21/11/2012 - 06h04
Iraniana deformada
ganha na Justiça direito de cegar agressor
SAMY
ADGHIRNI
DE TEERÃ
A iraniana Ameneh Bahrami, 34, ficou
desfigurada depois que um colega de faculdade com quem ela não queria se
casar atirou ácido em seu rosto. Em 2011, ela obteve o direito de aplicar a
Lei de Talião, mas, na última hora, perdoou o agressor. Residente na
Espanha, Ameneh voltou ao Irã para lançar sua biografia "Auge um
Auge" ("olho por olho", em alemão), sem previsão de lançamento
no Brasil.
Leia
o depoimento de Bahrami à Folha:
"Nasci
de um pai militar e de uma mãe professora de escola primária e tive uma
infância feliz crescendo ao lado de minhas duas irmãs e dois irmãos em
Teerã.
Terminado
o segundo grau, me inscrevi na faculdade de Engenharia Eletrônica na
Universidade Eslamshahr.
Em
2003, uma senhora me telefonou dizendo que tinha um filho que estudava
comigo e queria me pedir em casamento. Ela me disse seu nome, Majid
Movahedi, e então fui conferir quem era.
Eu o conhecia de rosto, mas não sabia
seu nome. Quando a mãe me ligou de novo, contei que não estava interessada.
Não ia com a cara dele e, além disso, ele um dia havia mexido comigo
durante uma oficina de laboratório, tocando minhas coxas.
Mas ela continuou ligando, dizendo que
seu filho era homem e, por isso, tinha direito de escolher quem bem
entendesse para ser sua mulher. Após meses recebendo ligações, exigi que
ela parasse de telefonar. Ela respondeu que seu filho iria se matar se não
se casasse comigo.
Meses
depois, me formei e consegui um emprego numa empresa de equipamentos
médicos.
Eu só
soube muito tempo depois que Majid naquela época vivia me seguindo e
levantando todo tipo de informação a meu respeito, desde horários até nomes
de colegas.
Certa vez ele me ligou dizendo que
estava disposto a me matar se eu não me casasse com ele. Não levei a sério
e continuei vivendo normalmente, até que um dia, em outubro de 2004, eu o
vi me esperando na frente da empresa.
Repeti que não o queria e contei que
tinha um marido. Majid respondeu: É mentira, pois sei tudo a seu respeito.
Case comigo ou vou arruinar sua vida.
Dois dias depois, saí do trabalho por
volta das 16h30 e caminhava pela rua quando senti alguém apressado atrás de
mim. Deixei a pessoa me ultrapassar e vi que era Majid, com um frasco na
mão.
Ele atirou um líquido no meu rosto, pensei
que fosse água quente. Ele riu e saiu correndo, e minha vista escureceu.
A última coisa que meus olhos enxergaram
foi o tênis de Majid. Logo senti uma queimação atroz e entendi que o
líquido que escorria pelo meu rosto não era água quente, mas ácido sulfúrico.
Comecei a gritar no meio da rua e
arranquei desesperadamente minha roupa e até meus calçados, que não paravam
de queimar.
Doía muito e eu não enxergava nada. Trouxeram água e eu molhei
minhas mãos e braços, mas o efeito foi pior, pois minha pele começou a
ferver. Um homem me
disse: Não leve a água à cabeça, senão seu rosto vai se desmanchar.
Fui levada de hospital em hospital até
ser atendida.
Nem na clínica de queimados sabiam o que
fazer comigo. Diziam nunca ter visto um caso assim. Cinco horas depois, um
médico anunciou que meu olho esquerdo estava perdido e que meu olho direito
tinha chance de ser salvo.
Com ajuda financeira do então presidente
Mohammad Khatami, fui fazer tratamento em Barcelona, onde uma operação
bem-sucedida me permitiu recuperar 40% da visão do olho direito.
SEM
DINHEIRO NEM TETO
Mas
Mahmoud Ahmadinejad, eleito em 2005, cortou a ajuda, e mergulhei numa
situação muito difícil na Espanha, sem dinheiro nem teto.
Em 2007, peguei uma infecção num abrigo
social e perdi de vez o olho direito. Foi aí que decidi voltar ao Irã para
pedir a Lei de Talião [olho por olho, dente por dente, criada na Babilônia
antiga].
A Justiça argumentou que a lei nunca era
aplicada, mas, no ano passado, ganhei a causa. Majid já estava no hospital
judiciário para ser cegado quando anunciei que o perdoava. Ele se jogou no
chão e beijou meus pés.
No fundo eu nunca quis aplicar a Lei de
Talião. Jamais poderia fazer isso, não sou selvagem. Eu queria mesmo chamar a
atenção para o caso e evitar que outras pessoas passem pelo que sofri.
Hoje o que importa é o dinheiro. Quero
que ele me pague 150 mil. Mas ele foi solto pela Justiça, que não gostou de
eu ter recuado da lei.
Há muita complicação, mas continuo atrás
do dinheiro. Volto dentro de alguns dias para Barcelona, onde sigo
tratamento e vivo com a ajuda que Ahmadinejad retomou depois que eu perdoei
Majid.
Um médico na Espanha acha que pode
recuperar meu olho esquerdo. Enquanto isso, quero que meu livro saia no
mundo todo."
|
2 comentários:
Esse blog é uma pérola!
Que legal te encontrar aqui!
Obrigado, Gilmara!
Postar um comentário