Ninguém pode ser preso antes do trânsito da sentença?
Antonio Sbano - Juiz de Direito
A imprensa noticiou, com muita cor, a falsa notícia de que o Supremo Tribunal Federal determinou que ninguém possa ser preso antes que a sentença condenatória tenha transitado em julgado.
As aparências enganam, diz um velho brocardo!
A notícia, com o colorido que lhe emprestaram, se transformou numa avalanche de manifestações, em geral contra a decisão e clamando por maior rigor no combate à violência.
Infelizmente, nós brasileiros temos o hábito de se deixar levar pelo canto da sereia e, antes mesmo de refletir e de avaliar profundamente os fatos, sair propalando ao vento aquilo que ouvimos, sem aferir o quanto de verdade tem o quanto se afirma.
Evidente que o Estado precisa prevenir e reprimir a crescente onda de violência, mas deve fazê-lo sem violar os direitos e garantias individuais e com respeito ao devido processo legal.
Ao Supremo Tribunal Federal compete o sublime encargo de ser o defensor da Constituição e, portanto, dos direitos e garantias individuais de todos os que aqui habitam, ricos ou pobres.
A nós juízes, de 1º ou de 2º Grau, resta-nos o dever de aplicar a lei de forma indistinta, mesmo que o réu não esteja sendo bem representado – enfim, A PROVA SE DESTINA AO JUIZ, AO SEU CONVENCIMENTO, E NÃO ÀS PARTES. É dever do juiz conduzir o processo para a busca da verdade real. Assim, se o réu é pobre e sem uma defesa mais qualificada, como dizem os demagogos, isto não pode nem deve influenciar na instrução processual, cabendo ao juiz determinar o quanto necessário para formar e firmar seu convencimento para, então, decidir com equidade, isto sem se preocupar com a opinião pública ou o sensacionalismo da mídia.
Antes de criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal, por sinal tomada por maioria de votos, é preciso se conhecer o processo e examinar os motivos que levaram à concessão do HC em favor do fazendeiro mineiro.
Em apertada síntese, o réu foi julgado e condenado pelo Tribunal do Júri à pena privativa de liberdade, sendo-lhe reconhecido o direito de apelar em liberdade – isto não é favor ou boa defesa, mas direito do réu, isto é, se preencher os requisitos legais para tanto - e reconhecer tal direito é dever de ofício do juiz. Recorreu. Tramitando a apelação, o Ministério Público informando de que o fazendeiro estava vendendo o gado e outros bens, postulou o decreto prisional, obtendo êxito e ensejando o remédio heróico ao STF. Após longa tramitação, Ordem concedida.
Ocorre que o STJ (HC 19.676) manteve o decreto prisional não pela venda dos bens e a indicação de que o réu poderia se evadir, mas sim por entender, até com respaldo na jurisprudência do STF, de que o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário, não tendo efeito suspensivo, não impedem a prisão e o início do cumprimento da pena. Verifica-se que a ordem prisional foi mantida por fundamento diverso daquele que ensejou o seu pedido. O STF limitou-se a apreciar a questão constitucional descortinada, qual seja o início do cumprimento da pena antes do trânsito da sentença condenatória, concluindo que tal proceder fere o princípio da presunção da inocência encartado no art. 5º, da CF.
O noticiário mais técnico informa que do voto do Relator, restou declarado só se justificar a prisão quanto presentes os motivos do art. 312, do Código de Processo Penal:
“A prisão só pode ser decretada a título cautelar, nos casos de prisão em flagrante, prisão temporária ou preventiva”. (Mins.Eros Grau, relator do HC, fonte Conjur, de 05.02.2009)
Vale a pena ler o voto magistral do Mins. Eros Grau (http://conjur-s2.simplecdn.net/dl/hc84078_eros.pdf). Com efeito, admitir-se o cumprimento da pena antes do trânsito da sentença é temerário uma vez que se o réu se quedar absolvido, nenhuma reparação pecuniária irá lhe restituir as horas de confinamento, por mais curtas que tenham sido.
Não resta nenhuma dúvida se o motivo da ordem prisional fosse o risco, sério e convincente, do réu se furtar à aplicação da lei, a decisão seria outra. Mas, tal qual posta a questão, o STF limitou-se a apreciar, como lhe compete, a constitucionalidade da decisão sob a ótica de seu deferimento, ou seja, não tendo o recurso especial e o extraordinário efeitos suspensivos, se impõe aplicar o princípio da presunção da inocência, não se admitindo a prisão a título de antecipação da execução da pena.
Desta sorte, tem-se que a matéria divulgada ao público diz apenas a meia verdade. Se o juiz ao sentenciar FUNDAMENTAR a necessidade da prisão cautelar e o fizer pautado nas provas apresentadas, afasta-se o direito de liberdade, mas não a presunção da inocência, situações jurídicas diversas. Privar-se alguém, preventivamente, de seu direito de ir e vir, é uma faculdade legal conferida ao juiz, desde que atendidos os requisitos legais; dizer ser alguém culpado, só após condenação definitiva sob pena de se fazer letra morta ao preceito da Lei Maior.
Argumentam alguns, como bem salientou o E. Mins. Eros Grau em seu voto que o manejo de recursos, até infundados, estimula a violência e a impunidade. Data vênia ao pensamento de tais operadores do Direito, mesmo reconhecendo a necessidade de modificação da norma legal, existe mecanismo para evitar o seguimento de recursos manifestamente incabíveis.
Outrossim, se o juiz estiver convicto de que o réu representa um sério risco à sociedade, enquadrando-se numa das hipóteses do art. 312 do CPP é seu dever de ofício decretar a prisão preventiva, o que, repita-se, não se confunde com a antecipação do cumprimento da pena, uma verdadeira aberração jurídica a contrariar os ditames da presunção de inocência.
Não se faz JUSTIÇA decidindo com paixão ou compaixão; notícias truncadas apenas contribuem para desestabilizar as Instituições e gerar temor na população, estimulando, ai sim, a prática de crimes.
FONTE: Associação Nacional dos Magistrados Estaduais
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