sábado, 28 de abril de 2012

Pelo fim imediado do foro privilegiado. O foro especial é a racionalização da impunidade (Joaquim Barbosa)


fonte da imagem http://blog-amantesdodireito.blogspot.com.br/








Em 2007 o Dep. Ronaldo Cunha Lima renunciou ao mandato para fugir do julgamento no Supremo Tribunal Federal pela tentativa de homicídio do ex-governador Tarcísio Burity. Ficou impune até hoje.


Depois de 14 anos, quando chegado o momento de se julgar o Deputado Ronaldo Cunha Lima, bastou que houvesse uma renúncia para que o processo retorne à “estaca zero”. 

O Min. Joaquim Barbosa demonstrou repulsa à manobra do parlamentar. Cunha Lima estava sendo processado no STF por um crime que, absolutamente, não possui qualquer relação com a sua função pública. Isto é, de fato, um privilégio.


A cada dia, nossas instituições são abaladas pelo (mal) uso do instituto do foro por prerrogativa de função. Agentes públicos deveriam temer o julgamento nos tribunais, porque encurtam as possibilidades recursais e, em tese, também diminuem o tempo de duração dos processos. Tecnicamente, sim.

Na realidade, efetivamente, o número de agentes que possuem foro especial aumenta  nos Estados. Será por causa da certeza de  impunidade?

As chances de Cunha Lima cumprir alguma pena são remotas.


Noutro caso  (10 de outubro de 2007), o plenário do Supremo Tribunal Federal anulou o indiciamento dos senadores Aloizio Mercadante (PT-SP) e Magno Malta (PR-ES), sob o argumento de que a autoridade policial não pode indiciar agentes que possuem foro por prerregativa de função. Na situação, acertou-se entender que somente cabe ao Supremo Tribunal Federal autorizar a abertura do procedimento investigatório contra quem possui foro (Inq. n. 2411, Rel. Min. Gilmar Mendes, 10.10.2007).


Tecnicamente, a decisão  está adequada ao sistema constitucional, que assegura subordinação de determinadas autoridades a foros especiais. Em linhas práticas, sabemos que  nenhum tribunal no Brasil possui estrutura adequada para a tramitação das investigações e ações penais contra aqueles que possuem foro por prerrogativa. 

O mal em si está na existência de tribunais de exceção constitucionalizados,   desequilibrando o tratamento penal igualitário.


Somente em Estados autoritários espera-se  existir um sistema tão amplo   de proteção às pessoas que ocupam funções do Estado. 

O foro por prerrogativa é sim um privilégio.


Em julho de 2007, Minas Gerais promoveu um “arrastão” na competência penal ao conceder foro especial a 1,3 mil autoridades estaduais e municipais... Não sei no que deu o arrastão.... 

Se temos um um processo penal garantista, não há razão para se temer que certas pessoas sejam julgadas por juízes "inferiores". 

Será  que os magistrados dos tribunais são mais independentes e que um juiz inferior?


Um Estado que de fato possua um processo penal garantista deve confiar, pelos critérios de competência, que todos estejam sujeitos à mesma autoridade. E isso o foro por prerrogativa não assegura, enquanto  exprime o retrato da sociedade discriminatória.

A Constituição institucionaliza que algumas pessoas tenham acesso a uma justiça diferenciada. Será que o Estado não estaria sendo mais protegido se todos fossem submetidos à mesma autoridade judicial e os tribunais exercessem apenas a função recursal?


A doutrina já discute propostas para a modificação das regras dos foros especiais. Ao lado dos que defendem a abolição completa do foro, existem as correntes intermediárias, que em linhas gerais propõem a diminuição das autoridades beneficiadas. Para alguns, apenas os agentes previstos na Constituição Federal deveriam ser beneficiados com os foros especiais. Seja como for, é preciso impor controle, caso contrário logo logo os tribunais deixarão de ter como principal função a de apreciar recurso.

terça-feira, 24 de abril de 2012

A Juíza Hadja Rayanne Holanda de Alencar, Presidente da AMARN, estará participando da 56ª Edição da Quinta Jurídica com o Tema "A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO".



Seguem abaixo informações sobre o referido evento.
 
 

INFORMATIVO QUINTA JURÍDICA

A Escola da Magistratura Federal da 5ª Região/Núcleo Seccional do RN (ESMAFE/RN) convida a todos a participarem da 56ª Edição da Quinta Jurídica a ser realizada em 26 de abril de 2012, a partir das 19 horas. As inscrições para o evento deverão ser realizadas apenas no link Quinta Jurídica do site: www.jfrn.jus.br.

INSCREVA-SE E GARANTA A SUA VAGA!
(Aos servidores da JFRN o evento é automaticamente cadastrado para inclusão no Adicional de Qualificação após a confirmação da presença)

TEMA: A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO: reflexões
DATA: 26 de abril de 2012
HORÁRIO: 19 h às 22h
LOCAL: Auditório Ministro José Delgado (Justiça Federal RN)
INSCRIÇÕES: a partir de 23 de abril de 2012.

PALESTRANTES:

WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR
Juiz Federal
Ex Conselheiro do CNJ

HADJA RAYANNE DE HOLANDA ALENCAR
Juíza de Direito
Presidente da AMARN

PAULO EDUARDO PINHEIRO TEIXEIRA
Advogado
Presidente da OAB/RN

Pesar pela morte de um dos maiores pesquisadores da violência no País

A morte do Antropólogo Gilberto Velho deixou o estudo do comportamento desviante de luto. 


Pioneiro  da antropologia urbana, foi a partir de VELHO que o estudo da violência ganha um reforço antropológico que permitiu  entender como e por que este País divide tão mal a sua violência.


No projeto Lições de Cidadania da UFRN, trabalhei com o livro  “Desvio e Divergência: uma crítica da patologia social” (4ª. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981), que foi organizado por Velho.


Este livro  já é um clássico na literatura sociológica nacional. 


Vou disponibilizar aqui o capítulo  "O Estudo do Comportamento Desviante" escrito por ele.


Segue aqui o link para a cópia do texto:
https://docs.google.com/fileview?id=0BzuqhK8lpohIODZlMGFhN2EtNWU2NS00NGM0LWE3ZDUtNDE0MzlkNDBmNWU2&hl=pt_BR


Boa leitura deste  clássico!

domingo, 22 de abril de 2012

STJ: Não é crime portar arma danificada. Não é crime portar munição que não pode ser utilizada


 20/04/2012 - 18:45 64 views - comente agora


LUIZ FLÁVIO GOMES (@professorLFG)⃰

EMENTA: Sexta Turma – PORTE. ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. MUNIÇÃO INCOMPATÍVEL.



In casu, o paciente foi flagrado em via pública com uma pistola calibre 380 com numeração raspada e um cartucho com nove munições, calibre 9 mm, de uso restrito. Em primeiro grau, foi absolvido do porte de arma, tendo em vista a falta de potencialidade lesiva do instrumento, constatada por meio de perícia. Entendeu, ainda, o magistrado que não se justificaria a condenação pelo porte de munição, já que os projéteis não poderiam ser utilizados. O tribunal a quo deu provimento ao apelo ministerial ao entender que se consubstanciavam delitos de perigo abstrato e condenou o paciente, por ambos os delitos, a quatro anos e seis meses de reclusão no regime fechado e vinte dias-multa.



