geralmente marcada por um trajeto de cima para baixo, logicamente, pois produzida por um adulto contra uma criança. Ainda neste sentido observe-se que a gravidade das lesões e mesmo conseqüências letais são comuns nesse tipo de agressão devido à descomunal desproporção física entre os sujeitos ativos e passivos, o que pode até mesmo ocasionar resultados não previstos pelo agressor que não mensura devidamente o grau de violência de seus golpes.

O rosto e a cabeça são suas sedes mais comuns, inclusive por um instinto natural de qualquer agressor em atacar tais partes do corpo. Neste sentido são comuns queimaduras no rosto e na boca, especialmente relacionadas ao momento em que a criança é alimentada e recusa ou quer o alimento com impaciência, findando por receber a comida ainda muito quente propositadamente para queimar-se, ou ainda agressões com talheres e outros utensílios (garfos, facas de cozinha, panelas, etc.).

Também relacionadas a queimaduras, pode-se mencionar casos em que, com caráter "educativo", o agressor vem a queimar as nádegas da criança como castigo por haver urinado ou defecado nas roupas.

Em casos mais graves, as agressões na cabeça podem superar simples rupturas do couro cabeludo e chegar até à morte da vítima por traumatismo crânio-encefálico, ou mesmo em casos de espancamento na região do tronco, provocar quebra de costelas e rotura de órgãos internos.

Outra causa de morte comum é a asfixia, especialmente nos casos em que se pretende calar a criança que chora e acaba-se sufocando a mesma.

As quebraduras de ossos longos em datas diversas e a presença de equimoses de idade variável, constatáveis pela evolução cromática do espectro equimótico, são outras características altamente indiciárias do espancamento contínuo da criança.

Obviamente, todas essas indicações devem ser cuidadosamente cotejadas com as narrativas dos suspeitos agressores, que procurarão dar explicações acerca da origem das lesões, a serem analisadas quanto à sua verossimilhança e discrepância ou não com a natureza das lesões encontradas.

Outro fator indiciário da violência doméstica a ser salientado, nos casos de múltiplas lesões de datas diversas, é a procura de atendimento à vítima em hospitais e prontos-socorros diferentes em cada oportunidade, certamente visando evitar a constatação da continuidade das ocorrências lesivas envolvendo os mesmos personagens.

Este breve esboço do quadro indicador da chamada "Síndrome da Criança Espancada" desvela uma situação altamente repugnante e difícil de aceitar como realidade. Porém, existe em todas as camadas sociais e pode estar se passando ao nosso lado sem que houvéssemos nos conscientizado disso, de modo que sua divulgação é o principal desta exposição.

A conscientização dessa realidade há que ser difundida, a fim de sensibilizar a sociedade no sentido de criar mecanismos necessários para atender com eficiência e rapidez esses casos de alta gravidade e de conseqüências tão funestas e cruéis para o desenvolvimento dos vitimados.

Atente-se que as medidas nesse sentido não hão de restringir-se ao tratamento penal da matéria, mas deverão voltar-se especialmente ao tipo de assistência que se deverá prestar às vítimas, garantindo sua incolumidade física e psíquica.

No aspecto criminal, tirante os casos mais extremos (arts. 136, §§ 1º, 2º e 3º; 129, §§ 1º e 2º e 121 e seu § 2º, CP), a violência perpetrada contra a criança, principalmente aquela praticada pelos responsáveis, poderia ficar adstrita aos simples "maus-tratos", considerados "infração de menor potencial ofensivo" (art. 136, caput, CP c/c art. 61 da Lei nº 9.099/95). Isso ainda que fossem continuamente infligidos à vítima.

Com o advento da Lei nº 9.455 de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura, procurou-se dar um tratamento mais severo à matéria com os dispositivos do art. 1º, II e §§ 3º e 4º, II. Não obstante, sua caracterização muitas vezes esbarrará na dificuldade de comprovação do elemento subjetivo que diferenciaria os "maus-tratos" da "tortura"(1).

Já o art. 233 da Lei nº 8.069/90 (ECA) que era de validade duvidosa antes da definição de "tortura", trazida agora pela Lei nº 9.455/97, restou revogado por esta e, incrivelmente, com tratamento penal mais brando ao autor da violência contra crianças e adolescentes(2).

Certamente pecou a Lei nº 9.099/95 ao eleger como único critério determinador da infração de menor potencial ofensivo o quantum da pena máxima, ensejando situação incrível em que um crime terrivelmente danoso pelo seu aspecto deletério da formação da criança, venha a ser como tal considerado.

Também falhou o legislador em não descrever de forma casuística as condutas caracterizadoras da tortura, afastando discussões acerca de elementos subjetivos de difícil comprovação.

Assim sendo, a tutela penal nos casos de violência perpetrada contra criança apresenta-se branda e, principalmente, conturbada no aspecto da caracterização das condutas mais graves, o que, infelizmente, aparenta indicar mais uma fonte de impunidade.

Entretanto, conforme já se disse, ainda mais importante que o tratamento penal da matéria, são os meios de assistência a serem colocados à disposição da vítima. Neste sentido destacáveis os arts. 98, II e 101, VII do ECA (Lei nº 8.069/90), sendo fato que a iniciativa da criação de locais apropriados ao abrigo de crianças vítimas de violência com devida assistência (médica, psicológica, etc.), deve ser prioridade e não somente nos grandes centros, mas em todos os municípios, pois a violência doméstica não é "privilégio" de determinadas localidades, constituindo-se numa triste realidade existente em qualquer meio.

O quadro real, porém, é desolador, uma vez que com mais de oito anos de vigência do ECA, poucos são os locais onde se têm os mecanismos necessários à efetiva proteção imediata das crianças e, mesmo onde por alguma iniciativa louvável e rara são criados, sua manutenção e continuidade parecem estar sempre em xeque, não sendo assumidos como imprescindíveis à comunidade.

Fica, portanto, mais um apelo à conscientização quanto a esta realidade que exige mobilizações imediatas e soluções efetivas em prol da defesa daqueles que não podem fazê-lo por si mesmos.

Notas

(1) Ana Paula Nogueira Franco, "Distinção entre maus-tratos e o art. 1º, II, da Lei de Tortura", Boletim IBCCrim, 62/11, janeiro/98.

