quinta-feira, 29 de março de 2012

O sexo precisa de fundamentação? Decisao do STJ age seletivamente, expondo a estigmatização do sistema penal


Que decisão é esta?

Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a presunção de violência no crime de estupro tem caráter relativo e pode ser afastada diante da realidade concreta. A decisão diz respeito ao artigo 224 do Código Penal (CP), revogado em 2009. 
Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado – no caso, a liberdade sexual. Isso porque as menores a que se referia o processo julgado se prostituíam havia tempos quando do suposto crime. 

Esta decisao age seletivamente, expondo a estigmatização do sistema penal. Ainda que o garantismo estabeleça como princípio básico a vedaçáo de julgamentos morais, o STJ expõe postura que levanta toda proteção ao bem jurídico a partir de juízos descriminatóios (e discriminatórios).
Nao nos cabe julgar a conduta moral de uma vítima e entender assim  que o abuso de seus direitos seja normal e não desviante.
Ademais, devemos fixar  que, em se tratando de crianças, o sexo deve ser prima facie proibido, a menos na cabeça de quem estupra.
Mas por que o sexo precisa de fundamentação? Fundamentação?  O Sexo é prima facie proibido ou permitido? A revolução sexual não veio justamente para romper com o modelo de sexo prima facie proibido?
Michellee Madden Dempsey e Jonathan Herringo se propuseram a responder essas questões num artigo abordando a necessidade de justificação da penetração sexual (Why sexual penetration requires justification).

A penetração sexual pode sim necessitar de justificação. Para responder as questões existem basicamente duas correntes. 

A primeira corrente teórica (predominante) entende que a penetração não precisa de justificação; deixa, portanto, a justificação para o momento anterior à penetração. Estes teóricos entendem que a penetração NÃO É EM SI um ato de violência e, como tal, a justificação fica para um momento anterior. 

No entanto, já há um segundo movimento teórico propondo que a justificação seja da própria penetração.
Muito mais radical, esta segunda corrente proclama que a penetração é um ato de força e como tal submete a mulher à condição de objeto. 

Dessa forma, a penetração pode ser constatada como violência imediatamente - prima facie. Noto que esta corrente é a que PROTEGE BENS JURÍDICOS-PENAS SEM ESTIGMATIZAR e assim está bem preconizada em nosso código penal ao criminalizar  a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou pessoa vulnerável (Art. 217-A).


Vcs se lembram que o STF decidiu ser possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito? Pensem nisso!


Absolvição de pessoa física e condenação penal de pessoa jurídica

É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma manteve decisão de turma recursal criminal que absolvera gerente administrativo financeiro, diante de sua falta de ingerência, da imputação da prática do crime de licenciamento de instalação de antena por pessoa jurídica sem autorização dos órgãos ambientais. Salientou-se que a conduta atribuída estaria contida no tipo penal previsto no art. 60 da Lei 9.605/98 (“Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”).
RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. (RE-628582)

So cabelos permaneceram iguais. As fotos de Roseane em 8 anos de uso de drogas (Inglaterra)..

Roseanne, aos 29 anos na primeira foto e aos 37 na última: de prisão em prisão, o retrato de um rosto que definha. Fotos: Reutersuters

Pau neles, Millôr. Conheça o Millõr criminológico como nunca antes visto!

Este texto de Millor está carregado de conteúdo para uma reflexão à luz das teorias criminológicas do conflito... É de fato uma provocação. Pau na Leitura!
Vamos ao texto:
Pau neles, compadre!

Por Millor Fernandes

Vocês, que continuam com visão romântica do homem (atualmente chamado de ser humano – como se fosse! – por imposição feminista), tirem o cavalinho idiota da chuva. Repito-me: o ser humano é um animal inviável. Em bando então, em grupo, em congresso, em Congresso, na assim dita coletividade, a guerra é certa, escravizar o irmão tentação irresistível, o assalto ao mais fraco compulsivo. A milícia protetora cria o milico e feroz. A mais famosa fraternidade ainda é a de Caim.
A generosidade dura apenas – se – o tempo do primitivismo. Até o paleolítico o pitecantropo só podia ser comunista. A carne apodrecia rapidamente (cheirava mal) e reparti-la era inevitável. No neolítico, quando se inventaram os vasilhames, o comunismo foi pro brejo, imenso, na época.
Deem uma leiturinha na história, desde os horrores da Mesopotâmia – ressuscitados hoje, brilhantemente, por Saddam e Bush –, passando pela Grécia de sangueiras e traições transformadas em glória e mito pelo talento homérico, passem pela impertérrita Inglaterra, cuja "revolução industrial" se alicerçou no tráfico de escravos e no saque (muito de nosso ouro, via Portugal). E nos Estados Unidos, esse gigante democrático, como foi? Perguntem a Búfalo Bill e ao general Custer, se não querem perguntar aos mexicanos. Ah, não se esqueçam de Hiroshima e Nagasaki. A Espanha, Deus do céu!; as touradas são apenas jogos infantis diante de sua colonização (Montezuma que o diga) nos quatro ou cinco cantos do mundo. E não vamos esquecer da Inquisição, Santa, aliás. A Holanda só não tem diques contra a própria e permanente cupidez. A Alemanha, pra só falar nos tempos atuais, inventou os campos de concentração, adotados rapidamente em todo o mundo democrático. Mas a revelação dos campos de concentração é um fato pós-guerra. Se os alemães tivessem vencido, isso jamais apareceria e vocês iam ficar estarrecidos com os horrores praticados pelos "nossos". Na Rússia de sempiterna crueldade, o homem sempre foi o lobo da estepe do homem. Quantas pessoas Stalin matou: dez, vinte, trinta, quarenta milhões? E os tzares? Foram uns querubins?
Dinamarca, os ingleses primitivos que o digam, Etiópia, onde há pouco mais de vinte anos os marxistas acabaram com uma das mais antigas aristocracias do mundo, Egito, aquele, dos Faraós, África do Sul, aquela, do Apartheid. E desçam pela América Central, revejam Incas, Maias, Astecas e constatem que esses povos, quando não estavam sendo violentados pelos europeus, estavam praticando as suas próprias barbaridades diuturnas em forma até de ritual sagrado. De violência em violência cheguem ao Brasil, esse oásis, antiga residência do homem cordial, atualmente pátria do bom selvagem, que vende as matas aos madeireiros, explora os companheiros e, de vez em quando, como lazer, violenta uma branca distraída. No passado não foi pior apenas por incompetência – só inventou bordunas. Mas pra que servem bordunas? Pra dar bordunadas.
Aos que acham que a violência de nosso tempo é maior do que jamais foi, devido ao excesso de população, estou parcialmente de acordo com eles. Não é só o excesso, é a concentração. Noutro dia fui andar na Avenida Copacabana e toda a superpopulação estava na rua.
E só existe um controle populacional infalível – a prosperidade. Portanto temos que acabar com a pobreza, de preferência eliminando os pobres. Pobre transa demais, gente!

quarta-feira, 28 de março de 2012

Precisamos falar sobre Alex.


 

A Laranja Mecânica – Comentários Criminológicos Sobre a Violência Juvenil

Warley Belo
Advogado Criminalista em Belo Horizonte. Mestre em Ciências Penais. Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito Kennedy. Professor de Pós-graduação da UFJF, da UNESC e da FAI-DOCTUM.