A Turma, ao prosseguir o julgamento, após o voto-vista do Min. Sebastião Reis Júnior, denegando a ordem de habeas corpus, no que foi acompanhado pelo Min. Vasco Della Giustina, e o voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura, acompanhando o voto do Min. Relator, verificou-se o empate na votação. Prevalecendo a situação mais favorável ao acusado, concedeu-se a ordem de habeas corpus nos termos do voto Min. Relator, condutor da tese vencedora, cujo entendimento firmado no âmbito da Sexta Turma, a partir do julgamento do AgRg no REsp 998.993-RS, é que, “tratando-se de crime de porte de arma de fogo, faz-se necessária a comprovação da potencialidade do instrumento, já que o princípio da ofensividade em direito penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma, não bastando a simples indicação de perigo abstrato.” Quanto ao porte de munição de uso restrito, apesar de tais munições terem sido aprovadas no teste de eficiência, não ofereceram perigo concreto de lesão, já que a arma de fogo apreendida, além de ineficiente, era de calibre distinto. O Min. Relator ressaltou que, se a Sexta Turma tem proclamado que é atípica a conduta de quem porta arma de fogo desmuniciada, quanto mais a de quem leva consigo munição sem arma adequada ao alcance. Aliás, não se mostraria sequer razoável absolver o paciente do crime de porte ilegal de arma de fogo ao fundamento de que o instrumento é ineficiente para disparos e condená-lo, de outro lado, pelo porte da munição. Precedente citado: AgRg no REsp 998.993-RS, DJe 8/6/2009. HC 118.773-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/2/2012.

SÍNTESE: A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, após empate na votação, que o crime de porte de arma de fogo desmuniciada bem como o de munição são crimes de perigo concreto (exigem potencialidade ofensiva concreta). O paciente tinha sido absolvido em primeiro grau, porém, em nível recursal sobreveio condenação porque o juízo ad quem (tribunal) entendeu tratar-se de crimes de perigo abstrato. Contudo, a decisão foi modificada (pelo STJ). Por se tratar de perigo concreto (potencialidade concreta), é indispensável que haja a perícia na arma e na munição para aferir a potencialidade lesiva delas. A munição, ademais, tem que ter capacidade de uso. Tendo sido afastado da arma de fogo o poder ofensivo, restava saber a capacidade lesiva da munição de uso restrito. No entanto, havia total incompatibilidade para o possível uso entre a arma de fogo e a munição apreendida. Nesta linha foi concedida a ordem no HC apreciado (em razão de empate na votação). Acertada a decisão ora comentada, que segue a mesma linha do precedente RHC 81.057-SP e soube distinguir a capacidade lesiva da arma com sua capacidade intimidativa. ASSINANTES da livroenet.com.br: vejam na íntegra todos os nossos argumentos e comentários sobre o tema.

*LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes e co-diretor da LivroeNet. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Siga-me no facebook.com/professorLFG, noblogdolfg.com.br, no twitter: @professorLFG e no YouTube.com/professorLFG.

sábado, 21 de abril de 2012

Racismo no STF. Meu diálogo com Marcos e Odinei e Lobo



Travei um diálogo no TWITTER com Marcos e Odinei. Patrício Lobo também acompanhou alguns momentos.
Vaou transcrever a conversa sobre o racismo e a sua percepção por brancos. Segui a linha de incompletude humana para percebecao dos sentimentos alheios. Cheguei a admitir a piedade como sentimento humano elevado, mas isso nao impede e historicamente nao impediu o homem de impor o dominio sádico sobre o outro. Minha linha de pensamento é que usamos recursos linguisticos para dizer que "amamos" o outro, enquanto mesmo queremos "dominá-lo", tratá-lo como estranho passível de reforma.

Fabio Ataide ‏ @uinverso 

  • Se nao há racismo no SFT, porque só temos um negro lá? Há racismo em algum lugar
Marcos Freitas Jr ‏ @FreitasJrMarcos 

  • @uinverso Mas eu acho q o negro que há no STF não teve nenhum direito ou prerrogativa inerente ao cargo cerceado ou restringido...
  • @uinverso Exerce o cargo em sua plenitude, da mesma forma que os brancos que estão lá...
Fabio Ataide ‏ @uinverso 

  • @FreitasJrMarcos as prerrogativas são iguais para os brancos e negros mas só estes podem dizer se há racismo no STF.
Marcos Freitas Jr ‏ @FreitasJrMarcos 

  • @uinverso A pessoa eh moralmente inidonea a dizer isso so por ser branca? Por que? Acho q aih o branco acaba sendo vitima de preconceito...
Fabio Ataide ‏ @uinverso 

  • @FreitasJrMarcos Nao cabe aos brancos esta prerrogativa de dizer q nao há #racismonoSTF
Marcos Freitas Jr ‏ @FreitasJrMarcos 

  • @uinverso eh verdade, mas acho q isso nao impede um branco de identificar se um negro esta sendo atacado EM RAZAO da cor de sua pele
Fabio Ataide ‏ @uinverso    · 

  • @FreitasJrMarcos nenhum branco tem noção do q eh ser degradado como negro,
 Marcos Freitas Jr ‏ @FreitasJrMarcos 

  • @uinverso tanto eh q juizes brancos julgam casos de racismo, sem precisar se declarar impedidos ou suspeitos so por serem brancos...
 Fabio Ataide ‏ @uinverso  

  • @FreitasJrMarcos nenhum branco tem noção do q eh ser degradado como negro,
  • @FreitasJrMarcos branco só conhece racismo para branco. eh muito diferente este daquele racismo dos negros. conotações políticas diferentes
  • @FreitasJrMarcos Dizer que nao racismo no STF eh o mesmo q dizer q nao ha racismo na sociedade ou q juizes sao deuses fora da vida
  • @FreitasJrMarcos O branco pode faze-lo [julgar casos de racismo], mas o faz segundo a sua propria subjetividade. Numa perspectiva objetiva.
  • @FreitasJrMarcos O racismo no Brasil é mais complexo. Vai alem do que está aparente... So os negros o percebem.
  • @FreitasJrMarcos Juizes brancos nao sao suspeitos para julgar casos de racismo como mulheres nao o sao para violencia domestica
  • @FreitasJrMarcos tenho competencia para julgar racismo em natal e em 2011 nao houve nenhum caso. sera q nao ha racismo em Natal? Ha sim.
  • @FreitasJrMarcos Juizes julgam casos de racismo sob uma otica objetiva. Acreditam num conceito de q aqui nao ha racismo.
  • @FreitasJrMarcos Mas isso nao quer dizer q somos preconceituosos ao julgar casos de racismo ou de violencia domestica. estamos no mundo
 @odineidraeger 
  • ·         @uinverso se não há preconceito porque não temos nenhum teuto-brasileiro?
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos eu não posso ter uma opinião válida sobre o assunto? Isso é absurdo!
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos como assim?só negros podem dizer se há ou não racismo? Isso é estranho..
Fabio Ataide ‏ @uinverso 
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos A nossa opiniao sobre o assunto sempre será incompleta
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Se ha um negro dizendo q ha racismo no STF, provavelmente ha, ainda q numa dimensao pessoal, intima.
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Ha dimensoes para o racismo e o branco nunca conhecerá a que toca a identidade pessoal - a esfera do EU
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Um branco pode dizer o que é racismo, mas isto ele o faz objetivamente, sem conhecimento de causa
  • @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos então vc deve concordar que nem só os negros podem dizer se há racismo, não é?
Fabio Ataide ‏
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Sim. Mas o racismo como experiencia somente pertence a eles
  •  
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos se essas dimensões não são perceptíveis por qualquer um então não precisamos ficar cogitando delas
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos então eu digo que há preconceito contra descendentes de alemães, e você não pode questionar, pela sua posição
lobo ‏ @patriciolobo 
  • ·         @uinverso @odineidraeger @freitasjrmarcos muito cuidado tb c vitimizações...
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos nossa opinião sobre tudo será sempre incompleta, mas a realidade está aberta para investigação de todos
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos discordo, os sentimentos e concepções que temos são comuns, é possível compreender o sofrimento alheio
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos nossa opinião sobre tudo será sempre incompleta, mas a realidade está aberta para investigação de todos
Fabio Ataide ‏ @uinverso 
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Perceber o sentimento alheio é uma qualidade do homem mas mesmo assim sabemos impor o sofrimento sádico puro
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger  
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos justamente, e isso não significa que podemos nos colocar no lugar do outro?
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos não existe nenhuma experiência humana que seja tão particular que impeça sua compreensão por outra pessoa
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos veja, se alguém bate em outro por causa da cor, eu sei o que é cor, sei o que é apanhar, então posso entender
Fabio Ataide ‏ @uinverso
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Perceber o sentimento alheio é uma qualidade do homem mas mesmo assim sabemos impor o sofrimento sádico puro
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos quem impõe sofrimento sabe o que fazer porque temos uma experiência comum da realidade
  • @uinverso @freitasjrmarcos justamente, e isso não significa que podemos nos colocar no lugar do outro?
  • @uinverso @freitasjrmarcos não existe nenhuma experiência humana que seja tão particular que impeça sua compreensão por outra pessoa

