(TJRN; ACr 2010.010237-4; Natal; Câmara Criminal; Rel. Des. Rafael Godeiro Sobrinho; DJRN 02/12/2011; Pág. 68)
Apelação Criminal n° 2010.010237-4 - Natal/RN
Apelante: Anagel Nunes de Santana
Def. Publico: Manoel Sabino Pontes
Apelada: A Justiça
Relator: Desembargador Rafael Godeiro
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FACILITAÇÃO À FUGA. ART. 351, §3º DO CÓDIGO PENAL. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FORMA CULPOSA. IMPOSSIBILIDADE. CONDUTA DE DIRETOR DE PRESÍDIO QUE FACILITA À FUGA DE PRESO DESCUMPRINDO REGRAS INERENTES AO REGIME PRISIONAL. TRATAMENTO PRIVILEGIADO AO PRESO. CONIVÊNCIA COM A INVERDADE DE TRABALHO EXTERNO. OMISSÃO EM DETERMINAR O RECOLHIMENTO NOTURNO. CONJUNTO PROBATÓRIO DOLOSAMENTE SUFICIENTE. VÁRIOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS. PLEITO DE DIMINUIÇÃO DA PENA APLICADA.. ALEGAÇÃO DE ERRO NA CONSIDERAÇÃO DESFAVORÁVEL DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA CULPABILIDADE, CONSEQUENCIAS E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO CORRETA E SATISFATÓRIA. LEGALIDADE NA DOSIMETRIA. IMPROVIMENTO DO APELO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima nominadas:
Acordam os Desembargadores que integram a Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em consonância com o parecer da Quinta Procuradora de Justiça negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, nos termos do voto do Relator que fica fazendo parte integrante deste.
RELATÓRIO
Anagel Nunes de Santana, através de advogado, interpôs recurso de apelação contra a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Quarta Vara Criminal do Distrito Judiciário da Zona Norte da Comarca de Natal/RN, que o condenou ao cumprimento de pena privativa de liberdade, de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semi-aberto, por entender configurado o crime previsto no art. 351, §3º do Código Penal.
Em suas razões recursais (fls. 468/473) pediu a desclassificação do delito para a forma culposa, sob o argumento de que não houve demonstração satisfatória de que o acusado possuía vontade livre e consciente de facilitar a fuga do preso Paulo Roberto.
Alegou ainda que as circunstâncias judiciais da culpabilidade, circunstâncias e consequências do crime foram consideradas desfavoráveis erroneamente, requerendo a análise adequada, diminuindo, assim, a pena aplicada. Ao final, pediu a absolvição do crime, ou a desclassificação para a modalidade culposa e a diminuição da pena.
Contra-arrazoando o apelo (fls. 474/489) interposto, o Parquet disse que há elementos probatórios suficientes à condenação na forma dolosa, bem como a dosimetria da pena foi pautada na legalidade. Ao final, pediu o improvimento do apelo e consequente manutenção da sentença recorrida.
Instada a se pronunciar, a Quinta Procuradora de Justiça opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso de apelação. (fls. 494/501)
É o relatório.
VOTO
Conforme se depreende dos autos, o apelante foi condenado por ter facilitado a fuga de preso que estava sob sua guarda, e no presente recurso pede sua absolvição, ou a desclassificação para a modalidade culposo, e ainda, a diminuição da penalidade aplicada.
Observo, que o presente recurso não merece provimento.
Na extensa denúncia ofertada pelo parquet, constam as seguintes condutas praticadas pelo denunciado, que foram corroboradas no decorrer da instrução criminal, as quais irei sintetizar para uma melhor análise da questão.
"a)Que o denunciado era Diretor do Complexo Penal Dr. João Chaves, encarregado da custódia dos apenados;
b) O preso Paulo Roberto cumpria pena no regime semi-aberto;
c) o suposto trabalho externo realizado pelo preso, que posteriormente foi descoberto não ser exercido, foi autorizado pelo denunciado à revelia do Juízo da Execução Penal;
d) O apenado veio à óbito, num sábado à noite, por ocasião de um possível envolvimento em um crime de roubo, quando deveria estar recolhido no estabelecimento penal;
e) o encarregado pela chamada dos presos, Sr. Luiz de Castinho Neto, disse que havia um tratamento diferenciado para o apenado Paulo Roberto, dentre outros presos, os quais se apresentavam diretamente ao diretor."
Vejamos o teor do artigo pelo qual o apelante foi condenado.
"Art. 351. Promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
§3ºA pena é de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, se o crime é praticado por pessoa sob sob cuja custódia ou guarda está o preso ou o internado."