"... pode-se escolher a vida – e desvalorizar seu aniquilamento – ou pode-se escolher a valorização do sistema (com o conseqüente negativismo ou indiferença pelo aniquilamento da vida humana e não humana), mas também pode-se escolher não pensar e, em semelhante alienação covarde, cair no desprezível otimismo irresponsável. Para nós, a decisão eticamente correta escolhe a valorização da vida, apesar da coragem de pensar." (Eugenio Raúl Zaffaroni, Em busca das penas perdidas, p. 157)

Introdução

O filme advém do romance A Clockwork Orange publicado por Anthony Burgess em 1962. Burgess expõe o mundo dos "droogs", gíria em russo, que nos remonta à um grupo de jovens delinqüentes.

O trabalho cinematográfico possui um clima amedrontado e atormentado que nos leva a muitas perguntas temáticas na moderna Criminologia: Se possível, como a violência poderá ser erradicada da nossa sociedade moderna? Por que gangues se formam e têm comportamentos extremamente violentos? Poderá, o Estado, privar um indivíduo da sua livre vontade, transformando-o em um robô (ou um animal) que admite programação (ou adestramento) mental? O que isso significa ao analisarmos as tecnologias de modificação de comportamento de castigo contra o crime?

Essas são apenas algumas das indagações que procuraremos responder ao longo desse trabalho que visa discutir, sim, a violência, mas quer ser também um meio de troca de idéias entre um fascinado pelo Cinema e pela Criminologia. Portanto, logo se avisa, o discurso não quer ser só técnico. Quer ultrapassar essa fronteira e ser um texto "comentarista". Quer interagir com o leitor. Desse modo, ser-nos-á permitido fazer digressões à essa ou àquela doutrina ou corrente de pensamento ou mesmo outras obras literárias sem o medo de incorrermos em falhas metodológicas modernas a que os trabalhos científicos estão agrilhoados.

E não é só. Tratamos da violência juvenil. Isso indica que não trataremos da violência adulta e nem da criminalidade juvenil e / ou adulta.

O discurso é orientado para um determinado grupo de agentes: os jovens adolescentes a que nos remonta o filme. É claro que, mesmo assim, não podemos, aqui, pretensiosamente, assumir a descrição da violência juvenil como um todo. Seguimos, nesse aspecto, a honestidade de Albert K. Cohen 1, no seu clássico Delinquent Boys: "The problem of the relationship between juvenile delinquency and adult crime has many facets. To what extent are the offenses of children and adults distributed among the same legal categories, "burglasy". "larceny", "vehicletaking" and so forth? To what extent, even when the offenses are legally identical, do these acts have the same meaning for children and adults? To what extent are the careers of adult criminals continuations of careers of juvenile delinquency? We cannot solve these problems here, but we want emphasize the danger of making facile and unprone assumptions. If we assume that "crime is crime", that child and adult criminals are practitions of the same trade, and if our assumptions are false, then the road to error is wide and clear. Easily and unconsciously, we may impute a whole hort of notions concerning the nature of crime and its causes, derinedfrom on knowledge and fancies about adultcrime, to a large realm of behavior to which these notions are irrelevant. It is better to make no such assumptions; it is better to look at juvenile delinquency with a fresh eye and try to explain what we see."

Por outra, violência e criminalidade não são sinônimos. Necessário, pois pontuar a diferenciação, a fim de delimitar o discurso. Rodrigo de Abreu Fudoli 2 nos ensina o seguinte: "Violência e criminalidade são fenômenos diversos. O crime é apenas uma das facetas da violência, embora haja, no discurso dominante, uma clara aproximação entre violência e crime, identificando-se a ação individualizada da criminalidade convencional como tradução da idéia de violência. Este falso e parcial pensamento conduz à consideração do sistema penal como produto hábil a fornecer à sociedade a proteção e segurança almejadas, como forma de desviar as atenções de fatos mais danosos, e de permitir o terrorismo oficial, mantenedor da injustiça, da desigualdade e da exclusão."

No filme, essa dicotomia violência/crime não é tão explorada, mas há, verdadeiramente, no discurso dominante, tanto lá na ficção quanto aqui na realidade, a aproximação entre os conceitos de violência e crime. O nosso maior temor é que se confunda esse discurso - voltado para a violência – com um discurso que analisa a criminalidade juvenil. Seria um erro crasso estudar o texto dessa maneira.

O ponto da discussão é, pois a violência juvenil. Não obstante, abarcaremos também o tratamento behaviorista de ‘reeducação’ social tendo, sempre, por pano de fundo o filme, a doutrina criminológica e o direito de apontarmos nossa visão pessoal.

O Autor de "A Laranja Mecânica": Burgess Anthony Burgess nasceu no dia 25.02.1917 e morreu em 25.11.1993. Era ensaísta versátil, lingüista, tradutor, músico, e novelista cômico 3 cujo uso inventivo do idioma ‘Nadsat’ é prova para paródia refletindo o interesse dele em James Joyce, sobre quem escreveu em Re Joyce (1965). É reconhecido mundialmente pelo seu melhor romance futurístico: "A Laranja Mecânica" (1962; filme, 1971).

Criado em ambiente católico na cidade de Manchester, Inglaterra, estudou música e foi também compositor. As suas formas musicais freqüentemente são usadas em sua ficção, como Napoleon Symphony: Um Romance em Quatro Movimentos (1974). 4

Depois de servir ao Exército britânico na Segunda Guerra Mundial, ele se tornou professor e oficial de educação, primeiro na Inglaterra (1950-54) e então no oeste americano (1954-59), onde escreveu Time for a Tiger (1956), seu primeiro romance publicado.

Mandado de volta para a Inglaterra com um tumor cerebral supostamente fatal, ele escreveu outros cinco livros em apenas um ano. Direção do filme: Kubrick. A direção foi de Stanley Kubrick. Nasceu em Nova Iorque no dia 26.07.1928 e morreu em 07.03.1999. Era escritor de filmes, diretor e produtor, cuja fama é virtualmente legendária 5. É considerado um mestre da sétima arte.

Enquanto trabalhava ainda como foto-jornalista para revista Life, Kubrick fez sua entrada de modo quase imperceptível com o filme Fear and Desire (1953) e o Killer’s Kiss (1955). Depois do seu "thriller" de crime The Killing (1956), os críticos começaram a lhe notar. Mas foi com Paths of Glory (1957) que solidificou sua reputação como diretor. Após, lançou Spartacus (1960), Lolita (1962), Dr. Strangelove, ou How I Learned to Stoped Worrying e Love the Bomb (1964). No 2001:Uma Odisséia no Espaço (1968) e na Laranja Mecânica (1971), ambos feitos na Inglaterra, gerou-se uma intensa controvérsia da crítica, mas, agora, são amplamente aceitos como marcos do cinema moderno. Seus filmes posteriores são Barry Lyndon (1975); The Shining (1980); Full Metal Jacket (1987) e Eyes Wide Shut (1999).

A Laranja Mecânica ganhou destaque na Associação de Filmes da América (AFI – American Film Institute) 6 pela exploração da sexualidade e da violência de forma singular, permanecendo hoje com o 46o. lugar no ranking daquela organização. Tornou-se o segundo filme avaliado (depois de Midnight Cowboy) a ganhar The Best Picture Academy Award. O primeiro lugar do ranking da AFI pertence a Cidadão Kane.

Os críticos de Nova Iorque nomearam A Laranja Mecânica o Melhor Filme de 1971, e Kubrick o melhor diretor. Ganhou quatro nomeações ao Oscar, por Melhor Quadro, Melhor Diretor, Enredo mais Bem Adaptado e Melhor Filme Editado. Ameaças de morte por causa do filme O filme causou um escândalo quando foi liberado na Inglaterra e recebeu a fama de ter incitado vários atos de violência. Em 1973, Kubrick pediu à Warner Bros. para remover o filme da Inglaterra. O filme ficou proibido de ser exibido no Reino Unido de 1973 até o ano 2000.