(2) Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, "As crianças, a tortura, as leis e as salsichas", Boletim IBCCrim, 54/3, maio/97.

Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia em São Paulo e professor de Direito Processual Penal.

Antenor Plácido Carvalho Chicarino

Médico legista e professor de Medicina Legal.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A infância abortada



Campanha alemã contra a violência infantil.
Mais de 300.000 crianças são violentadas por ano na Alemanha.





Água contaminada mata mais crianças que a guerra.








Baixe aqui manual prático elaborado pelo Desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, com mais de 300 páginas, destinado a operadores policiais

Roteiro de Decisões Policiais


(29/09/2010 - 11:12)
O “Roteiro de Decisões Policiais” é um manual prático, com mais de 300 páginas, destinado a operadores policiais, contendo três arquivos (Código Penal, Código de Processo Penal e Legislação Especial). Cada arquivo tem dezenas de comentários a tipos penais, medidas necessárias à atuação policial, orientações, jurisprudência, doutrina e sites de interesse. A iniciativa tem apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Este projeto foi coordenado pelo desembargador federal Vladimir Passos de Freitas, com a participação de sócios do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus). O Ibrajus é uma organização não governamental (ONG) que reúne magistrados, professores, servidores e outros operadores do Direito interessados em contribuir para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário.

download é absolutamente gratuito e todos estão autorizados a divulgar e publicar o Roteiro onde entendam devido, inclusive sites, sem qualquer ônus. A adequação do Roteiro à realidade de cada Estado poderá ser feita através do simples acréscimo ou alteração das anotações, a critério dos destinatários.

Código Penal 
Código Processo Penal
Legislação Especial

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Trecho de termo de audiência em Caicó. Memoriais (trecho de termo de audiência do Juiz André Melo - Caicó/RN)

Em seguida, foi concedida a palavra ao Dr. Raimundo Cezario de Freitas, que levantou questão de ordem nos seguintes termos:
"MM Juiz, considerando a complexidade do caso, face ao número de acusados, à quantidade de testemunhas e declarantes ouvidas, inclusive em depoimentos gravados em audiovisual, o que dificulta em muito a análise do processo, haja vista o calhamaço de provas contidas no bojo dos autos, prejudicando o direito dos acusados Fábio de Lima Ferreira e Antônio Nuclécio de Morais que os defendo, bem como o avançado da hora, pois já são 21:45, tendo a audiência iniciado às 10 horas da manhã, o que causa cansaço e fadiga para analisar as minúncias e os detalhes dos autos. Insto posto a apresenta das razões finais em forma de memoriais nos termos do art. 403, parágrafo terceiro do CPP. Pede deferimento. "
Pelo MM Juiz de Direito foi dito:" Para análise do requerimento da Defesa de dois acusados, são necessárias algumas observações a título de premissa que foram por nós elaborada como parte de trabalho em curso de aperfeiçoamento.
A audiência una, com toda a produção de prova oral realizada de forma concentrada, só foi introduzida no Brasil recentemente através da Lei nº 11.719 de 20 de junho de 2008. Apesar de aspiração antiga, apenas no século vinte e um transformou-se em direito positivo e com aplicação generalizada.
Antes da Lei nº 11.719/2008, a audiência una já havia sido adotada de forma enfática em pelo menos dois procedimentos especiais: o dos Juizados Especiais Criminais e o da Lei Antitóxico.
Em verdade, antes desses procedimentos, o antigo "Processo Sumário" previsto no art. 531 e seguintes do Código de Processo Penal previa que, após o interrogatório do réu, seria marcada audiência de julgamento, momento em que, afora a produção de prova oral através de testemunhas, previa-se, no parágrafo segundo, do art. 538 do CPP, as alegações finais orais em audiência e prolatação da sentença também no mesmo ato.
Apesar da previsão normativa, a experiência do Foro informa, infelizmente, que passou a ser comum a cisão da audiência em vários atos, a concessão de prazo para alegações finais através de memoriais e raramente se proferia sentença em audiência. A constatação dessas falhas, não só no antigo "processo sumário", mas até mesmo no procedimento especialíssimo dos Juizados Especiais Criminais, demonstra que não basta a alteração legislativa se não vier acompanhada da conscientização de todos os atores do processo de sua importância, principalmente do juiz.
Na novel legislação, em respeito ao sistema acusatório, o interrogatório do acusado passou a ser o último ato antes das alegações finais orais, o que permite caracterizá-lo como meio de defesa, e exigiu-se como regra geral que o Juiz profira sentença em audiência tanto para o procedimento ordinário como para o sumário.

Principais vantagens da audiência una
A adoção da audiência una representa relevante simplificação procedimental, pois elimina atos desnecessários e não imprescindíveis e permite uma aceleração do procedimento. A doutrina especializada tem indicado a simplificação e aceleração com uma das principais características do procedimento na atualidade.
Os objetivos são, ao contrário, aqueles da aceleração e da simplificação, juntas e não separadas. Aceleração significa que a ordinária atividade cognitiva ( a defesa escrita, a eventual fase instrutória, a discussão oral) se desenvolva em um tempo razoável. Simplificação significa que, dado o percurso ordinário do processo, se procura eliminar todas as atividades repetitivas e não indispensáveis a um adequado tratamento. Tudo isso se soma a um terceiro, importante conceito, que é o da flexibilidade: a regra processual deve consentir a adaptação do rito às exigências de um bom tratamento do caso concreto.(Tradução nossa)