Os depoimentos testemunhais são totalmente convergente, no sentido de respaldar a tese condenatória:
Luis de Castilho Neto (fls. 412/413): "...que quando conheceu Anagel este era vice-diretor do presídio João Chaves, sendo o diretor à época o Cel. Saraiva; que o depoente era soldado; que ainda no ano de 2000 o então tenente Anagel assumiu a direção do presídio; que a essa época trabalhava na escola auxiliar, bem como fazendo a chamada dos presos do semi-aberto, às 19:00 de cada dia; que os presos do semi-aberto a esta época ficavam num local chamado aviário, dois balcões localizados fora da estrutura do presídio, com acesso pela via pública, desprovido de qualquer guarita, vigilância, grade, lajeamento; que não havia porta de entrada e simplesmente uma grade velha sem qualquer cadeado; que à época não havia nenhum lugar disponível para o pessoal do semi-aberto; que dentro do presídio só cabia o pessoa do regime fechado, não havia sequer ala do semi-aberto na estrutura da João Chaves; que não sabe se o diretor chegou a comunicar ao Juiz da Vara de Execuções, ao Secretário de Segurança Pública ou à COAPE a forma como estava funcionando o semi-aberto àquela época; ao que se recorda Anagel saiu da direção em 2001; que tanto antes de Anagel ser diretor como o diretor que o sucedeu vivenciou-se a mesma estrutura; que recebia a relação dos presos do semi-aberto da direção e diariamente fazia a chamada às 19:00, registrando as ausências e informando à direção; que havia alguns presos do semi-aberto que não se recolhem ao aviário; que tem conhecimento que dentre estes presos só se apresentava na segunda-feira na direção estava o preso Paulo Roberto da Silva; que se lembra que também um preso de nome Alderi também se apresentava ao diretor na segunda-feira; que indagado pelo promotor pela pessoa de Osvaldo Isaías de Macedo, recordou que este também não se apresentava no aviário, apresentando-se somente na direção, recordando que era um engenheiro; que desconhece se Anagel tinha alguma autorização escrita do Juiz da Vara de Execuções Penais para assim agir; que tem conhecimento que o juiz Carlos Adel nas segundas-feiras is despachar com o diretor do presídio, precisamente no albergue e atendia também os presos; que ouviu falar, através de pessoas que trabalhavam na direção, que Paulo Roberto trabalhava durante o dia na Central do Cidadão; que desconhece se havia um controle de frequência da direção da Central com o presídio; que não sabe que critérios eram adotados para separar as pessoas que teriam que se apresentar no aviário diariamente daquelas outras que também sendo do semi-aberto bastariam se apresentar na direção na segunda-feira; que como soldado responsável pela chamada do semi-aberto recebia listas nominais daqueles que deveriam se apresentar no aviário, desconhecendo se haviam dez, vinte ou mais presos do semi-aberto que não precisavam se apresentar diariamente...Que só via Paulo Roberto na estrutura do presídio, precisamente na direção ou na frente do prédio da direção, nas segundas feiras...que quando Paulo Roberto chegou para cumprir pena no semi-aberto na João Chaves ainda ficou cerca de um mês ou mais se apresentando no aviário até o momento em que conseguiu um trabalho, quando passou a se apresentar somente na direção, não dormindo mais no aviário...."
Francisco Canindé Belísio de Souza , fls. 426/427 "...que se recorda que Castilho era o responsável pela chamada dos presos do semi-aberto, que era realizada por volta das 20 h, oportunidade em que esses presos eram recolhidos e ficavam trancados, todavia, o prédio onde funcionava esse regime semi-aberto, embora conjugado com a João Chaves, tinha acesso à rua, e sequer era forrado; que tampouco havia vigilância sobre esses presos, ocorrendo de que destelhavam o galpão e muitas vezes saiam à noite; que não se recorda se Paulo Roberto estava dentre os presos que se recolhiam à noite...que ouviu falar que Paulo Roberto saia durante o dia para trabalhar na Central do Cidadão, mas não tem conhecimento de ciência própria; que não sabe dizer se Paulo Roberto ia trabalhar por ordem do Diretor ou do Juiz de Execuções Penais...que soube através de um policial que agora não se recorda o nome, que o carioca às vezes, quando saia da Central do Cidadão, ia dormir em casa, mas não sabe quem era que autorizava..."
Luciene Pereira da Silva, esposa do apelante, fls. 398/399 "...Que iniciou um relacionamento com Paulo Roberto da Silva no ano de 1998....que na verdade Paulo Roberto a visitou quando já estava na João Chaves cerca de três a quatro vezes; Que da vez que Paulo Roberto teve contato com ela e inclusive a agrediu coincidiu de ela estar na casa de sua mãe e a visita se deu entre cinco e seis da tarde; que nesse dia Paulo Roberto chegou a dizer que queria mudar de vida e estava batalhando para botarem ele na Central do Cidadão....que ao que sabe carioca apenas estava procurando conseguir um trabalho na Central do Cidadão, mas ainda não estava trabalhando lá......"
