domingo, 22 de novembro de 2009

Insignificância. Absolvição sumária. Sentença

RÉU: R.M.O.

SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

FURTO. TENTATIVA DE FURTO DE R$ 104,00. VIOLAÇÃO A BEM DE FORMA INSIGNIFICANTE. TIPICIDADE MATERIAL. JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.

Vistos etc.

Trata-se de ação penal em que houve resposta à acusação, tendo o denunciado requerido a aplicação do princípio da insignificância.

É o que basta relatar.

Decido.

A tipicidade penal compreende a tipicidade formal (conduta, resultado naturalístico, nexo e adequação típica estrita à lei) e a material.

Ao lado da tipicidade formal ou objetiva, que foi objeto de preocupação da doutrina clássica do Direito Penal (causalista, neokantista ou finalista), coloca-se mais recentemente a tipicidade material ou normativa.

Conforme leciona a doutrina penalista moderna, notadamente Luís Flávio Gomes no Brasil, na esteira do pensamento de Zaffaroni na Argentina ou Roxin na Alemanha, entre tantos outros, uma conduta somente será considerada materialmente típica quando operado:

1) o juízo de valor de desaprovação da conduta, demonstrando criação ou incremento de riscos proibidos relevantes;

2) o juízo de desaprovação do resultado jurídico (violação a bem jurídico) e

3) juízo de imputação objetiva do resultado, não apenas bastando a aplicação da teoria dos antecedentes causais na definição do nexo, comum à tipicidade formal.

LFG, em sua teoria constitucionalista do delito, ainda acresce nos crimes dolosos o aspecto subjetivo, que abrange assim o dolo e outros elementos (cf. GOMES, Luiz Flávio. "Direito Penal: Parte Geral: Culpabilidade e Teoria da Pena".São Paulo: Revista dos Tribunais: Ielf, 2005).

Para Zaffaroni, a tipicidade nos crimes dolosos divide-se em tipicidade objetiva e subjetiva. Por sua vez, a tipicidade objetiva comporta a (1) tipicidade formal (conduta, resultado naturalístico, o nexo de causalidade e a adequação típica) e a (2) tipicidade coglobante, que abrange a análise da (2.1) lesividade e a da (2.2) imputação objetiva. Subjetivamente, a tipicidade abrange o dolo e outros elementos subjetivos comuns a cada delito (cf. ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIARANGELI, José Henrique. “Manual de Direito Penal Brasileiro”. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999).

Portanto, tanto na tipicidade conglobante de Zaffaroni como na tipicidade material de Gomes, não haverá conduta típica sem ofensa a bem jurídico.

O acusado foi detido em flagrante por tentativa de furto de R$ 104,00.

Para fins de reconhecimento da lesividade penal, o valor do bem não nega que se aplica ao caso a insignificância penal. Não se deve confundir o conceito comum de insignificância com a insignificância penal.

Um bem no valor de R$ 104,00 pode ser sim insignificante para fins penais. No caso, à luz a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade penal do comportamento do denunciado, que tentou subtrair uma importância equivalente a R$ 104,00.

A jurisprudência dos tribunais segue uníssona, admitindo a insignificância, v. g., numa tentativa de subtração de coisa estimada em cento e trinta reais:

“AÇÃO PENAL. Delito de furto. Subtração de aparelho de som de veículo. Tentativa. Coisa estimada em cento e trinta reais. Res furtiva de valor insignificante. Inexistência de fuga, reação, arrombamento ou prejuízo material. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento, quando tenha sido condenado. (Supremo Tribunal Federal STF; HC 92.988-5; RS; Segunda Turma; Rel. Min. Cezar Peluso; Julg. 02/06/2009; DJE 26/06/2009; Pág. 133)”.

Noutro caso, o Supremo Tribunal Federal considerou insignificante a subtração de roda sobressalente com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00 (cento e sessenta reais):

“AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de roda sobressalente com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser afastada a condenação do agente, por atipicidade do comportamento. (Supremo Tribunal Federal STF; HC 93.393-9; RS; Segunda Turma; Rel. Min. Cezar Peluso; Julg. 14/04/2009; DJE 15/05/2009; Pág. 162)”.