Fabio Ataide ‏ @uinverso 
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos O que é a piedade se nao o sentimento para com o outro. Tudo isso está em crise; leva ao EU inabitavel
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos É isso o que estou fazendo agora. Qd Peluso nega o racismo do outro ele o faz ignorando esta dimensao.
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos quem impõe sofrimento sabe o que fazer porque temos uma experiência comum da realidade
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos justamente, e isso não significa que podemos nos colocar no lugar do outro?
Fabio Ataide ‏ @uinverso
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos O que é a piedade se nao o sentimento para com o outro. Tudo isso está em crise; leva ao EU inabitavel
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos É isso o que estou fazendo agora. Qd Peluso nega o racismo do outro ele o faz ignorando esta dimensao.
Odinei Draeger ‏ @odineidraeger 
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos e você faz isso porque não é preciso ser negro para ver o racismo quando ele acontece.
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos quem impõe sofrimento sabe o que fazer porque temos uma experiência comum da realidade
Fabio Ataide ‏ @uinverso 
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos O juiz nao julga o outro; ele impoe-se ao outro
  • ·         @odineidraeger @freitasjrmarcos Isso nao impede de dizer q o julgamento q faco sempre sera incompleto. O julgar do outro sempre é incompleto
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos e você faz isso porque não é preciso ser negro para ver o racismo quando ele acontece.
  • ·         @uinverso @freitasjrmarcos quem impõe sofrimento sabe o que fazer porque temos uma experiência comum da realidade




Continuando a comentar o discurso de Mello. Dos tempos do pau de arara à arara no pau


Ontem, enquanto tomava água de coco, engatei com o dono da banca uma conversa sobre o Brasil-Crise. O vendedor me falou de que nao sabe o que é pior: se a ditadura dos militares ou a dos civis... Continuei ouvindo. Era pior o sangue derramado pelos militares ou dinheiro “roubado” pela ditadura dos civis na corrupcao de hoje? Refleti... Ele me finaliza dizendo: "Não  entendo porque juízes  julgam que um quilo de chumbo é mais pesado do que um quilo de algodão".
Tem razão o nosso vendedor. Talvez tenha percebido as contradições de um País cujo futuro se chama Rei Sebastiao. Saímos da era do pau de arara para a da arara no pau. O que isso significa? Significa que nos tempos de pau de arara, as araras sofreram amargamente com a violência politica, indevidamente controlada por uma inércia Judiciário que beirou a cegueira.
O discurso de Mello faz um convite a novas lentes, ao ativismo, ao reconhecimento da arara. Não é que a arara mudará pelas mãos do judiciário. Não, caro ouvinte. É que a arara mudou; está no e com o pau. Os movimentos sociais foram elevados à condição de sujeitos coletivos de direitos, direitos que surgiram de uma fonte não formal. Um direito que não nasceu no ou pelo Judiciário, mas fruto de sua inércia. A arara e seus novos direitos encontram justificativas agora para elas mesmas caírem no pau. 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

íntegra do discurso do ministro Ayres Britto


Solenidade de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (19).
Íntegra do discurso de posse do ministro Ayres Britto.

FONTE JUSBRASIL

Direito Penal do Autor inverso. Comentários criminológicos ao discurso de Celso de Mello



Primeiramente, diante da constatação de um Estado omisso, o Min. Celso de Mello dá ênfase para um novo agir no Judiciário. Portanto, chama-se atenção para um ativismo judicial defensor da Constituição em busca de um Estado de Direito das Necessidades Constitucionais.
Depois, destaco que o discurso de saudação convoca para uma restauração do princípio da moralidade, de modo que talvez estejamos entrando numa nova perspectiva judiciária, ou seja, numa perspectiva que talvez cobre um ativismo moralizante. Devemos esperar para saber. Por isso, disse o Ministro que “o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores honestos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública” , ou seja, “o direito ao governo honesto” como  “prerrogativa insuprimível da cidadania”.
Neste discurso de saudação, o Min. Celso de Mello abre um convite para uma Corte inteiramente nova. De fato, o Supremo Tribunal já algum tem seguido a tendência para uma nova postura, não apenas limitada ao controle do “agir estatal” mas ainda preocupada com o “não agir”.
Agir e não agir tem significados especiais para o controle penal.
A nós, que nos ocupamos com o controle penal, o discurso de saudação traz uma notícia para a refundação de uma postura que reconheça a inércia dos sistemas de controle e principalmente do Supremo Tribunal Federal para as práticas de transgressões públicas. A moralidade entra em cena e, sem dúvida, que venha para justificar a mudança de tanto descontrole penal.
Na perspectiva do não agir penal,  o STF tem contribuído para impedir o desenvolvimento um Estado Penal seletivo, principalmente no tocante a um punitivismo que apenas puna marginais sociais.
Marginais sociais é a palavra. Como no Brasil o Estado Penal Social entra em crise tardiamente, tivemos alguma vantagem em relação à política criminal que se desenvolve nos Estados Unidos desde a década de 1970. Isso significa que teremos como corrigir nossos erros futuros a tomar como referência o que está acontecendo nos EUA.
Este é o desafio, mas não é o único. O maior desafio estar em superar a absurda inércia para com o descontrole da corrupção pública nas inúmeras instâncias estatais. O avanço na política penal garantista não pode vir para assegurar um descontrole do “agir punitivo” protetivo das classes superiores.
Continuamos tendo um Direito Penal do Autor inverso. Inverso porque é inerte quanto à punição de pessoas com  status "superior".
Devemos seguir para refundar um Estado penal mínimo mas que não seja por isso protecionista dos status sociais. Estou falando da espécie de um Não-Direito Penal do Autor,  justificador de um não-agir punitivo simplesmente por razões de quem é o autor, não importando o que ele fez. Isso somente acontece em países sem democracias amadurecidas. O Brasil é o exemplo. É chegado o momento de discutir a abolição deste sistema protecionista “republicano” e histórico.  Eis o verdadeiro desafio.

