Entrevista com
Psiquiatra Ingles Anthony Daniels
Qua, 17 de Agosto de
2011 13:37 | Escrito por Revista Veja, 17 de agosto de 2011 | | |
O Psiquiatra e escritor
inglês diz que as teorias sociológicas e psicológicas para explicar o Crime e o
vício em drogas produzem cidadãos que não assumem suas responsabilidades.
Entrevista ANTHONY
DANIELS
Revista Veja, 17 de
agosto de 2011
Eles têm culpa, sim
O psiquiatra
inglês Anthony Daniels, de 61 anos, é mais conhecido em seu país como Theodore
Dalrymple, pseudônimo utilizado por ele em artigos com análises impiedosas mas
realistas sobre o sistema prisional, o comportamento dos criminosos e o vício
em drogas, entre outros temas.
Aposentado desde 2005,
começou a escrever sobre sua experiência de quinze anos como médico em prisões
britânicas quando ainda estava na ativa, daí a necessidade de assinar com
outro nome. Antes, trabalhou em países africanos como Tanzânia, África do Sul e
Zimbábue. Daniels é autor de 22 livros e colaborador regular de publicações
como a revista The Spectator e o jornal The Telegraph. Recentemente, escritos
seus sobre a importância da religião foram citados no manifesto de Anders
Breivik, o autor do massacre na Noruega. "Não fiquei nada feliz com
isso", diz Daniels. Na semana passada, em visita ao Brasil, ele falou a
VEJA.
O
senhor costuma dizer que a influência das teses do suíço Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778) prejudicou a noção de responsabilidade no mundo atual. Por quê?
Rousseau
difundiu a idéia de que o ser humano é naturalmente bom, e que a: sociedade o
corrompe. Eu não sou religioso, mas considero
a visão cristã de que o homem nasce com o pecado original mais realista.
Isso
não significa que o homem é inevitavelmente mau, mas que tem de lutar· contra
o mal dentro de si. Por influência de Rousseau, nossas sociedades
relativizaram a responsabilidade dos indivíduos. O pensamento intelectual
dominante procura explicar o comportamento das pessoas como lima conseqüência
de seu passado, de suas circunstâncias psicológicas e de suas condições
econômicas. Infelizmente, essas teses são absorvidas pela população de todos
os estratos sociais. Quando trabalhava como médico em prisões inglesas, com
freqüência ouvia detentos sem uma boa educação formal repetindo teorias sociológicas
e psicológicas difundidas pelas universidades. Com isso, não apenas se sentiam
menos culpados por seus atos criminosos, como de fato eram tratados dessa
maneira. Trata-se de uma situação muito conveniente para os bandidos, pois
permite manter a consciência tranqüila. Podem dizer que roubam porque não
tiveram oportunidades de estudo, porque nasceram na pobreza ou porque sofreram
algum trauma de infância, entre outras desculpas. "Enquanto a sociedade
não mudar, não se pode esperar que eu me comporte de outra forma", tal é o
discurso corrente entre os presos.
Por
que os intelectuais incentivam esse pensamento?
Intelectuais são, em
geral, pessoas muito desonestas. Eles não pensam em si mesmos como
irresponsáveis, mas costumam atribuir essa característica a outras pessoas
com grande facilidade. Ao criarem explicações sociológicas e psicológicas para
desvios de comportamento, eles acabam por desumanizar os criminosos. Um
exemplo disso ocorreu na Inglaterra anos atrás, quando houve uma onda de furtos
de cano. Os bandidos envolvidos nesses crimes, além de lucrar com isso,
realmente gostavam da emoção de furtar muitos veículos em um curto período de
tempo. Alguns criminologistas e psicólogos, ao analisar o fenômeno, começaram
a dizer que furtar carros era uma forma de vício. Sobre essa teoria,
produziram-se inúmeros estudos, alguns dos quais incluíam até exames de
ressonância magnética do cérebro dos bandidos, pára provar que se tratava de
uma doença neurológica. Em pouco tempo, os ladrões de carro começaram a me
dizer na cadeia que eram viciados em furtar veículos. Eles obviamente não
chegaram a essa conclusão sozinhos. Apenas estavam repetindo urna tese
produzida por arrogantes intelectuais de classe média que desconsideravam o
fato de os bandidos serem capazes de escolher entre o certo e o errado
independentemente de fatores externos. Negar sua capacidade de discernimento é
O mesmo que diminuir sua humanidade.