É importante rememorar que, na sistemática anterior, a instrução penal se desdobrava em, geralmente três audiências, a saber: de interrogatório, de testemunhas de acusação e de defesa, além do prazo para diligências e alegações finais que corriam em cartório. Após tudo isso, ainda era necessária a intimação da sentença quando proferida, gerando trabalho para a Secretaria, geralmente deficitária de pessoal, e muitas vezes dificuldades para se localizar as partes.
Na sistemática atual, a oralidade é prestigiada, embora não seja um procedimento oral puro que talvez não exista de forma absoluta em nenhum lugar do mundo, com a concentração dos atos processuais, o contato direto do Juiz com as provas e a imediatidade desse contato e do julgamento derivado desse contato. Por essas razões é que a identidade física do Juiz passou a ser prestigiada dogmaticamente pelo processo penal. Por essa razão, principalmente quando o registro dos atos e feito por meio de instrumento audiovisual, com sustentação no §1º do art. 405, do Código de Processo Penal, é que o Juiz deve proferir sentença em audiência em respeito, só não assim procedendo em casos especialíssimos. Relembre-se que as partes dirigirão suas indagações diretamente às testemunhas nos moldes do cross-examination.
É interessante ressaltar que mesmo que haja eventualmente necessidade de cindir-se a audiência, deve o magistrado ouvir todas as testemunhas que comparecerem e zelar para que na última audiência, ou em sua última parte, seja realizado o interrogatório, oferecidas alegações finais e prolatada a sentença.
Na esteira do que vem se defendido até este instante, não se pode deixar de registrar que a prolatação de sentença em audiência torna o processo jurídico mais transparante e permite à vítima, ao acusado, às testemunhas e aos cidadãos em geral que estiverem no Forum saber o resultado dos processos penais, que podem, por evidente, ou absolver ou condenar.
Na sistemática anterior, os atos cindidos se arrastavam por anos e por diversas vezes foi possível observar que as três ou, no mínimo duas, audiências eram realizadas por juízes diferentes e sentença, quando de não reconhecimento da prescrição, era proferida por um terceiro magistrado. Não era possível aos juízes muitas vezes verem o resultado do processo em que oficiaram! Imagine-se para o cidadão em geral.

Audiência una: perspectivas de futuro
Pensamos que no atual momento em que do Judiciário cada vez mais são cobrados resultados, a sistemática da audiência una se constitui em importante instrumento de resposta às demandas crescentes. Mas não é só. Ela confere visibilidade, transparência e permite uma maior gestão processual em face da concentração dos atos.
Apesar dessas vantagens, entendemos que é preciso mais investimento nos instrumentos de registro de ato processuais tanto presenciais como por teleconferência para que eles sejam preservados em ambientes seguros, de preferência como aplicativo do próprio programa utilizado para movimentação dos feitos.
Também e principalmente necessário que os atores processuais compreendam a nova sistemática e não quebrem a oralidade dos atos nem unicidade da audiência por conveniências menores.
Considerando que os acusado foram citados, havendo a Lei concedido à Defesa o prazo de dez dias para manifestação, bem como que a prova oral produzida em audiência não se mostrou complexa nem fez referências a vários outros fatos, afora os noticiados na fase policial, não há complexidade, afora a eventualmente existente desde a citação dos acusados. Considerando que a Defesa, quando de sua manifestação por escrito, nada alegou, nem requereu a produção de prova técnica, por exemplo, bem como que as provas que foram produzidas desde a fase de inquérito apresentam-se de forma muito clara, indefiro o pedido de apresentação das alegações finais por meio de memoriais.
Registre-se que se o Juiz tiver a postura de sempre remeter as alegações finais para memoriais escritos irá comprometer os dois principais objetivos da reforma recente das leis processuais penais: a oralidade com a concentração dos atos processuais e a celeridade, transformando-se este procedimento no antigo "processo ordinário escrito'.
Em seguida foi concedida a palavra ao advogado Dr. Francisco Josmário de Oliveira Silva que se manifestou nos seguintes termos:

Modelo de sentença. Equipe médica no sistema carcerário (Juiz André Melo - Caicó/RN)

Sentença
Ementa: Ação Civil Pública. Constitucional e Administrativo. Assistência à saúde a ser fornecido pelo Estado aos presos da Penitenciária Estadual do Seridó. Direito Fundamental à saúde de índole constitucional, legal e democrática. O Direito Subjetivo Público à saúde é corolário do princípio fundamental da República de respeito à dignidade da pessoa humana è vida. Caráter de fundamentalidade cogente. Inaplicabilidade da tese, no caso concreto, da reserva do possível. Procedência do pedido.

I – RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Ação Civil Pública cujo objeto é Obrigação de Fazer com Pedido de Liminar entre as partes em epígrafe, tendo por objeto a condenação da parte ré para que ofereça a assistência à saúde dos detentos e internos da Penitenciária Estadual do Seridó, bem como providencie o internamento adequado dos internos acometidos de transtorno mental e submetidos à medida de segurança em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico.
Alegou a parte autora na exordial que:
A) instaurou procedimento administrativo nº 07/03 para apurar a garantia do direito à saúde aos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó, constatando através deste o descaso e negligência do Poder Público Estadual com a saúde médica, odontológica e farmacêutica dos detentos da referida unidade prisional, bem como o internamento inadequado dos internos acometidos de doença mental e submetidos à medida de segurança;
B) o ser humano, incluindo os apenados, têm um direito público subjetivo e fundamental à saúde, amparado pela Constituição Federal e Legislação Infra Constitucional;
C) o direito e a jurisprudência amparam a sua pretensão.
D) pugnou pela concessão de antecipação dos efeitos da tutela específica, demonstrando o atendimento de seus requisitos.
E) no mérito, pleiteou a confirmação da tutela pretendida. Ao ensejo, juntou documentos (fls. 20/44).
Citado, o Estado do Rio Grande do Norte não apresentou contestação dentro do prazo legal, consoante se infere da certidão de fls. 96.
Por meio do requerimento de fls. 102/108, o representante do Parquet pugnou pela concessão da tutela específica e pela procedência dos pedidos constantes na exordial, bem como pela implementação na unidade prisional ora referida de uma equipe médica de acordo com a Portaria Interministerial nº 1777/2003. Ao requerimento, juntou documentos de fls. 105/149, contendo, inclusive, relatório técnico da SUVISA realizado na Penitenciária Estadual do Seridó.
Às fls. 151/152, a parte ré, por meio de seu procurador, requereu o aprazamento de audiência para a tentativa de conciliação, bem como pugnou pela improcedência do feito.
Às fls. 167, consta o termo de audiência preliminar, na qual restou impossibilitada a tentativa de conciliação, tendo sido juntado um plano estadual de atenção integral à saúde da população prisional do Rio Grande do Norte.
É o breve relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 - Mérito
Inicialmente, cumpre a este magistrado conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, uma vez caracterizada a desnecessidade de se produzir outras provas, a teor do Art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil, já tendo nos autos elementos definitivos para a formação de seu convencimento. Assim, passo ao julgamento antecipado da lide.
Cinge-se a questão de mérito, neste processo, à regularização da assistência adequada à saúde dos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó, bem como ao internação adequada dos internos da referida unidade prisional, acometidos de transtorno mental e submetidos à medida de segurança, em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico.
De início cabe questionar se a saúde pode ser tida como direito público subjetivo titularizado pelos cidadãos em face do Estado?
A relevância do direito fundamental social à saúde é incontestável.
A efetivação dos direitos fundamentais sociais é um dos temas mais difíceis do direito constitucional. Norberto Bobbio, depois de afirmar em sua obra A era dos direitos que os debates sobre os direitos e sua expansão mundial seriam um aspecto positivo dos dias atuais, indaga, mais à frente, na mesma obra, se seria realmente direito um direito cuja efetivação é adiada sine die. Diferentemente dos direitos de defesa que são direcionados contra o Estado, exigindo-se dele uma atitude negativa, os direitos sociais são exercidos através do Estado, exigindo-se dele prestações materiais positivas.
Parcela considerável da doutrina estrangeira considera que a efetivação desses direitos estão sujeitos às eleições de índole legislativa e administrativa a serem exercidas pelo Legislativo e Executivo, o que impediria a exigibilidade judicial desses direitos, ou seja, o que retiraria deles o caráter de direito público subjetivo.
Ocorre, no entanto, que, além de os direitos sociais apresentarem eficácia jurídica diferenciada entre si, muitos deles já foram regulamentados pelo legislador, gerando indubitavelmente direito subjetivo exigível judicialmente na hipótese de violação. Como exemplo desta última categoria, é possível a referência aos benefícios previdenciários e assistenciais, ao serviços públicos de saúde e à educação fundamental, todos direitos sociais já regulamentados, por exemplo, no Brasil. Ademais, uma norma infraconstitucional que viole um direito fundamental social é passível de controle de constitucionalidade, posição adotada até mesmo pela doutrina que nega eficácia jurídica aos direitos sociais.
A própria existência de um direito ao mínimo existencial, a um direito fundamental a um mínimo vital tem sido reconhecido pelo Tribunal Federal Constitucional Alemão, país cuja Constituição não consagrou em catálogo os direitos sociais.
No Brasil, mesmo Ricardo Lobo Torres, que possui uma postura contrária à configuração dos direitos sociais como direitos subjetivos exigíveis judicialmente, reconhece a existência de um direito a um mínimo existencial que exige prestações estatais positivas e sem o qual desaparecem as condições iniciais da liberdade. Em verdade, negar qualquer possibilidade de garantia judicial dos direitos sociais significará em diversas oportunidades negar eficácia aos direitos de 1ª dimensão dificilmente exercitáveis sem um mínimo de direitos sociais garantido.
Esses novos direitos inerentes ao Estado de Bem-Estar, como a dignidade da pessoa humana, exigem permanente empenho, pois se, apesar da crise do Welfare State, consideramos irrenunciáveis essas conquistas do Welfare State que se resumem na fórmula dos new rights (o direito à moradia, o direito à saúde, o direito ao trabalho, o direito do consumidor, o direito ao meio ambiente, etc.), o problema de tornar efetivos esses direitos através de sua tutela não pode ser evitado (Tradução nossa)
Atente-se que a discussão dos autos gira em torno de se assegurar a cidadania em nosso Estado que tem deficiente rede pública de assistência de saúde e que um processo justo, e porque justo efetivo, em face dos Entes Públicos, deve merecer especial atenção em uma sociedade que tem a esperança de ver garantida a dignidade da pessoa humana.
Discutir, portanto, a cidadania e os instrumentos de proteção do cidadão nas lides com o próprio Estado significa legitimar de forma justa a própria existência do Estado Democrático de Direito como ente que deve possibilitar a vida digna nas sociedades humanas.
Pode-se concluir, portanto, que a saúde é direito fundamental e se apresenta, em nosso sistema jurídico-político, como direito público subjetivo público exercitável judicialmente em face do Poder Público.
No que diz respeito ao aspecto fático do direito alegado, é de se observar que o Estado reconhece a existência do problema, conforme se infere do própria resposta do Procurador do Estado de fls. 151/152 e da minuta do plano operativo estadual de atenção à saúde da população de prisional de fls. 168/211, apresentado quando da realização da audiência preliminar. Sem dúvida o problema existe, é fato notório neste Município de Caicó, tendo sido, inclusive, verificada por este próprio magistrado, em visita realizada no local, quando, em maio de 2010, estava em substituição legal na Vara Criminal desta Comarca, a existência de 02 (duas) pessoas com hepatite C sem nenhum atendimento médico-hospitalar, tendo magistrado ordenado a imediata internação dos mesmos. Além disso, o relatório da SUVISA de fls.110/131 feito na unidade prisional em comento, constatou a precária atenção à saúde. Portanto, torna-se lícito perguntar: por que o Estado até o presente momento não providenciou a contratação de pessoal capacitado para realizar, de forma satisfatória, o atendimento dos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó? Por que lançou edital para contratar profissionais para os presídios de Alcaçuz e Parnamirim, em 2008, tendo deixado de fora o presídio de Caicó? Qual a razão do não atendimento a um direito público subjetivo fundamental e inerente à condição humana de qualquer cidadão? Nenhum desses questionamentos óbvios foi respondido de maneira convincente pelo ente público na sua manifestação.
A própria Carta Magna, em seu art. 196, diz que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Aliás, não há justificativa para a negligência e descaso do Poder Público nesta situação, ante a previsão na própria Lei nº 7.210 (Execução Penal), em seu art. 11 c/c art. 14, ser dever do Estado a assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreendendo os atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
Importante ressaltar que não justificam as omissões do Poder Público na implementação de Políticas Públicas da Saúde, a alegação da cláusula da reserva do possível. Nesse sentido, colaciono trechos do Informativo 582, no qual o Min. Celso de Mello manifesta-se acerca desta matéria:
Direito à Saúde - Reserva do Possível - "Escolhas Trágicas" - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições) (v. Informativo 579) STA 175-AgR/CE* RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE V O T O O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário. O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis. Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004): "ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA 'RESERVA DO POSSÍVEL'. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO 'MÍNIMO EXISTENCIAL'. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)." [...] Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde – que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) – tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial. (v. Informativo 579 – Transcrições - Direito à Saúde - Reserva do Possível - "Escolhas Trágicas" - Omissões Inconstitucionais - Políticas Públicas - Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições) - STA 175-AgR/CE*) (grifo nosso)
Igualmente, registro que a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal não pode servir como subterfúgio para o descumprimento de políticas públicas que se correlacionam com a dignidade da pessoa humana, pois "entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República, ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, impõe ao julgador uma só opção: o respeito indeclinável à vida." (Precedente do STF: PETMC 1246/SC, relator Ministro Celso de Mello). Além disso, o réu estará cumprindo uma decisão judicial, não havendo, no caso, violação ao referido diploma.
Diante disso, tendo em vista a supremacia do direito à vida e à saúde do cidadão, inclusive dos presos, não vejo como eximir de responsabilidade o demandado, devendo este providenciar a assistência à saúde adequada dos detentos da Penitenciária Estadual do Seridó, bem como o internamento adequado dos internos acometidos de doença mental e submetidos à medida de segurança em unidade prisional de tratamento psiquiátrico.
Ademais, deve-se frisar que em 09 de setembro de 2003 foi editada a Portaria Interministerial nº 1777, que instituiu o Plano Nacional de Saúde no sistema Penitenciário, prevendo a inclusão da população penitenciária no SUS, garantindo-lhe o acesso a ações e serviços de saúde. Previu a citada portaria que, nos presídios com mais de 100 presos, as ações e os serviços de atenção básica em saúde deveriam ser organizadas nas unidades prisionais e realizadas por equipes interdisciplinares de saúde, obedecendo a uma jornada de trabalho de 20 horas semanais, composta por: médico, enfermeiro, odontólogo, psicólogo, assistente social, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário. É importante ressaltar que, hodiernamente, a população carcerária da Penitenciária Estadual do Seridó é de, aproximadamente, 430 (quatrocentos e trinta) presos, entre presos provisórios e sentenciados, homens e mulheres, bem como os que cumprem pena em regime aberto e semi aberto.
Noutro passo, cumpre ao julgador manifestar-se acerca do pedido de antecipação de tutela específica.
São requisitos exigidos para a concessão liminar da tutela pretendida, conforme se depreende do art. 461, § 3º, do CPC, a relevância do fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do provimento jurisdicional final, em síntese, o fumus boni iuris e o periculum in mora.
A relevância do fundamento jurídico é ponto inquestionável, posto que a saúde é um direito público subjetivo de todos os cidadãos e um direito fundamental do ser humano, assegurado constitucional e infraconstitucionalmente.
Quanto ao requisito do periculum in mora, este também se mostra indiscutível, ante a peculiaridade do direito discutido, sendo oportuno destacar que a permanência da situação abusiva e desumana verificada na unidade prisional, pela qual passam os detentos ali recolhidos, manterá o comprometimento da saúde de todos os internos que nela se encontram, e no tocante àqueles que cumprem medidas de segurança, caso não seja realizado a sua internação em local adequado, qual seja, Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico, sob pena do agravamento dos seus estados de saúde.
Ademais, quanto à possibilidade de concessão de liminar em sede de Ação Civil Pública, resta perfeitamente viável, ante a ilação do art. 12 da Lei nº 7.347/85.
Posto isso, defiro o pedido de antecipação de tutela específica para condenar o Estado do Rio Grande do Norte na obrigação de fazer, consubstanciada na oferta da assistência à saúde (médica, odontológica e farmacêutica) aos detentos e internos da Penitenciária Estadual do Seridó, devendo implementar, no referido estabelecimento prisional, uma equipe médica composta por 01 (um) médico clínico-geral, 01 (um) enfermeiro, 01 (um) odontólogo, 01 (um) psicólogo, 01 (um) assistente social, 01 (um) auxiliar de enfermagem e 01 (um) auxiliar de consultório dentário, para atendimento diário e ininterrupto dos presos, devendo contar com as condições necessárias para realizar o trabalho, tudo conforme a Portaria Interministerial nº 1777/2003. Ademais, deve a parte ré garantir o internamento adequado aos detentos acometidos por transtorno mental e submetidos à medida de segurança em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico, devendo cumprir as medidas no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 3.000,00 (mil reais), incidindo a partir do dia posterior ao descumprimento da medida, com fulcro no art. 461, § 4º, do CPC.
Ademais, é imprescindível dotar de efetividade a tutela antecipada concedida, através de medidas necessárias e eficazes, que possam significar a efetivação da obrigação de fazer pleiteada.
Considerando-se que a execução, processo autônomo ou fase de um procedimento unitário, é um dos momentos de maior importância na prestação jurisdicional, pois nele é que efetivará o direito já reconhecido na sentença, principalmente quando a executada é a Fazenda Pública contra a qual não poderia ser instaurada, ou pelo menos ultimada, a execução da obrigação de pagar antes do trânsito em julgado da sentença no processo de conhecimento, em face da ordem dos precatórios estabelecida no art. 100 da Constituição da República. É a execução que vai definir o prestígio da prestação jurisdicional, pois:
Quer para prestigiar-se, quer para desmoralizar-se, é no cumprimento da sentença, na execução da sentença, que a justiça mais se aproxima do povo. É simplesmente uma questão de eficácia ou inoperância. A conclusão a que se chega, diante do conceito que se tem hoje de justiça, é a de uma justiça desacreditada, morosa, emperrada. Em muitos casos, antes de se fazer justiça, leva-se o jurisdicionado à frustração e ao desespero. (Grifo nosso)
Nesse sentido, Leonardo Carneiro da Cunha, acompanhando Tereza Arruda Alvim Wambier, aponta como solução que a multa, tanto a do §4º do art. 461 como a do parágrafo único do art. 14, seja aplicada ao agente público responsável pelo descumprimento.
Flávio Luiz Yarshell traz interessante posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco favorável à possibilidade de o juiz, com fundamento no art. 461, § 5º do CPC, poder determinar a substituição do servidor público que personifica o descumprimento por parte da Fazenda Pública. Embora se concorde com essa posição, ela exige muita prudência e conhecimento razoável do juiz da estrutura da administração para cada ato relativo ao processo.
Desta forma, a multa será aplicada de forma pessoal ao agente público responsável pelo cumprimento da tutela de urgência.
III. Dispositivo
Diante do exposto, no mérito, julgo procedente o pedido, confirmando a antecipação de tutela concedida, para determinar que o Estado do Rio Grande do Norte:
A) implemente a assistência à saúde (médica, odontológica e farmacêutica) aos detentos e internos da Penitenciária Estadual do Seridó, devendo implantar, no referido estabelecimento prisional, uma equipe médica composta por 01 (um) médico clínico-geral, 01 (um) enfermeiro, 01 (um) odontólogo, 01 (um) psicólogo, 01 (um) assistente social, 01 (um) auxiliar de enfermagem e 01 (um) auxiliar de consultório dentário, para atendimento diário e ininterrupto dos presos, conforme a Portaria Interministerial nº 1777/2003;
B) forneça todo o material necessário para o trabalho dos profissionais supracitados com todo o aparato adequado (local e equipamentos) para o atendimento aos detentos dentro do presídio, inclusive o fornecimento de medicamentos;
C) forneça o transporte dos apenados para a realização de outros procedimentos médicos que não possam ser realizados dentro da estrutura da própria penitenciária;
D) garanta o internamento adequado aos detentos, acometidos por transtorno mental e submetidos à medida de segurança, em Unidade Prisional de Tratamento Psiquiátrico;
As medidas supracitadas deverão ser cumpridas no prazo de 30 (trinta) dias. Em caso de descumprimento, incidirão multa diária pessoal no valor R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Exmo Senhor Secretário Estadual da Justiça e da Cidadania e, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), ao Exmo Senhor Governador do Estado do Rio Grande do Norte, a serem revertidas ao Fundo Estadual de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85.
Expeça-se Carta Precatória para intimar pessoalmente as autoridades referidas acima do inteiro teor desta sentença e da multa aplicada.
Sem condenação do Estado nas custas em face da isenção prevista na Lei Ordinária Estadual nº 9.278/2009.
Sem condenação em honorários advocatícios por acompanhar a corrente que entende não serem eles devidos quando a ação é proposta pelo Ministério Público, ainda que o pedido seja julgado procedente. (RECURSO ESPECIAL Nº 785.489 - DF (2005/0162964-5).
Oficie-se para conhecimento do inteiro teor desta sentença ao Juízo das Execuções Penais desta Comarca, à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, ao Conselho da Comunidade em Caicó, à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado da República e, ainda, à Direção da Penitenciária Estadual do Seridó.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sentença. Trasnferência de servidor (Juiz André Melo - Caicó/RN)