Íntegra do discurso de saudação daquele que chegou trazendo esperança para o Judiciário

"Coube-me a honra de saudar o eminente Ministro Carlos Ayres Britto nesta solenidade de sua posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal. O eminente Ministro AYRES BRITTO é o quinto sergipano a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, havendo sido precedido, nesta Corte, pelos ilustres juristas Pedro Antonio de Oliveira Ribeiro, José Luiz Coelho e Campos, Heitor de Sousa e Annibal Freire da Fonseca, todos eles nascidos na então Província de Sergipe.
Vale destacar, no entanto, que o eminente Ministro Carlos Ayres Britto é o primeiro dos Sergipanos a ascender ao elevado cargo de Presidente desta Corte Suprema e, também, à Presidência do Conselho Nacional de Justiça, tornando-se, na história deste Tribunal, o 43º Presidente, desde a República, e o 54º Presidente da Corte, desde o Império.
O Ministro Ayres Britto, que nasceu na cidade de Propriá, formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe (Turma de 1966), dedicando-se, desde 1973, ao magistério de nível superior, havendo exercido a cátedra como professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Teoria do Estado e de Ética Geral e Profissional em diversas instituições universitárias de Aracaju. Atuou, também, como professor assistente na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde concluiu os Cursos de Mestrado em Direito do Estado, com a dissertação "A Discricionariedade Administrativa perante a Constituição", e de Doutorado em Direito Constitucional, com a tese "O Regime Jurídico das Emendas à Constituição", havendo publicado, ao longo de sua intensa vida profissional, importantes obras jurídicas, de que destaco, dentre inúmeros outros trabalhos jurídicos, pela relevância que assumem no campo da Ciência do Direito, a "Interpretação e Aplicabilidade das Normas Constitucionais" (em co-autoria com o saudoso Professor Celso Ribeiro Bastos), livro que tantas vezes eu próprio utilizei como Promotor de Justiça em São Paulo, além de sua "Teoria da Constituição", obra de consulta indispensável a todos aqueles que militam no campo do Direito Público.
Inscreve-se, na rica trajetória profissional do eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, o exercício de relevantes cargos públicos tanto em âmbito nacional, como o de membro e Presidente do E. Tribunal Superior Eleitoral, oportunidade em que presidiu as eleições municipais de 2008, quanto no plano local, havendo desempenhado, no Estado de Sergipe, os importantes cargos de Consultor-Geral do Estado, de Procurador-Geral de Justiça, Chefe do Ministério Público sergipano, de Procurador do Tribunal de Contas e de Chefe do Departamento Jurídico do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Estado.
O Ministro Carlos Ayres Britto, que é membro da Academia Sergipana de Letras e que ocupa, desde 2007, a Cadeira nº 17 na Academia Brasileira de Letras Jurídicas, foi Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil durante diversos períodos, tendo sido integrante de vários órgãos e Instituições voltados ao estudo e pesquisa na área de Direito Público, sendo digno de nota o registro de sua participação no Instituto Sergipano de Estudos da Constituição, na Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas e no Instituto Brasileiro de Direito Administrativo.
O Ministro Ayres Britto coroou a sua brilhante carreira jurídica, ao longo da qual se destacara como eminente publicista, construindo, já então, sólida reputação acadêmica, com a sua escolha e investidura, em 25/06/2003, no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, para o qual fora nomeado, por Decreto do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 05/06/2003.
É importante reconhecer, eminente Ministro Ayres Britto, a significativa participação de Vossa Excelência na construção, por esta Suprema Corte, de uma expressiva jurisprudência das liberdades, que resultou de julgamentos emblemáticos, todos eles impregnados da marca inconfundível de seu talento e de sua sabedoria, nos quais o Supremo Tribunal Federal resolveu questões revestidas da maior transcendência social, política e jurídica, neles assegurando, em favor dos cidadãos e em defesa dos bons costumes político-administrativos desta República, os valores da igualdade, da afetividade, da liberdade, da ancestralidade dos povos indígenas, da própria vida, da busca da felicidade e da moralidade das práticas administrativas, proferindo, então, sempre sob a relatoria de Vossa Excelência, memoráveis decisões para sempre incorporadas aos anais e à história deste Alto Tribunal, como aquela, constantemente por todos rememorada, que, ao versar o tema da liberdade de pesquisa em torno de células-tronco embrionárias, permitiu que esta Suprema Corte discutisse o alcance e o sentido da vida e da morte, revelando que o Direito, em nosso País, estruturado sob a égide de um Estado laico, secular e democrático, é capaz de conferir dignidade às experiências da vida e aos mistérios insondáveis da morte.
Na realidade, eminente Ministro Ayres Britto, as presentes e futuras gerações de brasileiros poderão contemplar as virtudes da República nos julgamentos históricos do Supremo Tribunal Federal, de que Vossa Excelência, como Relator, foi partícipe decisivo, na medida em que lançou sólidos e consistentes fundamentos que permitiram, a esta Corte Suprema, afirmar os grandes princípios inerentes ao significado da Constituição, à observância da ética republicana e ao respeito à democracia constitucional.
É por isso, Senhor Presidente, que os julgamentos do Supremo Tribunal Federal que liberaram a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisas científicas (ADI 3.510/DF), que reconheceram a qualificação constitucional das uniões homoafetivas como uniões estáveis (ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ), que vedaram a prática do nepotismo (ADPF 12/DF), que asseguraram o primado da liberdade de manifestação do pensamento, com a rejeição da Lei de Imprensa editada durante o regime militar (ADPF 130/DF), que afastaram a norma legal que proibia o uso do humor como instrumento de propaganda eleitoral (ADI 4.451/DF) e que regularam, em sentença de perfil tipicamente aditivo, os requisitos legitimadores do processo de demarcação de terras indígenas (Pet 3.388/RR), todos eles relatados por Vossa Excelência, refletem legado dos mais preciosos que esta Corte Suprema transmite ao Brasil.
A referência a tais julgamentos, de relevantíssimas conseqüências para a vida desta República e a de seus cidadãos, constituiria, só por si, a razão de toda uma vida inteiramente dedicada à causa do Direito e da Justiça, o que nos permite reconhecer o nosso enorme privilégio de partilhar, com o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, o exercício da jurisdição neste Supremo Tribunal Federal e de vê-lo, agora, ascender à condição de Presidente da mais alta Corte do Brasil.
As valiosas lições que nos transmitem os luminosos votos do eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, proferidos nos grandes julgamentos que venho de mencionar, representam verdadeiros marcos fundamentais da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal neste novo milênio, estimulando-nos reflexões em torno de aspectos centrais que compõem a agenda desta Corte Suprema (e, também, a deste País), tais como a soberania da Constituição da República e o papel deste Tribunal na preservação da integridade da nossa Lei Fundamental, o respeito às liberdades essenciais dos cidadãos pelas instâncias de poder e o exercício honesto, pelas autoridades da República, das funções e poderes que lhes são atribuídos, em atuação que revele estrita conformidade com a exigência de probidade e de transparência, observado, sempre, o dogma de que a democracia constitucional traduz um regime do poder visível que só se legitima, como adverte NORBERTO BOBBIO, quando as práticas governamentais ajustam-se a "um modelo ideal do governo público em público".
Por isso mesmo, Senhor Presidente, é que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério, que há de ser dessacralizado em respeito ao postulado constitucional da publicidade dos atos estatais.
É importante enfatizar, bem por isso, Senhor Presidente, em virtude da elevada missão de que se acha investido o Supremo Tribunal Federal, que os desvios jurídico-constitucionais eventualmente praticados por qualquer instância de poder – mesmo quando surgidos no contexto de processos políticos – não se mostram imunes à fiscalização judicial desta Suprema Corte, como se a autoridade e a força normativa da Constituição e das leis da República pudessem, absurdamente, ser neutralizadas por meros juízos 8de conveniência ou de oportunidade, não importando o grau hierárquico do agente público ou a fonte institucional de que tenha emanado o ato transgressor de comandos estabelecidos na própria Lei Fundamental do Estado, como aqueles que asseguram direitos e garantias ou que impõem limites intransponíveis ao exercício do poder.
O que se mostra imperioso proclamar, Senhor Presidente, é que nenhum Poder da República tem legitimidade para desrespeitar a Constituição ou para ferir direitos públicos e privados de quaisquer pessoas, eis que, na fórmula política do regime democrático, nenhum dos Poderes da República é imune ao império das leis e à força hierárquica da Constituição.
Não se desconhece, Senhor Presidente, que a autoridade da Constituição Federal muitas vezes é transgredida por omissões dos Poderes da República, que se abstêm, sem causa legítima, de editar atos exigidos por nossa Carta Política, o que vem a frustrar o exercício, pelos cidadãos, de direitos e garantias fundamentais que lhes foram atribuídos pelo ordenamento constitucional.
Coloca-se, nesse ponto, a grave questão – de que esta Suprema Corte tem inteira percepção – pertinente ao inaceitável desprezo pela Constituição decorrente de comportamentos estatais omissivos que, para além de seu absoluto desvalor jurídico, ferem, por inércia, a autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado e vulneram a própria noção de sentimento constitucional que representa, na sempre lembrada lição do saudoso Professor RAUL MACHADO HORTA, o reconhecimento de que a adesão à Constituição espraia-se na alma coletiva da Nação, gerando, em razão do acatamento popular, formas difusas de obediência constitucional.
Quando se registram omissões inconstitucionais do Estado, sempre tão ilegítimas quão profundamente lesivas a direitos e liberdades fundamentais das pessoas, das instituições e da própria coletividade, torna-se justificável a intervenção do Judiciário, notadamente a desta Corte Suprema, para suprir incompreensíveis situações de inércia reveladas pelas instâncias de poder em que se pluraliza o aparelho estatal brasileiro.
Nem se alegue, em tal situação, a ocorrência de ativismo judicial por parte do Supremo Tribunal Federal, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de que resulta uma positiva construção jurisprudencial ensejadora da possibilidade de exercício de direitos proclamados pela própria Carta Política, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes vulnerada e desrespeitada por inadmissível omissão dos poderes públicos.