Isso
também vale para criminosos com prováveis distúrbios mentais, como Anders Breivik,
que matou 77 pessoas no mês passado na Noruega?
Sim. Breivik pode ser
louco, mas nem por isso é menos responsável por seus atos. Na tradição legal
anglo-saxônica, o mero fato de você ser doente mental não significa que não
esteja apto a responder por um crime. Depende do tipo e do grau da loucura.
Suponhamos que os médicos descubram que Breivik tem um tumor no lobo frontal do
cérebro. Em casos como esse, o indivíduo pode, sim, ser menos responsável por
seus atos. Da mesma forma, muitos idosos com Alzheimer perdem a inibição
sexual e comportam-se de maneira inapropriada. Há, portanto, algumas doenças
neurológicas que atrapalham a capacidade da pessoa de ter consciência plena de
seus atos criminosos ou antissociais. Não acho que Breivik se encaixe em
nenhuma dessas categorias.
É
possível arriscar um diagnóstico sobre Breivik?
O assassino norueguês
é, obviamente, um homem muito estranho. , Ele tentou justificar a matança com
um manifesto de 1500 páginas. A leitura de algumas páginas é suficiente para
notar características muito claras.
A primeira é que ele
acredita ter encontrado as respostas para todos os problemas do mundo. A
segunda é que ele é paranóico, pois pensa que há uma grande conspiração
destruindo seu país. Terceiro, ele é narcisista. Breivik tem uma idéia muito
elevada c exagerada de sua própria aparência. À parte tudo isso, ele também
tem inúmeros ressentimentos pessoais. Seu pai o abandonou quando ele era ainda
muito jovem, por exemplo. A verdade, porém, é que nada disso serve para traçar
o perfil de um assassino como ele.
É possível encontrar
muitas pessoas com as mesmas características e que nunca fizeram ou farão o que
ele fez.
Em
seu manifesto, a frieza de Breivik está expressa na convicção de uma verdade
absoluta sobre o mundo. O senhor identificou frieza parecida, beirando a
psicopatia, ao analisar a obra de ficção de Cesare Battisti, o terrorista de
esquerda que foi condenado por quatro assassinatos na Itália e ganhou visto
de permanência para viver no Brasil. O senhor vê semelhanças entre os dois?
Há semelhanças, sim.
Ambos tinham certeza de que, com seus crimes, estavam fazendo o bem. Isso,
evidentemente, demonstra que não tinham nenhum senso de proporção. Eles não
conseguiam perceber que sua irritação em relação à sociedade, ao sistema
político e ao governo de seu país era, na verdade, irrelevante e de uma
dimensão muito inferior comparada a todos os outros problemas da humanidade.
Sem esse freio psicológico ou moral, eles se consideraram no direito de dispor
da vida de inocentes como bem entenderam.
Como
explicar a simpatia de intelectuais e políticos brasileiros por Battisti?
Acho que, na visão
dessas pessoas, Battisti teve coragem de exibir uma brutalidade que elas
gostariam de ter tido em algum momento
da vida. Ao apoiá-lo, elas dão respaldo simbólico a um passado pessoal perdido.
Além disso, os crimes perpetrados por estados e grupos totalitários de
esquerda ainda encontram justificativa ideológica. Muita gente acredita
piamente que os erros cometidos em nome do comunismo foram por uma causa
nobre, o que é um absurdo. Em especial, os intelectuais que compactuavam com o
marxismo. Dá para entender: eles eram levados a acreditar que tinham um papel
de liderança na sociedade. Com o desmoronamento do Muro de Berlim, foram
empurrados para a irrelevância. Tudo o que esses intelectuais mais odeiam é
uma sociedade que não precisa deles. Por isso, protegem indivíduos como
Battisti: para reviver um período idealizado.
O
senhor é a favor de prender consumidores de drogas?