Autos n.º [Número do Processo] Classe[Classe e Procedimento do Processo no 1º Grau][Tipo Completo da Parte Ativa Principal][Nome da Parte Ativa Principal][Tipo Completo da Parte Passiva Principal][Nome da Parte Passiva Principal]

Decisão
1. Trata-se de ação de segurança com pedido liminar impetrada por MARIA LEIDE ROCHA FERNANDES, qualificada nos autos, através de advogado habilitado, indicando como autoridade coatora o Prefeito Constitucional do Município de Paraná-RN, cujo objeto é ser mantida a lotação da impetrante na Escola Municipal Francisco André de Morais.
2. Fundamentou o seu pedido, alegando haver sido abusivamente transferida para outra unidade escolar, distante mais de 12 Km da cidade, em razão de divergências de cunho político.
3. Com a inicial vieram procuração e os documentos de fls. 13/52.
4. O MM Juiz, então dirigente do feito, reservou-se a apreciar o pedido liminar após manifestação da autoridade tida como coatora.
5. As informações iniciais foram prestadas às fls. 56/61, defendendo a autoridade, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam e, no mérito, inexistir inamovibilidade funcional a amparar o pleito da impetrante.
Vieram-me os autos conclusos.
6. A tutela de urgência trabalha com a dimensão temporal e com a efetividade. É preciso observar que, na atualidade, a preocupação da doutrina processual no que se refere a essas duas dimensões não se restringe à mera tutela ao processo com único fim de se garantir a eficácia jurídico-formal da prestação jurisdicional final, ou seja, à utilidade do processo de conhecimento à cognição plena, mas à efetividade no plano dos fatos, e mais, dentro de um prazo razoável. Embora, como assinala Federico Carpi, de Bolonha, não seja nova a preocupação com a longevidade dos processos, o que é novo em nossa época é "a consciência nos ordenamentos modernos de que a tutela jurisdicional dos direitos e dos interesses legítimos não é efetiva se não é obtida rapidamente. Em outras palavras o fator tempo tornou-se um elemento determinante para garantir e realizar o acesso à justiça."(Tradução nossa, grifo nosso)
7. Essa assertiva é de fácil constatação quando se observa a internacionalização da tutela sumária satisfativa. Federico Carpi, embora reconhecendo a necessidade de uma maior sistematização das modalidades de tutela, cita: référé-provision francês, que consiste em uma medida antecipatória que pode ser concedida a qualquer tempo no processo relativo ao direito civil, comercial e ao do trabalho o Einstweiligen Verfüngen alemão nos dois tipos previstos no ZPO § 935 e § 940, que possibilita a antecipação parcial da decisão definitiva para manter a paz jurídica e a interlocutory injuction dos países do Common Law. Na Itália, a reforma implementada pela Lei nº 353 de 26 de novembro de 1990 procurou valorizar o juiz de primeiro grau, tornando regra a execução provisória da sentença e permitindo o deferimento de provimentos antecipatórios de condenação. Foram introduzidos os arts. 186 bis e 186 ter, possibilitando a antecipação da condenação de quantia não contestada ou, quando da fase das conclusões, o requerimento de antecipação, cujos pressupostos são os mesmos necessários para emissão do decreto injuntivo no procedimento monitório.A tutela sumária satisfativa na Itália já era conhecida em procedimentos especiais como o do processo de trabalho no art. 423 do CPC Italiano e na utilização dos provimentos de urgência com fundamento no art. 700 do referido CPC.
8. No âmbito comunitário europeu, a Corte de Justiça de Luxemburgo tem reconhecido sistematicamente a necessidade de medidas urgentes, não só negativas (cautelares), mas também positivas (antecipatórias) para garantir a efetividade do processo e, em conseqüência, dos direitos que ele deve tornar efetivos. Como exemplo desse labor da Corte, cita-se não só a afirmação da possibilidade de ações cautelares contra a "Coroa," alterando-se norma tradicional inglesa, como também a superação dos rígidos confins a que vários países europeus limitavam a tutela cautelar nos confrontos com a administração pública. Como bem assevera Nicolò Trocker:
(...) suas pronúncias (a da Corte) não atingem apenas a normativa inglesa que exclui totalmente a admissibilidade de ações cautelares nos litígios da Coroa. Vêm sendo superados os rígidos confins que, segundo um mero dado legislativo, em outros países europeus – da França à Espanha à Itália – limitam a tutela cautelar nos confrontos da administração pública apenas à suspensão do ato impugnado. (tradução nossa).
Trocker lembra, ainda, a exigência de uma tutela inibitória efetiva, inclusive de urgência, para proteção dos consumidores.
9. No Brasil, a doutrina tem entendido que há um direito constitucional à tutela de urgência com fundamento no art. 5º, inciso XXXV, direito este que não pode ser limitado por norma infraconstitucional, ou seja, o legislador não pode, a priori, dizer se neste ou naquele caso há periculum in mora. O inciso XXXV do art. 5º protege não só acesso à justiça quando há lesão a direito, mas também quando há ameaça a direito, o que exige do sistema jurídico meios adequados para garantir a efetividade processual, a qual só se obtém se a tutela for adequada e tempestiva.
10. A tutela de urgência, portanto, é um direito do cidadão, cabendo ao juiz apenas decidir se presentes os requisitos para o deferimento nos moldes requeridos, vez que é ponto pacífico no nosso ordenamento jurídico que: "não fica ao arbítrio do Juiz deixar de conceder liminar, se preenchidos os requisitos legais para esse fim". (BOL AASP 1.027/157) - CPC - Theothonio Negrão, 26a ed. SARAIVA.
11. Para concessão da liminar em mandado de segurança, faz necessária a presença concomitante do fumus boni iuris e do periculum in mora.
Inicialmente, é interessante destacar que realmente os servidores públicos em geral não gozam da prerrogativa da inamovibilidade, o que, contudo, em face dos princípios da impessoalidade e da moralidade, corolários do princípio republicano, não afasta o dever de motivar e de justificar quais os critérios de eleição utilizados para "transferir" um servidor e não outro, por exemplo. No caso dos autos, a autoridade impetrada não juntou qualquer justificativa ou ato concreto nesse sentido. Pondere-se que a lei não é um cheque em branco para o administrador.
Tal ausência de critérios e de fundamentação válida torna plausíveis os argumentos da impetrante no sentido de que o critério utilizado foi pessoal, principalmente considerando-se a realidade do exercício do Poder em nosso país, especialmente no âmbito municipal.