Em uma palavra, Senhor Presidente: práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.
Há a considerar, ainda, Senhor Presidente, no contexto das grandes questões permanentemente submetidas ao exame desta Suprema Corte, matéria de inegável relevo e que se projeta, cada vez com maior intensidade, como um dos tópicos sensíveis da agenda nacional.
Refiro-me ao tema da necessária submissão, por parte de todos os agentes estatais situados na esfera orgânica dos Três Poderes da República, ao princípio da moralidade, que representa
valor constitucional impregnado de substrato ético e erigido à condição de vetor fundamental no processo de poder, regendo a atuação de quaisquer autoridades e servidores da República e deslegitimando, por inválidas, práticas que transgridam os deveres funcionais de probidade e de impessoalidade no desempenho dos cargos públicos, não importando se posicionados no Judiciário, no Executivo ou no Legislativo.
Por esse motivo, Senhor Presidente, é que se mostra importante afirmar, sempre, que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores honestos e por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da atividade pública. O direito ao governo honesto – como tem sido sempre proclamado por esta Corte - traduz prerrogativa insuprimível da cidadania.

É por isso, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado atento e severo na condenação de práticas de poder que ofendam a ética republicana consagrada no texto de nossa própria Constituição.
Na realidade, os princípios da impessoalidade, da igualdade e da moralidade dão substância e conferem significado à idéia republicana que não tolera práticas e costumes marginais tendentes a confundir o espaço público com a dimensão pessoal dos agentes estatais, patrimonializando, de modo ilegítimo, o poder do Estado, para degradá-lo à condição subalterna de instrumento vocacionado a servir, não ao interesse público e ao bem comum, mas, antes, a atuar como um inaceitável meio de satisfazer conveniências pessoais e de concretizar aspirações particulares.
O fato é um só, Senhor Presidente: quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida pelas leis da República. Esse comportamento, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa. E esta Suprema Corte, Senhor Presidente, não pode permanecer, como não tem permanecido, indiferente a tão graves transgressões da ordem constitucional.
De outro lado, Senhor Presidente, e não obstante os desafios e a complexidade dos litígios submetidos a este Tribunal, que sempre se caracterizou, no curso de seu longo itinerário republicano, por julgamentos serenos e desapaixonados, há a destacar um fato auspicioso: Vossa Excelência poderá contar com o apoio, competente e seguro, do eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, filho ilustre do grande Estado de Minas Gerais, que, para honra desta Corte, exercerá o cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, antes de seu ingresso no Supremo Tribunal Federal, exerceu diversos cargos e funções no âmbito da União Federal, tendo integrado o Ministério Público Federal durante 19 anos, além de haver desempenhado o cargo de Consultor Jurídico do Ministério da Saúde.
Ao longo de sua trajetória profissional, o Ministro JOAQUIM BARBOSA – que é Professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde lecionou as disciplinas de Direito Constitucional e de Direito Administrativo – consolidou os seus vínculos com a comunidade acadêmica, obtendo os prestigiosos títulos de Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade de Paris – II, na qual, após quatro anos de extenso programa de doutoramento, veio a receber três diplomas de pós-graduação.
É de ressaltar, ainda, que Sua Excelência também cumpriu o programa de Mestrado em Direito e Estado da Universidade de Brasília, o que lhe conferiu o diploma de Especialista em Direito e Estado.
É de acrescentar, a esse rico itinerário acadêmico, a condição, que o Ministro JOAQUIM BARBOSA tão brilhantemente ostenta, de "Visiting Scholar" na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), e, também, no Instituto de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Colúmbia em Nova York.
É de referir, de outro lado, a valiosa produção acadêmica do eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, autor de duas obras muito significativas: "A Corte Suprema no Sistema Político Brasileiro", publicada em francês, e "Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade (O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA)".
Todos esses atributos, a que se associam julgamentos importantes, proferidos nesta Suprema Corte, da lavra do eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, revelam, ao País, as densas qualificações profissionais e a sólida formação acadêmica ostentadas por Sua Excelência, a justificar, por inegável direito de conquista fundado em seus próprios méritos, a sua investidura, agora, no cargo e nas funções de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.
Não posso concluir este pronunciamento, Senhor Presidente, sem registrar a valiosíssima contribuição que o eminente Ministro CEZAR PELUSO legou ao aperfeiçoamento institucional do Poder Judiciário nacional e à modernização do sistema de administração do Supremo Tribunal Federal.
Muito mais do que realizações administrativas, no entanto, Senhor Presidente, cabe reconhecer o alto significado de que se revestiram a atuação e o comportamento do eminente Ministro CEZAR PELUSO em seu biênio na Presidência desta Corte Suprema, cujo exercício foi especialmente enriquecido por sua longa experiência como magistrado, por seu talento intelectual, por sua probidade pessoal, por sua integridade moral, por seu brilho no campo do
Direito e por seu elevado senso de dignidade, de austeridade, de respeitabilidade pessoal, de independência funcional e, sobretudo, de intensa devoção à causa da Justiça.