Em uma entrevista após a morte de Kubrick, sua ex-esposa Christiane, relatou as razões que motivaram o cineasta a impedir a exibição do filme: ameaças de morte a ele próprio e à sua família.

Por que "Laranja" e por que "Mecânica"? O que significa o título "Laranja Mecânica"? Ao pé da letra, o título original (Clockwork Orange), significa "Laranja com Mecanismo de Relógio". O título alude, pois a um "mecanismo de relógio" - clockwork – algo que nos remonta a uma visão mecânica, artificial, robótica, programável.

Orange – laranja, nos leva, particularmente, a ver semelhança, no inglês, com a palavra "orang – utan", ou seja, um macaco (no caso alaranjado, mesmo), uma criatura, um animal. No final das contas, seria uma alusão ao procedimento behaviorista utilizado pelos cientistas do filme para reintegrar à sociedade o jovem Alex, considerado como um "animal" e, por isso mesmo, "domesticável".

Existem também reminiscências 7 ao título ligando-o à uma velha expressão londrina - tão esquisita quanto o título – que significa: "muito estranho ou incomum". Nesse aspecto, liga-se à visão do autor sobre o comportamento dos jovens delinqüentes ou, mais corretamente, como já apontamos, ao tratamento que o criminoso Alex fora submetido.

O Idioma Talvez a coisa mais fascinante sobre o livro (e o filme) seja o idioma. Alex pensa e fala no "Nadsat" (adolescente em russo, em analogia temos "teen" do inglês. Também é a terminação das palavras russas que numeram os números de onze a dezenove).

No princípio, o vocabulário parece incompreensível: "You could peet it with vellocet or synthemesc or drencrom or one or two other veshches". ("Você podia peet isto com vellocet ou synthemesc ou drencrom ou um ou dois outros veshches"). Mesmo não se sabendo nenhuma palavra russa e parecendo, à primeira vista, indecifrável o significado, compreende-se a idéia ao se analisar o contexto da frase. Entretanto, há palavras que buscam ser inteligíveis mesmo em se observando o contexto: quando Alex chuta um integrante de uma gangue rival (Billyboy), caído no chão, ele diz que o chutou no "gulliver". A expressão poderia fazer referência a qualquer parte do corpo naquele contexto. Todavia, em outra cena, um copo de cerveja é servido com "gulliver". E quando o mesmo se recusa a ir à escola fica claro que "gulliver" é dor de cabeça... De qualquer forma, a palavra pode ter sua origem remontada ao russo: "golova", que significa "cabeça" 8.

Anthony Burgess não usou palavras russas sempre de forma mecânica 9. Há passagens que se utiliza do "Nadsat" com grande ingenuidade, como na palavra "gulliver" já referida. Outras palavras são brilhantemente arquitetadas: khorosho (bom ou bem) como "horrowshow"; iudi (pessoas) como "lewdies"; militsia (milícia ou polícia) como "millicents".

A "conversa codificada" (melhor do que gíria) inclui a frase marcante de Alex "O my brothers" e palavras como "crark" (uivar?) e "cutter" (dinheiro). A linguagem tem um som maravilhoso, particularmente em abuso, quando "bratchny grahzny" soa infinitamente melhor do que "dirty bastard" ("bastardo sujo"), além do que é um ponto central para a nossa análise criminológica.

O capítulo fantasma de Clockwork Orange O livro A Laranja Mecânica foi publicado em Nova Iorque por W.W. Norton Inc. no ano de 1962 e também na Europa.

Na América do Norte, ao contrário do que ocorreu na Europa, Norton - o presidente da Editora, insistiu que o livro perdesse seu capítulo final 10... Por quê? Não nos pergunte! Não encontramos a resposta.

Burguess concordou com esse procedimento, mas "não fiquei contente", pois "tinha estruturado o trabalho com muito cuidado. Havia dividido em três seções de sete capítulos cada, figura numérica essa que, em numerologia tradicional, significava o símbolo de maturidade humana.", explicou Burguess a um jornal londrino 11.

No mínimo, incomum a história. Alex termina o Capítulo 20, na edição americana, com a seguinte declaração: "eu estava certo que tinha me curado". Ou seja, se "estava" era porque não continuava... As edições americanas e européias são essencialmente diferentes.

Tem mais: Kubrick não teve notícias desse capítulo à tempo. A versão que lhe chegou às mãos era a americana, sem o capítulo 21, e, mesmo o filme tendo sido realizado na Inglaterra, só veio a descobrir o "capítulo fantasma" após o término do trabalho cinematográfico. Nada muito relevante para Kubrick que se disse satisfeito com o final da versão americana e que não a mudaria 12.

No capítulo final (capítulo 21 - ou capítulo 7 da parte III), Alex aparece com mais idade, renuncia seus modos violentos, se casa e tem crianças. Torna-se, assim um "indivíduo produtivo" à sociedade. Em linguagem simples, a versão dos americanos transformou o romance em ficção e modificou, radicalmente, a concepção sobre o behaviorismo, como veremos.

Descrição das cenas de "ultra-violência" Prenuncia o cartaz do filme: "Being the adventures of a young man whose principal interests are rape, ultra-violence and Beethoven."

O desordeiro e jovem Alex (Malcolm McDowell) tem seu modo particular de diversão: dores, sofrimentos alheios e violência gratuita. O trajeto de Alex é de cunho punk amoral o que nos leva a formar um arco dinâmico entre a visão futurística de Stanley Kubrick e a visão de choque de Anthony Burgess em seu romance. Permitido, pois sair da órbita terrestre para tecer comentários. Imagens agressivas, reforçadas pelos contrapontos musicais aliado ao "código" Nadsat usado por Alex e seus camaradas, fazem do filme de Kubrick um quebra-cabeças cujas peças se amoldam em um todo poético mesmo sendo um universo imensamente controverso e violento.

A locação do filme é a Inglaterra em futuro próximo. Ao fundo, toca música de órgão ao estilo gótico (Elegy in Death of Queen Mary, de Pucell) 13. A abertura possui uma imagem memorável: é uma tomada, em foco, dos olhos azuis e face maliciosamente sorridente do jovem Alex de Large, com um falso cílio (superior e inferior) adornando o seu olho direito.

Suas abotoaduras e suspensórios são decorados com um sangrento glóbulo ocular. Afastando a visão da câmara, os "droogs", possuidores de nomes russos, são mostrados: Georgie (James Marcus), Dim [abreviação de Dimitri] (Warren Clarke), e Pete (Michael Tarn).

Os nomes são simbólicos: o Alex representa o Alexander, heróico e majestoso (Alex The Large, é o seu nome). O Grande. Mas, nesse caso "A - lex", ou seja - um homem sem lei, o que já pode nos trazer alguma referência sobre a anomia dos criminólogos.

Na frente deles, e também formando um corredor em ambos os lados, aparecem formas grotescas de trabalho de arte em um humor niilista e futurístico: esculpido em branco higiênico - corpos de mulheres submissas em fibra estão em forma de mobília, onde algumas estão ajoelhadas e outras em posição de quatro, como mesas. As cores estão ausentes, exceto o orlon artificial das perucas. O filme é narrado por Alex, o protagonista. Assim as primeiras palavras:

Alex: There was me, that is Alex, and my three droogs, that is Pete, Georgie, and Dim, and we sat in the Korova Milkbar trying to make up our rassoodocks what to do with the evening. The Korova milkbar sold milk-plus, milk plus vellocet or synthemesc or drencrom, which is what we were drinking. This would sharpen you up and make you ready for a bit of the old ultra-violence.