O Professor Roberto DaMatta, possivelmente o mais importante antropólogo brasileiro da atualidade, aponta que a desconfiança da sociedade sobre vários processos implementados pelo Estado justifica-se pelo fato de o Brasil viver o dilema da presença concomitante de um espírito moderno, fundado em valores como igualdade, impessoalidade, mérito profissional, eficiência, direitos humanos, que exigem aplicação universal, disputando, ainda hoje, com valores semi-tradicionais, fundados não no indivíduo como cidadão, mas na pessoa e nas suas relações pessoais, como a troca de favores, relações de parentesco, de amizade, de simpatia e de hierarquia, apesar da igualdade formal garantida constitucionalmente, sendo, muitas vezes, estes últimos determinantes na solução real de vários conflitos e problemas no seio social.
Na atualidade, em ensaio sobre o público e o privado de inquestionável valor, bem acentuou o Professor Nelson Saldanha o sentido personalista que vem sendo utilizado no Brasil no trato da coisa pública, o que não é novo do ponto de vista histórico. Faltou ao Brasil um sentido de vida pública até a independência que existiu nos outros países latino-americanos, talvez pela ausência de imprensa e de universidades. Foi com essa realidade, como anota Nelson Saldanha "com as estruturas ainda feudais e com o sentido personalista das coisas que, no Brasil, esbarrou o ideal iluminista de cidadão, oriundo da conversão do "súdito" em contribuinte e em eleitor. Um ideal cujo alcance estaria em ver em cada indivíduo sua dimensão pública."

No ambiente de uma Sociedade patriarcal e personalista, herança deixada pelos nossos pais ibéricos, não é difícil imaginar o que provoca o transplante dessas marcas para administração pública. Sérgio Buarque de Holanda nos ensinou como as relações pessoais eram tão caras aos espanhóis e aos portugueses ao ponto de não compreenderem que uma pessoa, por exercer determinada função pública, deixe de prestar a amigos e a parentes favores dependentes de tal função, concluindo que essas práticas se "erigem contra rígida aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais".
Presente, portanto, o requisito do fumus boni iuris necessário à concessão da liminar, devendo-se ressaltar que o Secretário Municipal de Educação possui subordinação hierárquica direta com a autoridade apontada coatora.

Igualmente presente o periculum in mora, tanto do ponto de vista funcional da impetrante que foi transferida ao arrepio do princípio republicano, como do risco de violação ao patrimônio imaterial da administração pública.
Observe-se, não basta a afirmação de o processo dever garantir os direitos, é preciso investigar tanto do ponto de vista dogmático como empírico se os meios, os remédios postos à disposição dos cidadãos são realmente acessíveis e aptos para fazer os direitos satisfeitos, efetivos. A primeira indagação a ser feita para se verificar se um processo é efetivo é se os remédios processuais são acessíveis a quem necessitar da atuação jurisdicional para proteção de direito, se são razoavelmente eficientes em termos de tempo, custo e, enfim, se garantem resultados concretos e adequados à natureza da situação concreta que necessita de tutela.
Na hipótese dos autos, faz-se necessário dotar de efetividade este provimento jurisdicional, principalmente considerando que eventual recurso será recebido, regra geral, no efeito só devolutivo.
Ademais, o cidadão, regra geral, vem a juízo pleiteando um bem da vida de valor individual ou coletivo e não um mero acertamento, uma mera declaração. Como bem anotou Nilcéa Maggi, em sua tese de doutorado:
Pode-se dizer que a atividade jurisdicional apresenta-se com duas faces: uma que declara o direito, outra que realiza o direito declarado. Conhecimento e julgamento da lide (cognição) e atuação da sanção (execução), uma completando a outra. São faces de uma mesma medalha.
Moura Rocha bem colocaria a questão, em obra de referência, no sentido de que a jurisdição é mais do que "atividade de decisão" ou "atividade de cautela", é também "atividade de execução", ou seja, a prestação jurisdicional não se esgota com a prolatação da sentença.
Considerando-se que a execução, processo autônomo ou fase de um procedimento unitário, é um dos momentos de maior importância na prestação jurisdicional, pois nele é que efetivará o direito já reconhecido na sentença, principalmente quando a executada é a Fazenda Pública contra a qual não poderia ser instaurada, ou pelo menos ultimada, a execução da obrigação de pagar antes do trânsito em julgado da sentença no processo de conhecimento, em face da ordem dos precatórios estabelecida no art. 100 da Constituição da República. É a execução que vai definir o prestígio da prestação jurisdicional, pois:
Quer para prestigiar-se, quer para desmoralizar-se, é no cumprimento da sentença, na execução da sentença, que a justiça mais se aproxima do povo. É simplesmente uma questão de eficácia ou inoperância. A conclusão a que se chega, diante do conceito que se tem hoje de justiça, é a de uma justiça desacreditada, morosa, emperrada. Em muitos casos, antes de se fazer justiça, leva-se o jurisdicionado à frustração e ao desespero. (Grifo nosso)

