25 10 2007
Meu amigo Jessé escreveu-me dizendo esperar que os juízes do Brasil construam “algo mais democrático”. Eu, um cético conservador, que muito mais acredita no continuísmo, fico cada vez mais atolado nas minhas convicções quando tomo conhecimento de notícias como a que saiu pela Folha de São Paulo. O juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues da Comarca de Sete Lagoas/MG considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha. Até aí tudo bem. Mesmo que ele esteja dentro dos limites formais do controle difuso de constitucionalidade, o mais incrível é que o juiz rejeitou pedidos de medidas contra agressores de companheiras sob argumentos machistas e não jurídicos.
Em várias sentenças, o magistrado chegou a afirmar o seguinte: “Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!”. E por aí vão os argumentos…
Se este juiz pensa assim sobre as mulheres, o que dirá sobre os homossexuais, os negros, os pobres e discriminados em geral? O que pensa sobre ações afirmativas?
Ora, se até o século passado, muitos dos sistemas internos de poder (extrajurídicos) eram ignorados, hoje em dia a legislação caminha para identificar e proteger as relações internas de poder. Assim, por exemplo, a relação pai-filho é uma relação de poder e pelo menos até o século passado era uma relação de poder quase absoluto. Hoje, este poder está sendo depurado, tanto que existem as Varas de Infância e Juventude para impedir o abuso do poder parental. A relação entre patrão e o empregador na época da Revolução Industrial e ainda hoje em muitos lugares do País dá-se de forma semelhante à relação senhor-escravo. A Justiça de Trabalho se justifica como um eficaz mecanismo de controle da exploração indiscriminada do trabalho. A relação entre os companheiros (homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher) também são relações internas de poder e que ainda hoje são exercidas em muitos casos sobre a opressão absoluta de um dos companheiros, mais freqüentemente o homem. A Lei Maria da Penha veio justamente para equilibrar este tipo de relação.
A depender do juiz Edílson, a Lei Maria da Penha está sob sete Palmos, o que somente eleva a preocupação dos órgãos públicos para trazer a norma ao campo da efetividade. Como visto, os sistemas internos de poder possuem representantes até no Judiciário. Há neste Poder agentes públicos opressores!
Felizmente, o caso não ficou totalmente impune. O juiz da 1ª Vara Criminal e de Infância e Juventude de Sete Lagoas já teve uma de suas sentenças reformadas pelo Tribunal de Justiça. o Conselho Nacional de Justiça também já foi acionado pela Ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Ah, Jessé, sobre a construção de uma democracia pelos juízes, sou cauteloso… Vou esperar sentado (rss.)…
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