No Korova Milkbar, mistura-se bebidas "enriquecidas" com drogas (denominado "milk-plus"). Servida dos seios de uma manequim nua (uma "mãe" como fonte da violência, a violência como instinto natural?) que é operada por moeda e que já sai automaticamente com drogas para deixá-los prontos para o entretenimento: "the old utra-violence". Eles esperam por uma noite com muita confusão, depredação, agressão e estupro.

Possuem um padrão nas vestimentas: macacões compridos e brancos, suspensórios brancos paralelos, botas de combate pretas e corridas. Usam uma espécie de coquilha externa e bem à mostra, mas igualmente branca, protegendo as genitálias.

A primeira atuação remonta um espancamento a um bêbedo vagabundo que buscava refúgio abaixo de uma passarela de pedestres. Cantava "Molly Malone" 14.

O velho bêbado ("filthy, dirty old drunkie") os escarnece e é espancado severamente depois de ter lamentado o estado da sociedade presente onde não há mais respeito e nem valores. Um mundo que tem péssimo cheiro, onde nenhum jovem respeita os anciões.

Ao fundo, música de violinos e instrumentos de sopro de madeira. A cena passa para uma casa de ópera (ou cassino ou teatro) abandonada - um símbolo da sociedade contemporânea que se desmorona. São ouvidos gritos estridentes e música. No palco, uma jovem mulher em luta contra alguns jovens que a molestavam. A vítima de estupro tem suas roupas rasgadas ante os quatro furiosos delinqüentes de uma gangue rival. Billyboy (Richard Connaught), e sua gangue, usa roupas que lembram velhos uniformes nazistas:

Alex: It was around by the derelict casino that we came across Billyboy and his four droogs. They were getting ready to perform a little of the old in-out, in-out on a weepy young devotchka they had there.

Alex e a sua gangue observam o preparatório para "the old in-out, in-out", e então - preferindo violência a sexo - os desafia a uma briga com um insulto sexual: "How art thou, thou globby bottle of cheap, stinking chip oil? Come and get one in the yarbles, if you have any yarbles, you eunich jelly thou."

O prédio antigo serve de fundo para uma rápida sucessão de imagens violentas executada harmonicamente, como em uma cena de balé. Os atos violentos entram em uma sintonia, em uma leveza com a música de Rossini ao fundo. Em estilo reconhecível por quase todo o filme a simbiose violência-música nos mostra a briga entre as gangues de adolescentes onde aparecem lances de arremesso de mobílias, janelas de vidro se estilhaçando, espelhos espatifados e chutes cinematográficos. Corpos voam pelo ar em pulos e cambalhotas; cadeiras esmagam cabeças. Quando, finalmente, a atuação é interrompida por uma sirena policial. Alex e sua gangue fogem em um carro esporte roubado - um Durango/95.

Saem com o carro pela noite escura da zona rural dirigindo em alta velocidade e despreocupadamente em relação aos outros carros e motos que vêm em direção contrária. Em verdade, eles se jogam contra os outros veículos. Divertem-se à custa do pânico e da excitação de forçar os outros carros a saírem da estrada.

Chegam a uma residência opulenta marcada com um convidativo indicador de "CASA" iluminado. É uma casa moderna. Uma tentativa imaginosa de antecipar o design arquitetônico futurístico. Os quatros se dirigem para a porta de entrada. A casa é a residência dos Alexanders. O marido ancião, escritor, bate à máquina de escrever (Kubrick não imaginava a revolução dos PCs). A sua esposa, Sra. Alexander, usando uma roupa vermelha, lê em uma cadeira de plástico branca - também com um suposto design futurista. Quando a campainha toca (parece uma parte da melodia da Quinta Sinfonia de Beethoven!) 15 ela vai à porta. Alex pleiteia - ao argumento de que houve "um acidente" terrível - o uso do telefone da casa para chamar uma ambulância: "é uma questão de vida ou de morte". Ela hesita: suspeita da visita noturna. Mas, o Sr. Alexander consente ao pedido de socorro. Quando ela destrava a porta, a gangue invade a casa trazendo à tona um início de um pesadelo para os moradores, mas que não passa do mais vão dos entretenimentos para os quatro rapazes. Estão usando máscaras cômicas e estranhas. Alex tem um grotesco símbolo fálico que lhe tampa o nariz. A Sra. Alexander é segura à altura dos ombros por um dos comparsas e é afagada por Alex. O Sr. Alexander é chutado no chão por Alex que ironicamente pontua rítmica e secamente - a pontapés - uma dança com a letra de "Singin in the Rain". A cena é perturbadoras, pois há uma justaposição das letras familiares de uma música brincalhona, alegre, feliz - de um filme clássico - com imagens de brutalidade e de extremista "ultra-violence":

I’m singin’ in the rain, Just singin’ in the rain... What a glorious feeling, I’m happy again. I’m laughing at clouds, so dark up above. The sun’s in my heart, and I’m ready for love. Let the stormy clouds chase, everyone from the place. Come on with the rain, I’ve a smile on my face. I’ll walk down the lane, with a happy refrain. And I’m singin’, just singin’ in the rain.

Ambas vítimas são amordaçadas com uma bola de borracha dolorosamente inserida em suas bocas e seguras ao redor da cabeça por longas tiras de fita adesiva. Alex destrói a escrivaninha do escritor, a máquina de escrever e a estante. Sr. Alexander é forçado, agora já completamente rendido, a assistir ao despimento e estupro de sua esposa. Alex começa cortando dois círculos ao redor dos seios da Sra. Alexander para expô-los. Após, corta-lhe o terno inteiro. Então, com um movimento que lembra um passo de dança, baixa as próprias calças e escarnece ao marido: "Viddy well, little brother. Viddy well."

O grupo volta ao Korova Milkbar onde eles se espreguiçam em contraste com as paredes pretas. Há uma mesa perto onde alguns técnicos de estúdio de televisão estão rindo e conversando. A mulher do grupo segue seu instinto e canta uma seção curta da "Ode to Joy" de Schiller no movimento de coral da Nona Sinfonia de Beethoven 16. Para Alex, é um momento de puro êxtase.

Depois da música, Dim ironiza a cantora. Alex o agride nas pernas com uma bengala pela falta de respeito ("por ser um bastardo sem modos"). É evidente que não se poderia falar mal do seu amado e favorito compositor. Os ganidos de Dim parecem choramingos de criança e demonstram descontentamento com a liderança de Alex: "eu não gosto que você faça isso comigo. E não sou mais seu irmão e nem nunca o quis ser... Yarbles, grande yarblockos de bolshy para você". Dim o ameaça, mas se recusa a lutar com Alex quando esse aceita o convite.

Alex volta para casa (na Municipal Flatblock 18a Linear North) 17 onde ele vive com seu pai e sua mãe. O salão de entrada do prédio está obstruído por lixo e sobras de materiais demonstrando o desleixo dos moradores.

Em uma passagem, fica à vista um mural enorme onde aponta-se a dignidade do trabalho, todavia está deformado por uma pichação sexual obscena. A porta do elevador está quebrada e Alex tem de subir pelos degraus. A parede dentro de seu quarto está enfeitada com um desenho erótico, uma imagem feminina. Do outro lado, há um quadro de Beethoven. Ele põe sua pilhagem da noite em uma gaveta já cheia de relógios roubados e carteiras. Em uma segunda gaveta, ele confere a sua cobra python. Como "o fim" perfeito para a "noite maravilhosa", Alex insere uma fita cassete da Nona Sinfonia de Beethoven. Enquanto aprecia seu compositor favorito, no pedaço mais conhecido da música, a cobra python explora a área onde está exposta a figura feminina na parede. Durante um devaneio, ao tom de Beethoven, Alex delira: Formam-se quadros alucinógenos em sonhos masoquistas de imagens com cortes rápidos de quatro "Jesuses" de plástico dançando fora do crucifixo. Uma mulher vestida de branco cai em uma armadilha e, pendurada pelo pescoço, vê homens olhando de soslaio. Alex ri maliciosamente. Agora são imagens de uma erupção vulcânica. Depois uma avalanche de pedras que esmagam homens neandertalenses primitivos.