O Superior Tribunal de Justiça considerou insignificante a subtração tentada de R$ 143,96, muito embora não expresse intensa agressão ao patrimônio da vítima, não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela:

“HABEAS CORPUS. CRIME DE FURTO TENTADO. CONDENAÇÃO MANTIDA EM SEDE DE APELAÇÃO. OBJETOS DE PEQUENO VALOR (ROUPAS AVALIADAS EM R$ 143,96). INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A conduta perpetrada pelo agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. O delito em tela - subtração tentada de quatro camisas sociais, avaliadas em de R$ 143,96 (cento e quarenta e três reais e noventa e seis centavos) -, muito embora não expresse intensa agressão ao patrimônio da vítima, não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela, por apresentar efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. 2. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a gravidade da conduta. 3. Ordem denegada. (Superior Tribunal de Justiça STJ; HC 133.039; Proc. 2009/0062968-1; RJ; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Hilário Vaz; Julg. 16/06/2009; DJE 03/08/2009)”.

Para o Superior Tribunal de Justiça, a tentativa de furto de uma bateria automotiva (R$ 150,00) não revela o comportamento do agente lesividade suficiente para justificar a condenação:

“AGRAVO REGIMENTAL. PENAL. TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. Embora atualmente, em razão do alto índice de criminalidade e da conseqüente intranquilidade social, o Direito Penal brasileiro venha apresentando características mais intervencionistas, persiste o seu caráter fragmentário e subsidiário, dependendo a sua atuação da existência de ofensa a bem jurídico relevante, não defendido de forma eficaz por outros ramos do direito, de maneira que se mostre necessária a imposição de sanção penal. 2. Em determinadas hipóteses, aplicável o princípio da insignificância, que, como assentado pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 84.412-0/SP, deve ter em conta a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Tratando-se de tentativa de furto de uma bateria automotiva, avaliada em R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), não revela o comportamento do agente lesividade suficiente para justificar a condenação, aplicável, destarte, o princípio da insignificância. 4. Agravo regimental desprovido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; AgRg-REsp 1.107.154; Proc. 2008/0286519-5; RS; Sexta Turma; Rel. Min. Paulo Benjamin Fragoso Gallotti; Julg. 05/05/2009; DJE 25/05/2009)”.

Reconheço que se trata o acusado de pessoa já envolvida com outras práticas ilícitas, mas antecedentes não são determinantes à análise da ofensividade. Neste sentido é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Este tribunal já pacificou que “para a incidência do princípio da insignificância só devem ser considerados aspectos objetivos da infração” e não elementos de ordem subjetiva.

Vejamos então o julgado:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM E NÃO APLICADO PELA CONTUMÁCIA DO RÉU. ARTIGO 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRECEDENTES. 1. Não se admite Recurso Extraordinário em que a questão constitucional cuja ofensa se alega não tenha sido debatida no acórdão recorrido e nem tenha sido objeto de Embargos de Declaração no momento oportuno. 2. Recorrente condenado pela infração do artigo 334, caput, do Código Penal (descaminho). Princípio da insignificância reconhecido pelo Tribunal de origem, em razão da pouca expressão econômica do valor dos tributos iludidos, mas não aplicado ao caso em exame porque o réu, ora apelante, possuía registro de antecedentes criminais. 3. Habeas corpus de ofício. Para a incidência do princípio da insignificância só devem ser considerados aspectos objetivos da infração praticada. Reconhecer a existência de bagatela no fato praticado significa dizer que o fato não tem relevância para o Direito Penal. Circunstâncias de ordem subjetiva, como a existência de registro de antecedentes criminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do instituto. 4. Concessão de habeas corpus, de ofício, para reconhecer a atipicidade do fato narrado na denúncia, cassar o Decreto condenatório expedido pelo Tribunal Regional Federal e determinar o trancamento da ação penal existente contra o recorrente (Supremo Tribunal Federal STF; RE 514.531-0; RS; Segunda Turma; Rel. Min. Joaquim Barbosa; Julg. 21/10/2008; DJE 06/03/2009; Pág. 130)”.

CONCLUSÃO

PELO EXPOSTO, ABSOLVO sumariamente o acusado por reconhecer a insignificância, excluindo a tipicidade penal, verificado que houve a descrição apenas de uma tentativa de furto de R$ 104,00.

Cumpra-se: Intime-se e cumpra-se o requerido pelo Ministério Público; Lavre-se termo.

P.R.I. Expeça-se alvará.

Natal, 14/11/2009

Fábio Wellington Ataíde Alves

13º Juiz Auxiliar

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