A maneira como vemos o
vício de drogas é errada. Tratamos os viciados como vítimas, incapazes de ser
responsabilizados por suas escolhas. Isso é falso. Eles não são vítimas de seu
próprio comportamento. Não existe droga tão viciante a ponto de ser impossível
livrar-se dela. Os drogados usam os entorpecentes por
uma decisão pessoal. Isso não significa que eu não me solidarize com essas
pessoas. O estado mental que as drogas induzem é muito atraente para elas, em
comparação com sua realidade. Mas, quando cometessem algum crime, ainda que
pequeno, sob efeito de drogas ou para comprá-las, os viciados deveriam ser
forçados a entrar em uma clínica de reabilitação. Se não aceitassem o
tratamento, deveriam ser mandados para a prisão. Isso lhes daria motivação para
levar a sério o processo de reabilitação, pois o maior problema com o vício é
que as pessoas não encontram razões para parar. O medo da prisão pode ser uma
delas. A outra é a certeza de ter uma vida melhor livre das drogas.
A prisão pode
ser eficiente mesmo com a facilidade de conseguir drogas atrás das grades?
Sim, porque o indivíduo
não estará na rua, violando a lei. A prisão não é uma instituição terapêutica.
Sua função principal é prevenir crimes que um condenado poderia cometer se
estivesse solto. Há também evidências de que, quanto mais tempo uma pessoa fica
na cadeia, menor a probabilidade de voltar à bandidagem depois de ser
libertada.
Penas
longas são mais eficientes?
Sim. Na
Inglaterra, por exemplo, temos penas muito brandas e poucos detentos.
Isso não é bom. A polícia inglesa, muito incompetente, prende apenas um em cada
doze assaltantes de casas .. Destes, um em cada treze recebe pena de prisão.
Isso significa que apenas um em cada 156 assaltantes cumpre pena em presídio. A
média para esse tipo de crime é de um ano de cadeia. Na Inglaterra, isso
significa que o bandido é solto em apenas seis meses. Com
uma punição tão leve, a pergunta não é por que ocorrem tantos assaltos, mas por
que há tão poucos. Meu país deixou de ser uma sociedade ordeira para se
tornar uma das mais afetadas pela criminalidade, quando comparada a outras da
Europa. O número de presos caiu em proporção ao de crimes. Em 1900, para cada
6,5 crimes registrados, havia um detento. Em 2000, eram 114 crimes para cada preso.
Claro que penas curtas são melhores do que nada. Um bandido reincidente comete,
em média, 140 crimes por ano. Ou seja, se ele for mantido na prisão por seis
meses, setenta crimes serão evitados, o que também é bom. Um dos argumentos
contra as penas de prisão é que a maioria dos detentos é pobre, e que isso é
injusto. Ocorre que a maior parte de suas vítimas também é pobre.
E, como o número de
vítimas é sempre muito maior do que o de bandidos, prendê-los não é uma punição
aos pobres, mas um benefício a eles.
A
Justiça brasileira passou a ter à sua disposição medidas altemativas à prisão
preventiva, como monitoramento eletrônico e pagamento de fiança. Isso é bom?
Pela
experiência britânica, tais medidas são um desastre. Um terço de todos os
crimes da Escócia, inclusive estupros e assassinatos, é cometido por pessoas
em liberdade condicional. Sou a favor desse recurso em
algumas circunstâncias, como para crimes não violentos, mas para uso geral é
uma tragédia. As tornozeleiras eletrônicas são uma temeridade em lugares onde a
administração pública não é eficiente. Nem na Inglaterra a polícia consegue
monitorar os criminosos com esses equipamentos. A pena de prestação de serviços
comunitários também é um pesadelo. A taxa de reincidência para bandidos
condenados a prestar serviços comunitários é a mesma dos que recebem pena de
prisão: 70%. O problema é que a estatística conta apenas os crimes cometidos
após o fim da pena. Nada garante que, enquanto estão soltos, prestando
serviços comunitários, eles não cometam novos crimes. Por fim, em média, cada
detento na Inglaterra já foi condenado outras dez vezes a penas alternativas.
Ou seja, não adiantou nada. Basicamente, ao saber que cumprirão penas
alternativas e ficarão soltos, os bandidos se convencem de que não têm nada a
perder ao cometer um crime. É melhor mantê-los presos,
e por bastante tempo.
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