A manhã vem. Os pais de Alex parecem ser de classe média. É a impressão, ao menos. O contexto social é muito importante para a análise que se segue. Por isso, à frente, seremos obrigados a elaborar dois caminhos. O primeiro construindo uma teoria de Alex num contexto proletário e o segundo sobre Alex numa situação financeira de classe média. Seu pai, Pee (que é uma gíria inglesa para urinar), e sua mãe, Em, estão confusos, apologéticos e, aparentemente, amedrontados pelo comportamento desviado do filho. Costumeiramente tomam o café matutino e falam sobre Alex. O pai pergunta: "eu gostaria de saber, onde exatamente ele vai trabalhar à noite?" A mãe responde: "Bem, como ele disse, são coisas estranhas que ele faz, alguns biscates, ora aqui, ora acolá, como tem de ser."

Ao ser desperto pela mãe, alega pretensa "dor no gulliver". Desculpa suficiente para lhe isentar a ida à escola. Quando seus pais já não mais se encontram em casa, levanta. Apenas trajando uma cueca, é surpreendido por um assistente social (ou um agente corretivo), Sr. Deltoid, já dentro do apartamento, pois a chave lhe fora emprestada pela mãe de Alex a caminho do trabalho. Depois de fazer Alex se sentar na cama, próximo a ele, põe o braço afetuosamente ao redor dos ombros nus de Alex e fala em linguagem Nadsat para ficar atento porque da próxima vez ele poderá ir para a prisão. Externa sua suspeita do envolvimento de Alex na "sordidez" da noite prévia.

Em uma flamejante boutique musical, duas garotas lambem fálicos sorvetes. Ouve-se sons sintetizados do quarto movimento da Nona Sinfonia de Beethoven. Alex está vestido estilisticamente. A cena é filmada em 360o. graus enquanto passeia pela loja e examina as duas jovens. Depois de rondá-las, as indaga: "Um pouco insensato, não é, minhas queridas?" e então convida-as para escutar música em seu sistema moderno de hi-fi.

Já em seu quarto, há uma criativa filmagem em alta velocidade de uma cena de orgia (a clockwork sex?) entre os três. A cena foi filmada numa velocidade doze vezes superior a de um filme normal (a duas armações por segundo). Levou uns 28 minutos atuais para filmar, mas dura, na tela, apenas 40 segundos. A gangue de Alex o está esperando no salão de entrada do apartamento, quando o mesmo desce pelas escadas. Depois de discordarem das ordens dele e da disciplina ditatorial exigida, um dos ‘droogs’ quer saber de "dinheiro grande, muito grande".

Para satisfazer o desejo dos amargos dissidentes, Alex oferece a eles uma trégua e para se reconciliarem sugestiona uma rodada de bebidas ("moloko-plus") no milkbar de Korova. Eles caminham ao longo de uma marina quando, em gracioso e lento movimento (é notável o contraste com os movimentos de alta-velocidade da cena de orgia anterior) Alex os agride e consegue manter o seu controle tirânico sobre os comparsas.

Daí, o filme continua com a invasão de um ‘spa’, cuja dona possui um tanto de gatos, e é assassinada por Alex. Na saída, é surpreendido pelos próprios amigos com uma garrafada de leite em sua face. Postado no chão, é preso e levado à Delegacia. Do Prazer, através da violência As cenas são, deveras, nauseantes e é preciso mesmo ter "nervos de aço" para passar imune às chocantes arbitrariedades. Entretanto, agora, podemos nos abstrair dessa descrição detalhada e passarmos a analisar as cenas principais do filme, lamentando – profundamente – não termos mais espaço para aprofundarmos e expormos todas nossas idéias.

Como já indicamos no início do trabalho, o filme quer tratar da violência juvenil e do tratamento imposto ao jovem Alex. Começamos com uma afirmativa desconcertante: A violência é útil. A violência é funcional para a sociedade.

Num primeiro momento, pode-se pretender, a assertiva, como uma idéia reducionista ou evasiva das sangrentas cenas descritas. Mas não é esse o ponto. Observemos. Não se tem notícias de nenhuma civilização onde a violência não tenha existido. Carnificinas, massacres, genocídios, fúria, ou seja, a violência em sua generalidade sempre foi comum a qualquer conjunto de civilização. Não é uma coincidência. Trata-se de uma estrutura constante do próprio fenômeno humano e tem, evidente, um papel na vida em sociedade.

Emile Durkheim 18 nos traz essa concepção inicial do utilitarismo de todos os fatos sociais: "Classificar o crime entre os fenômenos da sociologia normal não é apenas dizer que constitui fenômeno inevitável, embora lastimável e devido à maldade incorrigível dos homens; é afirmar que é um fator da saúde pública, uma parte integrante de toda sociedade sã. Este resultado é, à primeira vista, tão surpreendente que nos desconcertou durante muito tempo. Todavia, uma vez dominada a primeira impressão de surpresa, não é difícil encontrar as razões que explicam esta normalidade e, concomitantemente, a confirmam. (...) o crime é normal porque seria inteiramente impossível uma sociedade que se mostrasse isenta dele."

Mais recentemente, Maffesoli 19, expôs: "A violência, a crueldade, a desordem, a perda são somente aspectos da vida cotidiana levadas ao seu extremo, e esse limite é a condição de um reabastecimento dessa mesma vida cotidiana. O "reabastecimento" de que acabamos de falar exprime, aos nossos olhos, esse processo lógico, orgânico que une a monotonia à intensidade, a partir do momento em que cada um é aceito enquanto tal, como elemento de um conjunto."

Temos por certo que a violência também ocupa status de normalidade em nosso contexto civilizatório, assim como o crime. Logo, a violência é funcional, exerce função na sociedade, é importante enquanto violência. O problema é desvendarmos o ‘modus operandi’ desse processo.

Zaffaroni e Pierangelli 20 nos chama a atenção para um aspecto da funcionalidade da violência: "É claro que a tese de Durkheim peca pela ingenuidade, mas é a primeira formulação moderna de uma visão macrossociológica do delito que abarca a reação social. O delito já não é um corpo estranho, nocivo à sociedade, mas que cumpre uma função positiva em nível macrossociológico, ou seja, estaria integrado "fisiologicamente" à sociedade, seria um elemento "funcional" da mesma. Não é uma posição anti-organicista, mas uma mudança dentro da abordagem organicista."

A crítica de Zaffaroni e Pierangelli à Durkheim refere-se à moderna crítica da Criminologia ao Direito Penal positivo, cuja análise não adentramos por motivos já expostos. Fica, todavia, a citação e o pioneirismo de Durkheim para o estudo da violência não centrada no indivíduo em si, mas, sim, numa nova visão macrossocial e compreender isso é essencial para interpretar o filme. Por isso, fazemos uma reformulação: a violência tem sua funcionalidade inserida em contexto macrossocial.

Lançamos outra aresta para o discurso: a heterogeneidade gera a violência e a homogeneidade gera a passividade, mas é potencialmente mortífera. Assim as vestimentas dos jovens delinqüentes. Visualmente, eles são iguais nas roupas, calças compridas brancas, suspensórios brancos paralelos, botas de combate pretas e corridas e uma coquilha protetora dos órgãos genitais. Não se trata de emergimos uma "visão lombrosiana das vestimentas". Queremos reforçar o argumento de um identificação primária, visual.