Todos esses predicados, sem qualquer exceção, que exornam a figura eminente do Ministro CEZAR PELUSO, não são aqui lembrados, Senhor Presidente, em tom meramente protocolar nem com intuito simplesmente apologético, pois tais virtudes, pessoais e profissionais, foram marca constante na vida exemplar desse notável Juiz que, ao concluir o seu mandato na Presidência do Supremo Tribunal Federal, mostrou-se fiel às suas convicções e à sua visão de um Poder Judiciário independente e responsável pela preservação da superioridade irrecusável da Constituição da República, revelando, no desempenho de seu cargo, a percepção do alto significado de que se revestem as funções jurídicas e político-institucionais deste Tribunal Supremo.
Vale rememorar, Senhor Presidente, as palavras com que o eminente Ministro CEZAR PELUSO, destacando a sua própria crença na importância do Poder Judiciário e ressaltando o espírito que sempre deve orientar os magistrados na prática do ofício jurisdicional, encerrou a sessão solene de instalação do Ano Judiciário de 2012:
"Após mais de 44 anos de magistratura e já próximo de, com a fronte erguida, deixar esta Corte, quero assegurar a todos os cidadãos brasileiros, que, servindo-lhes aos projetos de uma vida digna de ser vivida, os juízes continuaremos a cumprir nossa função com independência, altivez e sobranceria, guardando a Constituição e o ordenamento jurídico, sem prescindir da humildade e da coragem necessárias às correções de percurso e ao aperfeiçoamento da Justiça, mas também sem temor de defender, com a compostura que nos pede o cargo, a honradez de nossos quadros e o prestígio da instituição." (grifei)
Eis aí, em suas próprias palavras, o perfil de um magistrado exemplar, como o é o eminente Ministro CEZAR PELUSO, cuja longa atuação no Poder Judiciário deve inspirar as presentes e futuras gerações de magistrados: o de um Juiz sério, isento, probo, intelectualmente qualificado, independente e moralmente íntegro.
É com muita satisfação, Senhor Presidente, que apresento os cumprimentos desta Corte Suprema aos familiares e às digníssimas Senhoras Doutoras Rita de Cássia Pinheiro Reis de Britto e Lúcia de Toledo Piza Peluso, com quem temos a grande honra de partilhar este momento tão expressivo em suas vidas e pleno de significação na história do Supremo Tribunal Federal.
Concluo este pronunciamento, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, tenho a honra de saudar, em nome do Supremo Tribunal Federal, Vossa Excelência, Senhor Ministro CARLOS AYRES BRITTO, e o eminente Senhor Vice-Presidente, Ministro JOAQUIM BARBOSA, desejando-lhes uma gestão eficiente e intensa em realizações, estendendo-lhes a solidariedade de nosso integral apoio na resolução dos problemas e na superação dos permanentes desafios com que se defronta esta Corte em sua condição de guardiã da Constituição da República, sempre objetivando, na consecução das altas finalidades institucionais do Estado, o constante aperfeiçoamento do sistema de administração de justiça, para que este se revele processualmente célere, tecnicamente eficiente, politicamente independente e socialmente eficaz."
Revista Consultor Jurídico, 19 de abril de 2012

 Discurso de Celso de Mello

Lei 12594-12 determina medidas abertas (leias: internamento domiciliar) quando inexistir vaga para internamento do adolescente infrator, exceto casos de violência ou grave ameaça

LEI Nº 12.594, DE 18 DE JANEIRO DE 2012.
DOS DIREITOS INDIVIDUAIS
Art. 49.  São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa, sem prejuízo de outros previstos em lei:
I - ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial;
II - ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência;

quinta-feira, 19 de abril de 2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

Violência Gratuita (2007). Um filme desconfortável, como deve ser a violência...

Dentro da minha pequena lista de filmes incríveis não está Violência Gratuita US, do diretor Michael Haneke, talvez porque esta obra tenha alcançado um grau de realidade inconcebível para o cinema.
O filme está aparentemente vazio, mas há uma profusão de ideias sob seus personagens (seguem abaixo duas críticas sobre a obra).

Além do que disse Eduardo Carli, vejo que Violência Gratuita segue no mesmo caminho de Laranja Mecânica, contudo de forma muito mais nervosa e direta. O espectador encontra-se com a violência em si, sem justificativas, o que parece próprio para compreender a transgressão como algo normal e não patológico. Mesmo assim, somos levados a perceber justamente o contrário; compreender "o  patológico" na violenta sociedade de hoje. De fato, encontramos aqui o tema "violência juvenil" em poucas palavras.

Em um artigo intitulado "Juventude, contemporaneidade e comportamento agressivo" (recomendo leitura), Gabriel José Chittó Gauer e outros abordam o tema da agressividade juvenil sob a ótica de seu caráter não patológico. Neste aspecto, o desequilíbrio emocional juvenil transborda diante das promessas contemporâneas. A violência ocorre dessa forma  como frustração; uma  promessa incapaz de realizar para um sujeito sem identidade. Está aí a questão para compreender Violência Gratuita.




 CRÍTICA DE VEJA




Vamos à crítica de  Eduardo Carli, melhor do que a de VEJA  

VIOLÊNCIA GRATUITA
de Michael Haneke
(Funny Games, Áustria/França, 1997)

My films are intended as polemical statements against the American 'barrel down' cinema and its dis-empowerment of the spectator. They are an appeal for a cinema of insistent questions instead of false (because too quick) answers, for clarifying distance in place of violating closeness, for provocation and dialogue instead of consumption and consensus.

– Michael Haneke, “Film as Catharsis”


