3 12 2007
No post intitulado “Uma juíza no Vaticano”, recomendei dois documentários da cineasta Maria Augusta Ramos. Um se chama “Justiça” (2004, VideoFilmes), que relata o ambiente desumano de uma Vara Criminal, e o outro chama-se “Juízo”, que aborda o ambiente também desumano das Varas de Infância e Juventude.
Erasmo escreveu-me pedindo mais informações sobre os documentários de Maria Augusta Ramos.Sobre o documentário “Justiça”, há um ensaio de Felipe Muanis, cujo título é “Documentários e ficções: discurso e ideologia em Justiça e Ônibus 174” (http://www.doc.ubi.pt/02/felipe_muanis.pdf). Neste ensaio, vamos entender como foi produzido o documentário de Maria Augusta Ramos, que se desenvolve numa linguagem seca e sem muitos recursos audiovisuais, buscando (e provocando), assim, a reflexão do espectador. Friamente, somos conduzidos aos mecanismos que levam a justiça a falhar.Sobre “Justiça”, o Jornal O POVO publicou a seguinte resenha em 11/11/2005:
Em uma visão geral do imaginário cinematográfico, o pouco que se sabe sobre o cotidiano do sistema judiciário é oriundo de ficções norte-americanas com os chamados “filmes de tribunal”. Quando um documentário como Justiça aparece para evidenciar de forma bastante clara como se articulam as relações de poder na justiça criminal brasileira, o resultado é no mínimo impactante. De saída, há um deslocamento de sentido e uma tentativa de despojar o olhar desse véu idealizado sobre os atores sociais que movimentam o Poder Judiciário.Usando os mesmos aspectos formais do cinema-direto, a diretora Maria Augusta Ramos deixa sua câmera estática para registrar a frieza do ambiente nas salas de audiência e o caráter ritualizado dos interrogatórios feitos por juízes aos réus, dentro do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Não há entrevistas ou depoimentos no documentário. Fixa em tripé, a câmera comporta-se como olhar neutro e quase ausente. Mas o uso de várias câmeras permite uma montagem que sublinha os jogos de olhares entre juízes, promotores, defensores e réus.
Nesse sentido, o documentário revela a brutal distância de linguagem entre quem faz e executa a lei e aqueles que são condenados por ela. Nos tribunais, juízes insistem em ler documentos com acusações e sentenças escritas pelo Ministério Público em linguagem acadêmica e hermética para o réu. A postura empolada dos magistrados da justiça revela um mecanismo de poder excludente, onde o juiz permanece em patamar superior e o réu com braços recuados. Com os dedos teclando impacientemente sobre a mesa, a juíza e futura desembargadora Fátima Clemente é o símbolo da arrogância. O silêncio é particamente brutal nesses casos em que o diálogo parece ser impossível. Os longos corredores do tribunal, em típico cenário asséptico e iluminado, são indícios do labirinto sem saída de um sistema penal alienado das condições político-econômicas do Brasil.Apesar da aparente imparcialidade de Justiça, fica evidente o posicionamento da cineasta diante das discussões em torno do tema. Ela sabe exatamente qual cena terá mais impacto para o público. Ao registrar várias seqüências filmadas em celas lotadas de presos na Polinter, Maria Augusta Ramos aponta o olhar sobre a completa indiferença quanto ao sistema carcerário brasileiro.Seu posicionamento é legitimado em outra cena que mostra a defensora pública Maria Ignez Kato - uma das poucas personagens humanizadas do documentário, conversando com familiares na mesa de jantar sobre sua rotina de trabalho. “Esses promotores pensam que vão salvar a sociedade. Dizem que ninguém é preso nesse país, enquanto os presídios estão aí superlotados”, argumenta. Maria Ignez acrescenta que só os mais pobres acabam presos. “São só gente pé-de-chinelo, que rouba celular, carteira, pequenas coisas. Outro dia tive apareceu um acusado de roubo de três óleos de pele e tive entrar com vários recursos para livrar ele da cadeia”.
O documentário aborda o julgamento de cinco réus de furto e porte de drogas, mas escolhe um deles para conduzir o filme: o jovem Carlos Eduardo, que está sendo julgado por porte de carro roubado. Justiça acompanha o desespero da mãe de Carlos, entre idas a uma igreja evangélica, além do nascimento do segundo filho do rapaz com uma namorada. Da mesma forma, Maria Augusta filmou a intimidade familiar do juiz Geraldo Prado e da defensora pública Maria Ignez. É nesse momento que o filme peca, pois acaba teatralizando as ações dos personagens. Essas cenas deixam o documentário com ar falso e ficcionalizado. Mas Justiça serve como bom exercício de linguagem e como questionamento sobre o sistema judiciário e carcerário no País.
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É possível encontrar “Justiça” no site www.videolar.com/ProdutoDVD.asp?productid=108054&cod_sub_media=3906&WT.SRCH=1 pelo valor de R$ 50,00. Este mesmo preço está no seguinte site www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=11152.
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O documentário “Juízo” da mesma diretora também aborda um tema judiciário, mas ainda não está sendo distribuído em DVD. A sua estréia está prevista para março de 2008 nos cinemas. Neste documentário, que já foi exibido no festival de cinema do Rio (em setembro), a crítica tem dito que há um complemento com o filme “Tropa de Elite”, de Zé Padilha, mesmo diretor do consagrado documentário “Ônibus 174″.
“Juízo”, que retrata o ambiente de adolescentes infratores, mostra a falência das instituições ressocializadoras. Ao ler sobre este documentário, senti que o Judiciário parece ser uma máquina, tal qual aquela que descreve Kafka na “Colônia Penal”, ou seja, uma máquina muito complexa, em função de que alguma coisa sempre falha. O problema é que a sociedae sempre perde quando o Judiciário falha.
Sobre a cineasta, cf. A Trajetória de uma documentarista solitária: foco distanciado. Por Dorrit Harazim. Revista Piauí, n. 14, ano II, novembro de 2007, p. 68-70.
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