Sendo assim, observa-se que o preso Paulo Roberto gozava de um privilégio concedido pelo apelante, sem conhecimento do Juízo da Execução Penal, o qual era incompatível com a Lei de Execução, posto que lhe foi concedido tratamento diferenciado com a permissão de se ausentar do estabelecimento prisional por vários dias e noites, sem compromisso com as regras do sistema carcerário, sob pretexto inverídico de trabalhar na Central do Cidadão.
Isso porque, consta dos autos às fls. 442, Ofício expedido pela Secretaria da Justiça e da Cidadania, que o apenado Paulo Roberto da Silva, não exercia qualquer atividade laboral vinculada à Central do Cidadão, e mesmo se fosse verdade só seria admitida a saída durante o dia, e nos moldes estabelecidos para todos os outros presos, conforme a chamada feita pelo servidor competente, Sr. Luiz de Castilho Neto.
Verifica-se, assim, que o apelante facilitou, inclusive burlando as normas institucionais, a fuga do apenado de forma inequívoca, posto que todos os elementos dos autos apontam para a forma dolosa e veemente, pois não é crível que um diretor de presídio não verifique a verdadeira ocupação de trabalho do preso, nem lhe trate de maneira igualitária aos demais, concedendo benesses para facilitar sua fuga.
Nesse diapasão, sua conduta se enquadra perfeitamente na figura típica pela qual fora condenado, não merecendo prosperar a tese de desclassificação para a modalidade culposa.
Da mesma forma não merece provimento o pedido de redução da pena, posto que as circunstâncias judicias foram analisadas corretamente, nos parâmetros legais, e muito bem fundamentos, conforme os termos utilizados pelo magistrado, senão vejamos:
"CONSIDERANDO que a culpabilidade do acusado, em face das circunstâncias fáticas e pessoais que determinaram esse ilícito revela alto grau de reprovação, uma vez que na condição de oficial da polícia militar, ocupante de cargo de diretor de presídio, responsável pela segurança pública desta capital, permitiu sem qualquer amparo legal, que o apenado descumprisse as regras penitenciárias, saindo do presídio durante o dia, apesar de manter-se desocupado durante todo o período e ainda permanecesse em liberdade durante a noite e fins de semana, causando enorme prejuízo à segurança pública, quando lhe era inteiramente possível determinar-se de modo diverso.
CONSIDERANDO que as circunstâncias que envolveram a prática do delito lhe são desfavoráveis, uma vez que o detento beneficiado veio a ser morto em torca de tiros com a polícia logo após ter cometido um crime, quando devia estar recolhido ao estabelecimento prisional pelo qual o acusado era responsável.
CONSIDERANDO que a ação delituosa teve consequências graves à sociedade pois o detento beneficiado pelo acusado, condenado a pena de nove anos de reclusão de reclusão pela prática de diversos crimes de roubo em continuidade delitiva, descumpria reiteradamente a pena imposta, permanecendo em liberdade diuturna, contribuindo para o sentimento de impunidade e insegurança."
Portanto, fundamentou corretamente a culpabilidade desfavorável, pois esta implica em grau de reprovabilidade do crime e do autor do delito, sendo assim, o fato de ocupar a direção do presídio, na época do crime torna sua culpabilidade bastante reprovável.
Ressalte-se que não contém qualquer amparo a alegação do apelante de que esta condição já é inerente ao tipo, pois o sujeito ativo do crime é qualquer pessoa e não necessariamente o diretor do estabelecimento prisional.
Quanto às circunstâncias do crime também houve fundamentação bastante, pois houve agravamento no contexto delitivo, o fato de lhe ter sido concedido o benefício ilegal da fuga, pois na verdade deveria estar recolhido quando aconteceu a troca de tiros com a polícia.
Na mesma linha de raciocínio foi a fundamentação das consequências do delito, a qual foi considerada de forma desfavorável, porque o agente causava sentimento de impunidade e insegurança, quando estava solto, e na verdade deveria está cumprindo sua pena de nove anos de reclusão, pela qual foi preso.
Verifica-se portanto, que o art. 59 do Código Penal foi plenamente satisfeito, do mesmo as outras etapas da dosimetria da pena foram pautadas na legalidade.
Ante o exposto, em consonância com o parecer da Quinta Procuradora de Justiça nego provimento aos recursos de apelação, mantendo-se em todos os termos a sentença condenatória.
É como voto.
Natal, 1º de dezembro de 2011.
Desembargador RAFAEL GODEIRO
Presidente e Relator
Doutora MARIA VÂNIA VILELA SILVA DE GARCIA MAIA
4ª Procuradora de Justiça