É fácil desprezar “Violência Gratuita” como um filme absurdamente sádico e perverso - que não faz nada além de nos colocar como observadores em uma sala de tortura onde a violência é, de fato, gratuita. Poucos filmes são mais fáceis de odiar. À primeira vista, o filme de Michael Haneke parece uma daquelas coisas feitas por artistas diabólicos que se divertem fazendo o espectador sofrer – e por nada. Em “Dançando No Escuro” (de Von Trier) ou “A Paixão de Joana D’Arc” (de Dreyer), por exemplo, o sofrimento que é infligido aos protagonistas,, apesar de gigantesco, tem seu sentido e é um meio para a transmissão de uma mensagem; mas em “Violência Gratuita” não parece haver mensagem alguma. O filme parece ser sofrimento bruto, sem remissão, sem sentido: algo que vai até as beiras do niilismo.
E surpreende que esse seja um filme de Michael Haneke, um cara inteligentíssimo, formado em filosofia, que dá algumas das melhores e mais instigantes entrevistas que eu já vi um cineasta dar e que já cometeu obras-primas como “Caché” e “A Professora de Piano”... Haneke não parece ser um o tipo de diretor interessado em apenas exibir na tela um amontoado de crueldades arbitrárias – e é isso que “Violência Gratuita” parece ser, à primeira vista... Uma dupla de bandidos invade a casa de uma família rica num fim-de-semana, sem nenhum desejo de roubar nada, e simplesmente se põem a brincar de tortura pelo simples prazer de reduzir a pó a vida pacata de uma família feliz. Que isso aconteça no mundo, é até possível. Não há inúmeras famílias destruídas de uma hora pra outra por um assalto que acaba em morte, por uma bala perdida, por um atropelamento surpresa? Pois bem: “Violência Gratuita” até poderia ser visto como um filme que mostra, e com uma crueza brutal, o quanto nossas vidas são frágeis e o quanto tudo pode ser destruído num instante pela loucura dos outros homens. Viver é perigoso. 
Mas, depois de muito pensar sobre o que vi, e depois de ter visto outros filmes do Haneke e lido algumas de suas entrevistas, ficou claro que a coisa simplesmente não podia ser tão simples assim e que há muito mais coisas rolando em “Violência Gratuita” do que parece – e o maestro desse espetáculo sabe muito bem o que está fazendo e que objetivos pretende atingir. 
Em primeiro lugar, “Violência Gratuita” é uma óbvia tentativa de polemizar e levantar discussões sobre a questão da violência no cinema – e bem menos contraditório do que o “Assassinos Por Natureza”, do Oliver Stone, que pra mim é um filme que atira no próprio pé (ao criticar a violência midiática estilizada e SER um filme lotado com o mesmo tipo de conteúdo que critica). Haneke deixou claro em suas entrevistas que sua preocupação principal era realizar um filme onde a violência não fosse consumível, como é moda nos últimos tempos - estamos vendo se multiplicarem filmes (Kill Bill, Sin City, Irreversível, Oldboy...) em que a violência é estilizada e vendida como a coisa mais cool e adorável do universo. Haneke se revolta frente à enxurrada de filmes que dão violência ao espectador como se fosse algodão-doce ou coca-cola; e se revolta contra os espectadores que se deliciam e vão ao êxtase engolindo com os olhos as cachoeiras de sangue artificial e de cadáveres... vejam o que acontece quando as pessoas assistem Kill Bill, por exemplo: elas ADORAM cada ato de violência, e adoram mais e mais na proporção direta do grau de crueldade e de brutalidade envolvidos no processo.
Contra o quê Haneke fez um filme onde é de fato impossível para o espectador SENTIR PRAZER com a violência que vê (a não ser que seja uma pessoa de personalidade indizivelmente sádica, o que é sempre uma exceção); a violência aqui é reconhecida e sentida pelo que realmente é: algo de revoltante, de brutal, de injustificável. Frente aos atos brutais cometidos em “Violência Gratuita” (que nem são mostrados explicitamente), nossa reação é aquela que, segundo a ética de Haneke, deveria ser a nossa reação frente a qualquer tipo de violência: de repulsa, de nojo, de afastamento. Essa violência não está lá para nos dar prazer, como é o caso nos filmes de Tarantino, por exemplo, e em tantos outros; está lá para nos horrorizar e nos enojar. E não é essa a reação que merece a violência? E o que devemos não é mesmo ODIAR e FICAR COM NOJO desses personagens que nada fazem na tela além de fazer o sangue jorrar, ao invés de tratá-los como heróis ultra-cool? 
E agora me parece bem claro que na verdade “Violência Gratuita” é um filme que se coloca como objetivo primordial brincar com o espectador: esse é um filme que está aí para nos provocar, para frustrar todas as nossas expectativas, para mexer com os nossos sentimentos. Os funny games que servem como título original talvez nem sejam referência aos jogos sádicos de tortura e de humilhação que os bandidos perpetram contra a pobre família burguesa: talvez são os próprios jogos que o filme joga com o espectador. Me explico. 
Tudo em “Violência Gratuita” me parece ter sido feito pensando nas reações e nos desejos do público: é um filme que de certa maneira se engaja num ATENTADO contra a mentalidade tradicional de uma pessoa que vai ao cinema. Por que é que vamos ao cinema e alugamos filmes? A resposta mais comum, a resposta das pessoas normal (e crítico de cinema, como todos sabem, nunca vai ser uma pessoa normal :P), é aquela: “pra curtir, ué! Pra curtir !” E é bem isso: o princípio de prazer é quem comanda. Claro que a maioria de nós vai ao cinema em busca do prazer, da diversão, dos “bons sentimentos”, dos clímaxes emocionais que o filme pode nos fazer sentir, dos elevados pensamentos que o filme pode nos fazer pensar, dos ensinamentos que ele pode nos transmitir... Quase todos os filmes da história da humanidade possuem finais felizes simplesmente pois quase todos nós queremos finais felizes! O cinema muitas vezes é feito sob medida pra nos consolar das injustiças e dos absurdos da vida: naquele lindo universo paralelo, os bons sofrem bastante, com certeza, como na vida, mas no fim de tudo acabam por prevalecer sobre os maus; a injustiça é punida; a generosidade é recompensada; os esforços do herói nunca são em vão, pois conduzem inevitavelmente à vitória; as canalhices do vilão nunca permanecem impunes por muito tempo e por fim ele sempre ganha a punição que merece... Claro que isso não é uma regra geral, mas todo mundo sabe: em filmes comerciais, final infeliz é sempre uma exceção. 
Hanneke vai subverter radicalmente esse tipo de dogma cinematográfico ao fazer um filme que não nos dá nenhum consolo e que nos coloca frente a frente com personagens realmente Malvados (com M maiúsculo), não nos dando o prazer de vê-los vencidos... Não se retorna ao passado dos personagens para tentar explicar a gênese dessas personalidades cruéis – diferentemente do que ocorre no “A Professora de Piano”, que mostra bem o percurso que leva à protagonista à crueldade e à loucura. Também não coloca na boca de nenhum deles qualquerjustificação racional para os atos deles (penso em algo parecido com aquele discurso do assassino do “Festim Diabólico” do Hitchcock, por exemplo, ou do serial killer de “Seven”, do Fincher) – os atos deles acabam mesmo parecendo completamente irracionais e absurdos.
Tudo se passa num clima de estrito realismo, mas o diretor se esforça, vez ou outra, porquebrar o transe de quem assiste. Quando o bandidão chefe se vira para a câmera e se dirige diretamente para o espectador, seja dando uma piscadela de olho, seja comentando sobre o desenvolvimento do enredo, ele destrói a magia do cinema. É como se nos desse um beliscão no braço e berrasse: “Ei, cara, acorda! Isso é tudo mentirinha!” Pois é comum nos esquecermos que estamos frente à mentira quando estamos no cinema: tudo é tão verossímil, tão parecido com o mundo lá fora, tão acreditável, que é quase inevitável que nós olhemos através daquela janela indiscreta com a ilusão de estar vendo pessoas reais e suas vidas reais. O realismo de Hanneke conduz à ilusão de verdade, e justamente no momento em que ela já teve tempo de se instalar na percepção do espectador ele nos chama de volta com o beliscão. Primeiro funny game: quando a gente começa a acreditar na veracidade daquilo que vemos na tela, Haneke chega e nos desilude, nos acorda. “Ei, ei, ei!! Isso é só cinema!”