Esse comportamento, de se homogeneizar ao outro traz em si, também, a heterogeneidade. No caso, em relação a todos os demais da sociedade e agravado em relação a outros grupos rivais (gangues). Trata-se de um "estruturante" coletivo. Um limiar de águas: o nós e o resto. A identificação visual é um mecanismo de compartilhamento de valores. Todos se vestem iguais, todos tomam (e gostam) do "milk-plus", todos cultuam a "ultra-violence". Não há liberdade fora dos parâmetros apontados por essa tirania. Até o ruim individualmente passa a ser bom se o grupo assim rotula. Há uma igualdade de pensamentos, um só modo de ser, de falar, de gostar, etc.. Becker aponta-nos exemplo final ao expor situação análoga, ao tratar dos usuários de maconha. Diz nem sempre ser a primeira utilização da substância prazerosa. Os efeitos químicos, não raramente, são náuseas, falhas de percepção no tempo e no espaço e vômitos. Mas, o indivíduo "aprende" a ligar esses efeitos ao significado de prazer principalmente porque os "outros" assim o entendem. Há uma interiorização desses valores. Mais: a opinião do grupo é tomada como ideal para a opinião pessoal. Becker 21 denomina de aprendizagem "step by step": "One more step is necessary if the user who has now learned to get high is to continue use. He must learn to enjoy the effects he has just learned to experience. Marihuana-produced sensations are not automatically or necessarily pleasurable. (...) The user feels dizzy, thirsty; his scalp tingles; he misjudges time and distances. Are these things pleasurable? He isn’t sure. If he is to continue marihuana use, he must decide that they are."

A partir daqui podemos fazer junções entre esses fatos e alguns teóricos.

Albert K. Cohen, cuja obra já citamos, desenvolve a teoria das subculturas dos bandos juvenis. Esta é descrita como um sistema de crenças e valores, cuja origem é extraída de um processo de interação entre rapazes ocupantes de posições pares na estrutura social. Esta subcultura representa a solução de problemas de adaptação, para os quais a cultura dominante não oferece soluções satisfatórias. O primeiro momento da teoria é a idéia da total democratização do chamado american dream: tanto os jovens das classes com posses como os jovens das classes baixas interiorizam e começam por aderir à ética do sucesso da sociedade ocidental-capitalista. Essa ética, todavia, se revela discriminatória, pois possui mecanismos de exclusão de grupos sociais e critérios típicos da classe média: racionalidade, autodisciplina, ambição, qualificação técnica, cortesia, cultura acadêmica, etc. Alex pode ter sido educado nesse meio, pode ter sido socializado com essa concepção culturalista da classe média e, normalmente, deveria seguir, reproduzir o modelo dos próprios pais. Quando o corretor de menores chega à sua casa fica claro que as condições sócio-familiares de Alex são típicas da classe média, mas também ficou claro, na mesma cena, que Alex não relevava importante a "ética da responsabilidade" apresentando a dias uma suposta "dor de gulliver" para não ir à escola. Esse dado é importante, pois a escola espelha a ideologia democratizante (Cohen) e meritocrática (Alessando Baratta 22) da sociedade global.

Parsons 23 já fala em youth culture, caracterizada pela irresponsabilidade e cujo aparecimento atribui-se às "tensões nas relações entre os jovens e os adultos" por decorrência dos comportamentos, valores e exigências da sociedade industrial. Lembra da facilidade, nas primeiras décadas do século passado, de um jovem, antes mesmo de completos os dezoito anos, se integrar ao mercado de trabalho. Era possível, assim uma inserção, sem traumas, para a vida adulta e para a cultura dominante. Já na década de cinqüenta e sessenta (época em que foi escrito e filmado o "Clockwork Orange") é imprescindível a qualificação técnica mais apurada para a integralização ao sistema sócio-econômico. Dessa forma, transferiu-se da idade média de dezessete para vinte e quatro anos a entrada para o mercado de trabalho. O que altera significativamente as fronteiras de valores e relacionamento entre as gerações. Ora, esse distanciamento temporal (cerca de sete anos) abriu um vazio na vida desses jovens emergindo uma "teen-ager culture" (England) uma vez que esses jovens ficaram sem definição social clara. Como se não bastasse, e no filme vimos isso, a estrutura familiar vem em contínua desestruturação. Sofre grandes transformações com reflexos evidentes na formação moral e educacional dos jovens, principalmente na classe média. Alex, por exemplo, possui pais totalmente desvinculados de sua vida social, não sabem sequer se o filho "trabalha" à noite e nem se esforçam por saber.

Nesse sentido, Figueiredo Dias 24: "(...) se fosse possível sintetizar as inovações introduzidas na educação das novas gerações, poderíamos falar em abandono do monismo moral e do monismo profissional-acadêmico. A educação deixou de se realizar predominantemente em casa e na atmosfera da severidade puritana."

Veja-se, pois a ambigüidade da criação desses jovens: de um lado há uma cultura tradicional, convencional com comportamentos virtuosos, de responsabilidade, trabalho 25, estudo, mas, ao mesmo tempo, retiram-lhes a função produtiva-econômica. São convocados à uma vida acadêmica, mas são desprovidos das gratificações financeiras desse estado. Há um contra-senso desse "duplo vínculo" sociedade-jovem.

Daí surgem crises de identidade cuja superação encontra terreno fértil dentro das subculturas dos jovens. Buscam o prestígio entre si, o status, a "dominação" mesmo dentro do seu universo jovem. Acaso não é isso que Alex procurava com seus "droogs"? A todo momento se impor coercitivamente quanto aos outros?

A partir de todo esse desenho macrossocial, alcançou-se certo grau de solidariedade entre o grupo. Iniciou-se a prática coletiva de violência e ilegalidade: condução do automóvel, uso de drogas, vandalismo, furto, roubo, estupro, infrações às normas ou padrões sexuais. Tudo em contraste frontal com a cultura dominante.

Logo, já se percebe, a formação do grupo tem duplo movimento: destrói e constrói. Revela, também, uma desestruturação social manifesta. Vamos lembrar, rapidamente, que os pais de Alex são ausentes, relapsos. O prédio onde Alex mora está abandonado e sujo. Tais circunstâncias, evidente, por elas mesmas, não são os únicos motivos para a constituição da gang. Não se trata disso. Mas é um fator importante. Deve ser visto com relevância. Nesse pensar, a violência no filme pode ser analisada, ao mesmo tempo, em relação a uma institucionalização de valores (Becker), adaptação social (Cohen) e estresse social (Parsons).

Essa é a análise superficial e limitada ao aspecto macrossociológico. Entrementes, forçoso é concluir a necessidade em averiguarmos, ainda, o porque da formação da "gang" e o aspecto individual de Alex nessa estrutura social. O crime (aqui posto em paralelo à violência a fim de prosseguirmos no discurso) é comumente associado, de forma necessária, a efeitos socialmente disfuncionais, negativos, perturbadores. Hobbes via no crime uma ameaça à sociedade. Tais efeitos são, sim, irrecusáveis. Provoca danos materiais, medo, cerceia a convivência social, põe em risco valores sociais, etc. Mas há seu lado positivo (Durkheim). Esse efeito positivo também foi abordado por Merton, além de Coser, Cohen, Erikson e Scott.

