29 05 2008
Publiquei o seguinte artigo no portal da AMB.
Antônio Sapucaia: o exemplo que provém de Alagoas
Fábio Wellington Ataíde Alves
Juiz de Direito em Mossoró/RN
Conselheiro da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte
Neste ano, a história judiciária nacional conheceu uma de suas decisões mais admiradas desde a fundação republicana do Poder Judiciário. Não estou exagerando. Refiro-me à decisão do Des. Antônio Sapucaia que, dando efeito a um julgamento realizado pelo juiz Gustavo Souza Lima, afastou a mesa diretora da Assembléia legislativa alagoana, mantendo os deputados não somente distantes da direção do Legislativo, mas inclusive dos respectivos mandatos. A coragem do Desembargador, que demoveu dez deputados estaduais, eleva o Judiciário a um momento histórico único.
Ao tomar conhecimento do afastamento dos deputados pela televisão, ouvi de um cidadão comum que aquele juiz era muito macho, como é comum no Nordeste dizer-se das pessoas notabilizadas por seus atos de bravura. Mesmo sabendo que não iria ser compreendido, usei um trocadilho para concordar com o cidadão, dizendo-lhe que aquele magistrado era mesmo muito Marshall. É de se admirar, com razão, que o Des. Marshall das alagoas receba humildemente a repercussão de sua decisão, afirmando que fez o que qualquer um faria. Não, Sapucaia. Qualquer juiz não faria o que o senhor fez.
Regressemos então ao tempo do verdadeiro Marshall: no caso Cohens versus Estado de Virgínia (1821), John Marshall (1755—1835) consagrou que qualquer cidadão pode demandar contra o Estado. Estava certo. A fortaleza dos direitos está no Judiciário e não apenas nas leis. Para Marshall, é preferível que se confie nos tribunais, tanto assim que ele decidiu nesse caso que o Judiciário “se estende a todas as causas derivadas da Constituição ou de alguma Lei dos Estados Unidos, quaisquer que sejam as partes”.
Portanto, o caso Cohens discute os privilégios que se podem conceder – e se concedem – ao Estado e a seus agentes. Sapucaia não anteviu razões para reconhecer diferenças entre cidadãos, que estejam ou não exercendo função em algum poder. O magistrado não se intimidou pelas pessoas que estavam sendo atingidas por sua decisão, mas, ao que parece, levou justamente em consideração este fato para tornar mais grave o julgamento da violação ao patrimônio púbico.
Sapucaia, este senhor de pele negra, cabeleira branca e olhar gentil, dá-nos lições de como somos atrasados para o nosso tempo. Entre os adminstradores públicos, o nosso tempo oferece o caso de um governador que aluga um jatinho, no qual leva a sogra para entreter-se na Europa, sem inferir qualquer violoção à moralidade pública.
Sapucaia é um exemplo vivo de quando o presente tomado pelo passado pode deixar que o futuro dê um relâmpago de graça, afugentando as moscas que se aglomeram sobre a coisa pública putrefata. Durante instantes, nós pensamos em mudanças, tão logo tudo volte ao normal, quão rapidamente regressem os insetos ao cadáver cujo féretro ainda não se cerrou.
Infelizmente, a decisão em análise está sendo comentada pelo êxtase que causa. Não obstante uma exceção, o julgamento nos traz luz e emoção de um dever cumprido. Em seu famoso discurso de posse no Tribunal de Justiça, Sapucaia prometeu reerguer a Assembléia Judiciária de Alagoas “da estagnação ético-moral em que se encontra”. No seu empenho ético, o Desembargar logrou mesmo fazer-se ouvir para fora do seu pequenino Estado, erigindo um forte pilar para a sustentação da imagem do Judiciário nacional.
O ato de bravura do velho magistrado nos deixa – nós jovens juízes – animados, a espera da concretização do Judiciário como o redentor da moralidade pública. Resta-nos agora confiar no tempo. Como discursou o Desembargador em sua posse, “o tempo, na sua insônia e vigilância infinitas, tem a missão de transformar as pessoas, as coisas, os fatos, criar e destruir conceitos, modificar idéias e ideais, assistindo a tudo impassivelmente, sem que nada lhe escape”. Este tem sido o sonho de Sapucaia; este deve ser o sonho da magistratura.
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