Haneke faz isso direto: sempre gosta de brincar com o espectador, fazendo-o tomar por realidade aquilo que depois será desmascarado como ficção. É assim com as imagens da casa da família protagonista de "Caché", que parecem "verdadeiras" e não passam de gravações; e é assim em algumas cenas do ultra pós-moderno experimento hanekiano chamado "Código Desconhecido". Com certeza a mais poderosa das cenas deste último é aquela em que a Juliette Binoche percebe-se aprisionada num quarto, com gás penetrando lentamente pelo teto, enquanto dialoga com um aparente psicopata que garante que ela irá morrer. Ele, o "assassino", diz que não sente nenhuma antipatia ou ódio por ela, nada que justificasse racionalmente seu ato, mas que somente quer que "ela mostre sua verdadeira face". E a interpretação da Juliette Binoche é tão magnífica, o pavor e a estranheza que transparecem em seu rosto são tão genuínos, aquela cara de desespero e de caí-nas-garras-de-um-maluco são tão acreditáveis (é de longe um dos momentos mais brilhantes da carreira dela, que não tem poucos), que o espectador é quase que inevitavelmente levado a acreditar na veracidade do que vê à frente de seus olhos. A farsa só será desmascarada depois - e Haneke parece experimentar um prazer sádico em nos jogar na cara que estivemos nos preocupando e nos angustiando como idiotas quando era tudo de mentirinha! Tudo não passava de um filme, e o sofrimento da garota não passava de fingimento... E nós, bobinhos, deixamos o medo e o horror tomar conta...
Através desse joguinho com o espectador, ele demonstra muito bem o quanto o cinema pode ser manipulador e o quanto a ilusão de verdade por ele criada pode ser radical o bastante para vencer qualquer ceticismo. É quase um tratado prático sobre o poder imenso que o cinema tem de nos comover, mesmo que ele se mantenha sempre no domínio do “ilusionismo”. E essa arte de iludir que é consubstancial ao cinema é constantemente exposta e desmascara nos filmes do Michael Haneke: ele nos desilude e daí pra frente não sabemos mais se devemos confiar em nossos próprios sentimentos, em nossos próprios olhos - em suma, não sabemos mais se podemos confiar naquilo que estamos vendo na tela. Pode ser mentira. Vejam, por exemplo, aquela cena de "Código Desconhecido" em que a criança está prestes a despencar de um parapeito no 20o andar. O espectador sabe que aquilo é de mentira: é uma cena do filme que está sendo filmado dentro do filme. Mas essa cena demonstra muito bem que saber que a coisa é de mentira não basta para que nos destaquemos emocionalmente daquilo e assistamos tudo com indiferença. Nós sabemos que aquilo é só uma cena do filme; mas mesmo assim o desespero da mãe - novamente trazido à vida por uma excepcional Juliette Binoche - nos comove. O fingimento da Juliette Binoche é tão perfeito que não conseguimos acreditar que ela está fingindo! A ilusão de verdade é tão poderosa que nossos sentimentos são capturados, mesmo que a gente saiba que tudo não passa de uma simulação. 
Mas, voltando à "Violência Gratuita": outro dos funny games que Haneke vai jogar com o espectador é o de fazer justamente o que NÃO queremos que ele faça. Claro que nossa tendência natural é simpatizar com a família sofredora, torcer por sua vitória, rezar pela virada no jogo e pelo triunfo da “Justiça” – e é claro que nos sentimos repugnados pela horrenda crueldade gratuita dos bandidos. Hanneke vai brincar com essa nossa preferência afetiva, mas ao invés de fazer o que é tradicional, ou seja, dar ao público o que ele quer e fazer vencer quem nós queremos que vença, ele se preocupará muito mais em nos frustrar. Estratégia sacana: Hanneke nos faz torcer por um time e depois faz com que esse time perca. E de goleada. E na maior humilhação. Poucos diretores conseguiram ser tão perversos com seu público quanto ele foi nesse filme... 
Em diversos momentos, ele faz com que cresça dentro de nós a esperança fulgurante de que o jogo vai começar a virar em favor do Bem: quando o garotinho aponta a espingarda para o bandidão, quando os bandidões saem da casa após o primeiro assassinato, quando a esposa mata o gordo, quando a faca é encontrada no barco... Hanneke trata de nos decepcionar em todos esses momentos onde os consolos poderiam nos ter sido entregues, e essa obsessão em decepcionar o espectador chega a utilizar uma técnica revoltante. Justamente no momento em que se esboça um final feliz e a garota toma em mãos a arma e mata o bandidão, nesse momento de glória em que o espectador enfim sente a premonição de que será recompensado por ter visto tanto sofrimento, quando enfim sabemos que o Bem irá prevalecer, Hanneke tira da cartola sua maior TRAVESSURA – e é certamente uma das cenas mais marcantes de toda a sua filmografia. Algo ao mesmo tempo surpreendente, revoltante e, no fundo, genial: ele volta a fita. Só assistindo pra entender. É um soco duplo na cara do espectador: destruição da ilusão de verdade e frustração da esperança de vitória do Bem. 
Não acho que nesse filme Haneke esteja tentando sugerir que na “vida de verdade” o Mal sempre vence e que o cinema não faz nada senão nos mentir. Não é bem isso - e as coisas não são tão simples. Vejo muito mais uma provocação latente ao espectador: por que você sempre vai ao cinema querendo ser consolado? Estratagema cômodo para o diretor: para aqueles que lhe disserem que não gostaram de seu filme, ele poderá tranquilamente responder: “o problema não é meu, é seu...”. Só não gostará do filme aquele que for a ele querendo encontrar os tradicionais consolos que o cinema comercial costuma nos fornecer (o bem vencerá, os maus serão punidos, o amor triunfará...)
“Violência Gratuita” é o tipo de filme que não está aí para nos dar prazer ou nos divertir. É bem provável que muita gente saia do filme “passando mal” e vá direto ao banheiro vomitar. É bem possível que a maioria das pessoas vá achar esse filme “antipático”, “niilista”, “inumano” e outros nomes piores. Tudo o que ele faz é dar ao público duas horas de uma tortura horrível de ver e, por fim, a frustração de não ver nada de bom sair daquilo. Esse é um filme que procura agir diretamente sobre o espectador, trabalhando sobre seus sentimentos, brincando sutilmente com a oscilação entre esperança e desilusão, manipulando nossos sentimentos e treinando sensibilidades suportarem melhor um cinema menos escravo do prazer e da diversão – aquilo que chamamos de Cinema De Arte, e do qual, atualmente, Haneke é um dos maiores gênios e defensores. Sim, confesso que “Violência Gratuita” não é um filme que me faça sentir bem – mas Haneke, no fundo, está perguntando: quem disse que o cinema tem que se reduzir à função de te fazer bem? 
Donde o filme de Haneke pode nos ensinar também um pouco de auto-crítica. Você não gostou de um certo filme, tudo bem: mas isso quer dizer, necessariamente, que o filme é ruim? O que está errado será que não são as suas expectativas, o que você desejava encontrar ali? Você realmente tem certeza de que o problema não é com você? 
O cinema de Haneke mostra então ao que veio: o que importa nem é tanto o que está na tela, mas a reação daquilo sobre o espectador e a capacidade que aquele material tem de causar reações emocionais e racionais. “Violência Gratuita” faz tudo isso: é um manifesto contra a violência estilizada e consumível, um protesto contra os enredos consoladores e kitsch e um filme que constantemente solicita que o espectador acorde de seu transe e se torne mais crítico e lúcido na sua relação com o filme que vê. Não é pouca coisa para um filme que, na sua superfície, parecia somente um arbitrário exercício de sadismo...

Eduardo Carli de Moraes, jul/2006