Robert Merton desenvolveu a chamada teoria funcionalista da anomia tendo por base a negação da concepção patológica do desvio, àquela época já superada por Durkheim 26. Seguindo Figueiredo Dias 27: "O conceito de anomia de Merton situa-se expressamente no desenvolvimento da idéia durkheimiana de ausência de normas. Apesar da diversidade de formulações utilizadas, ele acaba por privilegiar idéias de ‘desmoralização’ ou ‘ruptura da estrutura cultural’. O grau de anomia de um sistema social mede-se pela extensão em que há ausência de consenso sobre as normas julgadas legítimas, com a conseqüente insegurança e incerteza nas relações sociais. As pessoas são confrontadas pela anomia substancial quando, como um dado de facto, não podem esperar com elevada probabilidade que o comportamento dos outros se conforme com os padrões que comumente consideram legítimos."

Na concepção de Merton, pois permite-se interpretar o desvio como um produto da estrutura social, absolutamente normal, assim como o comportamento adaptado às regras sociais. "Isso significa que a estrutura social não tem somente um efeito repressivo, mas também, e sobretudo, um efeito estimulante sobre o comportamento individual." 28

Num primeiro momento defrontamo-nos com a desestruturação oculta (ou semi-oculta) dos "droogs". As fissuras, como já apontadas, são relativamente importantes e relativamente aparentes, mas não são menos importantes e podem nos servir de meio revelador da especificidade daquela violência gerada. Com a agregação pode-se concluir que há um "enfraquecimento dos vínculos sociais" (Durkheim) que acarreta uma desagregação social. Ou seja, há um escambo de valores. A anomia é manifesta. Esse mecanismo, segundo Durkheim, caracteriza a acmé de uma civilização. Nos interessa a conclusão, cujo fundamento desse mecanismo é o de normatizar. A adoção de normas (e aqui é explícito: os "uniformes", tanto do grupo de Alex quanto do outro grupo, os Billyboys, o "Nadsat", o ritual do "milk-plus") cria uma integração da qual os membros são partes. Os outros estão excluídos, já apontamos.

A consciência individual ou mesmo coletiva nada tem a ver com esse processo. Essas gangues não se formaram conscientemente. Estamos tratando de rebeldia, cujo objetivo é destruir a inércia, a quietude. Estamos no plano da resistência. Na guerra contra uma moral estreita e conformista. A violência dos "droogs", pode ser analisada, como uma introspecção de um simbolismo alinhado a um desejo de viver social, talvez como resposta à não permissão de uma vida voltada para a produção numa sociedade dominada pelo trabalho e pelo isolamento. Como dissemos, não há esse espaço para os jovens entre as idades de 17 a 24 anos. Nesse vasto movimento, o ‘grupo de rejeitados’ é revestido de um novo contexto político. Tornam-se criadores ou reformadores de uma nova estruturação social.

A violência nos remete a um instinto, quase que perceptível, de recusa, resistência, insubmissão. O preso rebela porque se recusa a ter determinado tratamento penitenciário, o povo rebela porque não lhe é prestada a devida assistência, há violência porque é a forma de se externar algum tipo de inconformismo. Falamos de desejo de viver fora dos parâmetros impostos, falamos de resistência ao padrão do comportamento social.

A marginalidade, portanto, acabamos de mostrar, é supostamente anti-social, mas, de fato, trata-se de uma pára-sociedade (Maffesoli) avalista, no final das contas, do bom funcionamento do conjunto social.

Daí trazermos à tona a seguinte conclusão: a "ultra-violência" dos "droogs" é lógica e serve de equilíbrio social. São cúmplices do sistema que lhes oprimem e que eles próprios desejam se libertar. É necessário que alguém faça esse papel para que o sistema continue coeso como está. Certamente, a conclusão não é original, todavia, no contexto do filme é uma constatação assombrosa. Observemos que é o próprio "Ministro da Justiça" quem vai ao encontro de Alex para saber de seu pronto restabelecimento de saúde no hospital depois que esse se joga pela janela. O Ministro (leia-se poder dominante) interessado na recuperação do delinqüente, em especial daquele delinqüente, que havia rompido com o velho tratamento de recuperação e iniciado um novo tratamento.

Ralf Dahrendorf 29 expõe, coadunando com o pensamento lançado, que "as sociedades e as organizações sociais não se mantêm unidas pelo consenso, mas pela coação, não por um acordo universal, mas pelo domínio exercido por alguns sobre outros."

Na seara do indivíduo Alex, os psicanalistas sucessores de Freud dizem que não há essência da sociedade e nem do indivíduo 30. A psicanálise vem se firmando no sentido da sociedade se confundir com a cultura. Isso quer dizer, simplesmente, que a sociedade é uma construção humana, assim como a cultura. Portanto, ela terá todos os aspectos das construções humanas, inclusive alguns elementos complexos: amor, ódio, beleza, ética, etc.. O indivíduo não tem como essência a repressão de si mesmo. Se se pode falar em essência (em Freud) é a presença determinante do inconsciente. E o inconsciente não se confunde com o reprimido, porque o inconsciente é mais. No caso de Alex, a concepção de si e do outro é muito ruim, muito rígida, daí o seu comportamento em tônica individualista até em relação aos seus "droogs".

Não temos competência para nos lançar na psicologia, entretanto é certo que o processo final do novo mecanismo utilizado pelo Estado contra o delinqüente é um processo de "conter o indivíduo", visando o estabelecimento e a manutenção do equilíbrio social como um todo. Observemos, então que se Alex morresse, antes ou depois do tratamento, seria muito pior para o sistema do que com ele vivo, distribuindo violência antes e se mostrando "domesticado" após o tratamento.

A individualidade de Alex - talvez possamos compreender assim – nos revela uma insatisfação com sua própria vida. Procura se satisfazer fugindo, ao máximo, do padrão que lhe é apresentado como correto e que lhe cabe adequar-se, apenas. Não aceita. Foge, luta, se rebeldia, agride a sociedade de todas as formas: faz uso de narcóticos, rouba, estupra, mata. O que quer Alex? Qual o seu objetivo com essa violência? Agredir a sociedade, é verdade, mas, dessa forma, acaba sendo co-réu do sistema. Ele é meio, fim e causa do sistema excludente. Freud 31 nos dá uma visão interessante sobre a violência que podemos ricamente incluir nesse trabalho: "Voltar-nos-emos, portanto, para uma questão menos ambiciosa, a que se refere àquilo que os próprios homens, por seu comportamento, mostram ser o propósito e a intenção de suas vidas. O que pedem eles da vida e o que desejam nela realizar? A resposta mal pode provocar dúvidas. Esforçam-se para obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra "felicidade" só se relaciona a esses últimos. Em conformidade a essa dicotomia de objetivos, a atividade do homem se desenvolve em duas direções, segundo busque realizar – de modo geral ou mesmo exclusivamente – um ou outro desses objetivos. (...) Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas."

A violência de Alex parte da sociedade, ganha reforço individualista pela sua auto-concepção de pessoa na sociedade e, no final das contas, acaba sendo de utilidade para essa mesma sociedade. O círculo se fecha.

Tratamento: domesticação O tratamento consiste em uma lavagem cerebral na qual o delinqüente não consegue cometer os atos a que foi condicionado a não fazer. Tem ânsias e vômitos, sente dores e vertigens. Alex não pode mais roubar, estuprar e nem ouvir a nona sinfonia de Bethoveen. Mesmo que queira. É uma das caricaturas mais expressivas que se tem notícia de submissão: o sistema venceu, redundantemente.

Alex foi adaptado à uma situação que, se não tivesse cometido os atos de ultra-violência, não seria possível a aplicação do novo modo de "reincerção social". Lembremo-nos que o "Ministro da Justiça", em revista ao pátio onde Alex estava preso, julgou-o petulante, violento e anti-social, portanto apto à nova versão de tratamento. Aí está o aspecto utilitário, social, planificado, adaptado da violência individual de Alex.

