segunda-feira, 10 de setembro de 2012

STF. Limitação da prisão cautelar no crime de deserção


Deserção - Crime militar - Prisão cautelar - Decretação compulsória – Inadmissibilidade (Transcrições)

HC 112487 MC/PR*

RELATOR: Min. Celso de Mello

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão que, proferida pelo E. Superior Tribunal Militar, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

Habeas Corpus’. Deserção (CPM, art. 187). Ausência desautorizada de militar ao quartel por mais de oito dias. Alegação da Defesa de ilegalidade da prisão preventiva que fere as garantias constitucionais. Improcedência. O crime de Deserção é classificado como propriamente militar, recebendo tratamento diferenciado pelo legislador ao excepcionar a prisão cautelar. Não havendo ilegalidade ou abuso de poder, impõe-se a denegação da Ordem de ‘Habeas Corpus’. ‘Habeas Corpusdenegado. Decisão Unânime.
(HC 148-38.2011.7.00.0000/PR, Rel. Min. OLYMPIO PEREIRA DA SILVA JUNIOR - grifei)

Postula-se, em sede liminar, seja garantido, ao ora paciente, o exercício do direito de estar em liberdade, “a fim de evitar que ele seja automaticamente preso mediante a invocação pura e simples da vedação legal de concessão de liberdade provisória para os acusados da prática do crime de deserção, prevista no Código de Processo Penal Militar (grifei).
Passo, desse modo, à análise do pedido de medida liminar. E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pela parte impetrante.
Cumpre ter presente, por relevante, no que concerne à discussão em torno da prisão cautelar prevista no art. 453 do CPPM, que a colenda Segunda Turma desta Suprema Corte firmou orientação no sentido de que a Justiça Militar deve justificar, em cada situação ocorrente, a imprescindibilidade da adoção de medida constritiva do “status libertatis” do indiciado/réu, sob pena de caracterização de ilegalidade ou de abuso de poder na decretação de prisão meramente processual:

Habeas Corpus’. 1. No caso concreto, alega-se falta de fundamentação de acórdão do Superior Tribunal Militar (STM) que revogou a liberdade provisória do paciente por ausência de indicação de elementos concretos aptos a lastrear a custódia cautelar. 2. Crime militar de deserção (CPM, art. 187). 3. Interpretação do STM quanto ao art. 453 do CPPM (‘Art. 453. O desertor que não for julgado dentro de sessenta dias, a contar do dia de sua apresentação voluntária ou captura, será posto em liberdade, salvo se tiver dado causa ao retardamento do processo’). O acórdão impugnado aplicou a tese de que o art. 453 do CPPM estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias como obrigatório para a custódia cautelar nos crimes de deserção. 4. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a concessão da liberdade provisória, antes de ultimados os 60 (sessenta) dias, previstos no art. 453 do CPPM, não implica qualquer violação legal. O ‘Parquet’ ressalta, também, que o decreto condenatório superveniente, proferido pela Auditoria da 8ª CJM, concedeu ao paciente o direito de apelar em liberdade, por ser primário e de bons antecedentes, não havendo qualquer razão para que o mesmo seja submetido a nova prisão. 5. Para que a liberdade dos cidadãos seja legitimamente restringida, é necessário que o órgão judicial competente se pronuncie de modo expresso, fundamentado e, na linha da jurisprudência deste STF, com relação às prisões preventivas em geral, deve indicar elementos concretos aptos a justificar a constrição cautelar desse direito fundamental (CF, art. 5º, XV - HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004; HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006; HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006; e HC nº 88.129/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, unânime, DJ 17.8.2007). 6. O acórdão impugnado, entretanto, partiu da premissa de que a prisão preventiva, nos casos em que se apure suposta prática do crime de deserção (CPM, art. 187), deve ter duração automática de 60 (sessenta) dias. A decretação judicial da custódia cautelar deve atender, mesmo na Justiça castrense, aos requisitos previstos para a prisão preventiva nos termos do art. 312 do CPP. Precedente citado: HC nº 84.983/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ 11.3.2005. Ao reformar a decisão do Conselho Permanente de Justiça do Exército, o STM não indicou quaisquer elementos fático-jurídicos. Isto é, o acórdão impugnado limitou-se a fixar, ‘in abstracto’, a tese de que ‘é incabível a concessão de liberdade ao réu, em processo de deserção, antes de exaurido o prazo previsto no art. 453 do CPPM’. É dizer, o acórdão impugnado não conferiu base empírica idônea apta a fundamentar, de modo concreto, a constrição provisória da liberdade do ora paciente (CF, art. 93, IX). Precedente citado: HC nº 65.111/RJ, julgado em 29.5.1987, Rel. Min. Célio Borja, Segunda Turma, unânime, DJ 21.8.1987). 7. Ordem deferida para que seja expedido alvará de soltura em favor do ora paciente.
(HC 89.645/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

Impende rememorar, quanto ao aspecto ora ressaltado, valioso precedente emanado do próprio E. Superior Tribunal Militar, no qual se acentuou que a prisão processual prevista no dispositivo inscrito no art. 453 do CPPM não prescinde da demonstração da existência de situação de real necessidade, apta a ensejar, ao Estado, quando efetivamente configurada, a adoção - sempre excepcional - dessa medida constritiva de caráter pessoal:

HABEAS CORPUS’. LIBERDADE PROVISÓRIA.
1. A nova sistemática constitucional referente a prisão cautelar fundada no respeito à dignidade da pessoa humana, no princípio da presunção de inocência, nodue process of lawe na garantia da motivação de todas as decisões judiciais, impede a prisão processual do cidadão sem que haja concretas razões que impeçam a manutenção da liberdade individual.
2. Dispositivos, como o arts. 270 e 453 do Código de Processo Penal Militar, que vedamex lege’, sem motivação, a concessão de liberdade provisória, são incompatíveis com a ordem constitucional. Não tem cabimento, portanto, o entendimento segundo o qual o acusado pelo crime de deserção deve permanecer preso por 60 (sessenta) dias, até que se julgue a ação penal.
3. A superveniência de decisão condenatória recorrível, em nada altera a ilegalidade de prisão mantida sem elementos concretos a ensejarem a custódia cautelar. Se o acusado tinha direito à liberdade provisória até a sentença condenatória recorrível, inexistindo fato concreto que importasse necessidade da prisão processual para acautelar o feito, continuará tendo direito de permanecer em liberdade, enquanto recorre às superiores instâncias.
4. Ordem concedida, por maioria, para cassar decisão de 1º grau que negava ao acusado o direito de apelar em liberdade e conceder-lhe o referido direito nos termos do art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, c/c o art. 467, ‘d’, do CPPM.
5. Decisão Majoritária.
(HC 2008.01.034520-5/CE, Rel. Min. FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH - grifei)

Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, apoiada em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos abstratos - juridicamente definidos em sede legal - autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal (RTJ 134/798, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO).
É por essa razão que esta Corte, em pronunciamento sobre a matéria (RTJ 64/77), tem acentuado, na linha de autorizado magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 376, 2ª ed., 1994, Atlas; PAULO LÚCIO NOGUEIRA, “Curso Completo de Processo Penal”, p. 250, item n. 3, 9ª ed., 1995, Saraiva; VICENTE GRECO FILHO, “Manual de Processo Penal”, p. 243/244, 1991, Saraiva), que, uma vez comprovada a materialidade dos fatos delituosos e constatada a existência de meros indícios de autoria - e desde que concretamente ocorrente qualquer das situações referidas no art. 312 do Código de Processo Penal -, torna-se legítima a decretação, pelo Poder Judiciário, dessa especial modalidade de prisão cautelar.
Para que se legitime a prisão cautelar, no entanto, impõe-se que os órgãos judiciários competentes, inclusive aqueles estruturados no âmbito da Justiça Militar, tenham presente a advertência do Supremo Tribunal Federal no sentido da estrita observância de determinadas exigências (RTJ 134/798), em especial a demonstração - apoiada em decisão impregnada de fundamentação substancial - que evidencie a imprescindibilidade, em cada situação ocorrente, da adoção da medida constritiva do “status libertatis” do indiciado/réu, sob pena de caracterização de ilegalidade ou de abuso de poder na decretação da prisão meramente processual (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 80.892/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Com efeito, nada impede que o Poder Judiciário decrete, excepcionalmente, a prisão cautelar do indiciado ou do réu, desde que existam, no entanto, quanto a ela, reais motivos evidenciadores da necessidade de adoção dessa extraordinária medida constritiva de ordem pessoal (RTJ 193/936, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 71.644/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A denegação, ao indiciado ou ao acusado, do direito de permanecer em liberdade depende, para legitimar-se, da ocorrência concreta de qualquer das hipóteses referidas no art. 312 do CPP (RTJ 195/603, Rel. Min. GILMAR MENDES - HC 84.434/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES - HC 86.164/RO, Rel. Min. AYRES BRITTO, v.g.), a significar, portanto, que, inexistindo fundamento autorizador da privação meramente processual da liberdade do réu, esse ato de constrição reputar-se-á ilegal, porque destituído, em referido contexto, da necessária cautelaridade (RTJ 193/936):

(...) PRISÃO CAUTELAR - CARÁTER EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.
A prisão processual, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e indício suficiente de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Doutrina. Precedentes.
(HC 89.754/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Em suma: a prisão cautelar (“carcer ad custodiam”) - que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”) - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado:

A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.
(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a conseqüente (e inadmissível) prevalência da idéia - tão cara aos regimes autocráticos - de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a assegurar, ao ora paciente, nos autos da Instrução Provisória de Deserção nº 0000002-41.2011.7.05.0005 (Auditoria da 5ª Circunscrição Judiciária Militar), até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o direito de não sofrer prisão cautelar em decorrência da mera invocação do art. 453 do CPPM.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (HC 0000148-38.2011.7.00.0000/PR) e ao Senhor Juiz-Auditor da 5ª Circunscrição Judiciária Militar (Instrução Provisória de Deserção nº 0000002-41.2011.7.05.0005).
Publique-se.
Brasília, 16 de maio de 2012.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 21.5.2012

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