Nesse sentido, Leonardo Carneiro da Cunha, acompanhando Tereza Arruda Alvim Wambier, aponta como solução que a multa, tanto a do §4º do art. 461 como a do parágrafo único do art. 14, seja aplicada ao agente público responsável pelo descumprimento.
Flávio Luiz Yarshell traz interessante posicionamento de Cândido Rangel Dinamarco favorável à possibilidade de o juiz, com fundamento no art. 461, § 5º do CPC, poder determinar a substituição do servidor público que personifica o descumprimento por parte da Fazenda Pública. Embora se concorde com essa posição, ela exige muita prudência e conhecimento razoável do juiz da estrutura da administração para cada ato relativo ao processo.
Desta forma, a multa será aplicada de forma pessoal ao agente público responsável pelo cumprimento da tutela de urgência.
10. Posto isso, defiro o pedido liminar pelo que determino a suspensão imediata do ato de transferência da impetrante, a qual deverá continuar exercendo as funções inerentes ao seu cargo na Escola Municipal Francisco André de Morais.
Fixo, desde já, multa diária pessoal no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) ao Exmo Prefeito Constitucional do Município do Paraná, com termo inicial no terceiro dia, contando-se da juntada dos mandados de intimação desta decisão.
Notifique-se a autoridade apontada coatora para, no prazo legal, prestar as informações.
Após, dê-se vista ao Ministério Público.
Em seguida, voltem-me conclusos.
Intimem-se.
[Município da Vara]-RN, [Data do Sistema por Extenso].
[Nome do Juiz do Processo no 1º Grau]
Juiz de Direito

domingo, 10 de outubro de 2010

Recebi este e-mail com um triste retrato do povo brasileiro...


A MAIS PURA VERDADE


Prá gente pensar um pouco!!!

Tá Reclamando do Lula?

Do Serra?
Da Dilma?
Do Arrruda?
Do Sarney?
Do Collor?
Do Renan?
Do Palocci?
Do Delubio?
Da Roseanne Sarney?
Dos politicos distritais de Brasilia?
Do Jucá?
Do Kassab?
Dos mais 300 picaretas do Congresso?
E você?
Brasileiro reclama de quê?



O Brasileiro é assim:

1. Saqueia cargas de veículos acidentados nas estradas.

2. Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas.

3. Suborna ou tenta subornar quando é pego cometendo infração.

4. Troca voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, dentadura.

5. Fala no celular enquanto dirige.

6. Trafega pela direita nos acostamentos num congestionamento.

7. Para em filas duplas, triplas em frente às escolas.

8. Viola a lei do silêncio.

9. Dirige após consumir bebida alcoólica.

10. Fura filas nos bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas desculpas.

11. Espalha mesas, churrasqueira nas calçadas.

12. Pega atestados médicos sem estar doente, só para faltar ao trabalho.

13. Faz "gato" de luz, de água e de tv a cabo.

14. Registra imóveis no cartório num valor abaixo do comprado, muitas vezes
irrisórios, só para pagar menos impostos.

15. Compra recibo para abater na declaração do imposto de renda para pagar
menos imposto.

16. Muda a cor da pele para ingressar na universidade através do
sistema de cotas.

17. Quando viaja a serviço pela empresa,
se o almoço custou 10 pede nota fiscal de 20.

18. Comercializa objetos doados nessas campanhas de catástrofes.

19. Estaciona em vagas exclusivas para deficientes.

20. Adultera o velocímetro do carro para vendê-lo como se fosse
pouco rodado.

21. Compra produtos pirata com a plena consciência de que são pirata.

22. Substitui o catalisador do carro por um que só tem a casca.

23. Diminui a idade do filho para que este passe por baixo da roleta do
ônibus, sem pagar passagem.

24. Emplaca o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.

25. Freqüenta os caça-níqueis e faz uma fezinha no jogo de bicho.

26. Leva das empresas onde trabalha, pequenos objetos como clipes,
envelopes, canetas, lápis...

27. Comercializa os vales-transporte e vales-refeição que recebe das
empresas onde trabalha.

28. Falsifica  tudo, tudo mesmo...
só não falsifica aquilo que ainda não foi inventado.

29. Quando volta do exterior,
nunca diz a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traz na bagagem.

30. Quando encontra algum objeto perdido,
na maioria das vezes não devolve.

31. Joga lixo na rua.

32. Pratica vandalismo com os bens de uso público.

E quer que os políticos sejam honestos...

Escandaliza-se com a farra das passagens aéreas...

Esses políticos que aí estão saíram do meio desse mesmo povo ou não?

Brasileiro reclama de quê, afinal?

E é a mais pura verdade, isso que é o pior!

Então sugiro adotarmos uma mudança de comportamento,
começando por nós mesmos, onde for necessário!

Vamos dar o bom exemplo!

....
"Fala-se tanto da necessidade deixar um planeta melhor para os nossos filhos e
esquece-se da urgência de deixarmos filhos melhores
(educados, honestos, dignos, éticos, responsáveis)
para o nosso planeta, através dos nossos exemplos..."
Amigos!