Não nos passa desapercebido um ciclo de violência: Alex contra a sociedade e a sociedade contra Alex. Assim, podemos concluir certa a nossa afirmação anterior de que a violência é funcional. No caso, há uma identificação dos valores da sociedade contra os atos de Alex e uma renovação (ou inovação) no mecanismo de "domesticação do criminoso". Não estamos ainda discutindo sobre o método ali utilizado, estamos apenas expondo que uma das conseqüências apontadas dos atos de "ultra-violence" praticados por Alex redundaram, queira-se ou não, em uma renovação. O sistema de recuperação de delinqüentes, se modificou por decorrência de Alex. A violência é ambígua: cria e destrói.

Já havíamos externado uma versão para o significado do título do filme. "Orang-e" = "Orang-utan". Isso nos fez remontar a animal e, conseqüentemente, à domesticável. Essa domesticação é a finalização de um longo ciclo. É o que M. Foucault chama "a história da racionalização utilitária da particularidade na contabilidade moral e no controle político". Essa citação cai bem na interpretação do filme porque se refere a uma análise da educação.

Àquele tratamento behaviorista, há uma certa ingenuidade na crendice de ser, o homem, condicionável tal e como os animais. É óbvio que somos passíveis de condicionamentos, mas não se tem notícias científicas sobre a possibilidade da propositura de métodos, ditos em psicologia "condicionamento operante", para o controle comportamental. No livro, com o capítulo vinte e um, o behaviorismo é vitorioso porque Alex se vê reintegrado à sociedade. Ou seja, o tratamento "funcionou". No filme, ocorre justamente o contrário. Há uma crítica ao condicionamento, no caso, inoperante...

Observamos semelhanças, no aspecto, com o clássico "Admirável Mundo Novo", de Adous Huxley. Todavia, a determinação da existência há a posteriori, no caso da "Laranja". Conclusão É evidente a dificuldade em se reduzir a violência à uma estrutura utilitarista. Nem o tentamos. Sempre tivemos olhos postos no filme. Adverte-se porque é clara a inaceitabilidade da incompreensível, excessiva e sem finalidade, violência gratuita. É, por isso mesmo, inquietante. Mas é fácil perceber que a violência acaba sempre por reforçar valores e / ou iniciar uma nova ordem, seja essa ordem de que esfera for: política, artística, literária, filosófica ou, como no caso, correcional.

Aqui não se defendeu a violência. O estudo é analítico, tão somente. É claro que não somos "indiferentes" à violência, compreendida essa indiferença no seu sentido de defesa social, onde "relegitimadora do exercício de poder do sistema penal" (para usarmos as palavras de Zaffaroni 32), mas é lógico que busquemos "racionaliza-la" a fim de atrelar o filme à vida real. É bem isto que se procurou no trabalho: apreciar a violência nos limites do contexto proposto.

A própria "relegitimação" é simplista: nosso tempo é subversivo e o poder deve controlar, organizar, dividir em seqüências controláveis os agentes da violência. O problema é limitar os contornos desse lema. Lembremos Maquiavel quando ressalta os fins e não se importa muito com os meios... É dizer: "Isso irá diminuir a violência no futuro", então a sociedade responde: "Ah, tudo bem; é para a alegria dos nossos filhos". Todavia, essa ordem estabelecida traz ínsita a transferência para um futuro (próximo ou não) a segurança da sociedade. Tira-se hoje para se ter no amanhã. Limita-se hoje para ser abundante amanhã. Há uma transferência do próprio prazer para "o amanhã". Só há um problema aqui: essa "subversão" da sociedade sempre existiu! Não importa a época. Imaginemos: Na época de Cristo. Na Idade Média. No período da guerra fria. Enfim... A realidade da sociedade é sempre um mister entre a fantasia e a objetividade em se alcançar a paz num futuro indeterminado. É uma "realidade" que propugna por estruturas sociais dominadas, controladas e crê num futuro de paz. Sem essas violências ou atrocidades, não haveria porque abrir mão de direitos para o Estado.

Ao buscarmos a paz estaríamos lidando com uma utopia, então? O modo de ver utópico nos revela, conceitualmente, de que há uma "boa causa" a ser alcançada e que devemos trabalhar para alcançá-la. No filme, a visão é pessimista. O futuro, cujo niilismo se expande com a violência gratuita, é pior do que o presente. Há uma irresignação impotente, fatalítica, cataclísmica. É uma posição, à toda prova, pessimista. Há, pois uma contradição entre a idéia "utópica" de uma "boa causa" e a idéia do filme "pessimista" quanto ao futuro. Estamos, pois em uma bifurcação: utópicos ou pessimistas?

Nós não perfilamos o pessimismo, já nos adiantamos. Permitimo-nos procurar soluções para a violência. Dir-se-á, quem sabe os apocalípticos, que o homem é naturalmente mal, avesso à paz e irracional. Não discordamos, mas temos a convicção de que o homem, mesmo hoje chamado de irracional, um dia, tornar-se-á racional, conhecerá o caminho da paz e procurará o bem. Ademais, uma provocação: chamar o homem de irracional não é um sinal de que não somos tão rígidos assim? Esse discurso não é um discurso natimorto? Eis: somos positivistas, não utópicos.

De qualquer forma, acreditamos que o caminho para a paz vai de encontro com o que afirma Marshall B. Clinard 33: "Studies of such delinquent groups in middle-class communities, suburban areas, and cities and rural areas of various sizes and types are needed. With this information, sociologists could move far beyond mere generalities to specific knowledge of the effect of gangs on members. Undoubtedly it will be found tha gang can be typed according to differences in structure and function. Moreover, more detailed research on gangs may help us to integrate some psychiatric thinking with sociology. For example, gang that commit particularly violent and brutal offenses may have a member with a disturbed our sadistic personality who, because of his positions of leadership, exercises undue influence on other members of the gang, causing them to become involved in offenses which they not ordinary commit."

O "inimigo", hoje, é mais complexo do que se imagina, mas, nem por isso, invencível. Sabe-se de uma multiplicidade de opressões, de resistências, de agentes e, mesmo assim, quando se descobre um fator que gera a violência por detrás desse fator há outros inúmeros fatores e assim sucessivamente. E o que está por trás acaba por estar também à frente, acaba por ser um fator desencadeante de violência.

Tomemos, pois, o filme, como uma metáfora da vida que passa freneticamente exigindo-nos conhecer algo ignorado, mas sejamos conscientes, pois esse ‘dique’ da ignorância é insuficiente para reter o sonho de um novo futuro.

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26. FREUD, Sigmund. O Mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

27. DAHRENDORF, Ralf. Out of Utopia: toward a reconstruction of sociological Analysis, in "The American Journal of Sociology", LXIV.

28. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 14a. ed., 1999.

terça-feira, 27 de março de 2012

Workclock Society. Poucas vezes vi um filme que me tenha dito tanto como Laranja Mecànica. Inclassificável....Um horrorshow pós-moderno. Dois dedos nos olhos...





Poderia encerrar aqui o blog e já havia dito tudo... Voltarei a este filme milhares de vezes, ainda que em silêncio, porque para um obra de arte como esta a garganta entala. Compreendi assustadoramente todas as palavras de Stanley Kubrick? 














RESENHA: No futuro, Alex (Malcolm McDowell), líder de uma gangue de delinquentes que matam, roubam e estupram, cai nas mãos da polícia. Preso, ele é usado em experimento destinado a refrear os impulsos destrutivos, mas acaba se tornando impotente para lidar com a violência que o cerca.