1 09 2008
Justiça Pobre para Pobres: a justiça em papel de embrulhar pão
Fábio Wellington Ataíde Alves
Juiz de Direito em Mossoró/RN
Coordenador Adjunto ESMARN/Mossoró
Conselheiro da Associação dos Magistrado/RN
Fonte: ALVES, Fábio Wellington Ataíde. Justiça Pobre para Pobres: a justiça em papel de embrulhar pão. “Gazeta do Oeste”, Mossoró, 24/08/08, Coluna de Fato e de Direito, p. 7. Disponível em www.mossoro.esmarn.org.br
No dia 14/07/2008, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Gilmar Mendes, disse em entrevista que “muitas vezes o tribunal tem recebimento (sic) habeas corpus até em papel de pão”, numa tentativa de demonstrar que a Suprema Corte não se presta apenas para soltar empresários ricos (http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL646334-9356,00.html, acesso em 16/7/2008).
Uma Justiça que recebe habeas-corpus em papel de embrulhar pão não pode ser dita que, por isso, é acessível. O réu que impetra habeas-corpus usando tais meios o faz não porque o Judiciário é eficiente na proteção de direitos, mas porque a assistência jurídica ainda continua sendo inacessível ou inexistente para muitos brasileiros. Isto é indubitável. Em São Paulo, a OAB suspendeu convênio com a Defensoria Pública e assim deixou de fazer atendimentos gratuitos a pessoas carentes. Em Mossoró/RN, o serviço de Defensoria Pública também deixou de funcionar e o papel das Defensorias segue sendo cumprido pelas faculdades de direito. Esta é uma realidade que ainda se repete em boa parte dos Estados brasileiros.
Não obstante a inércia do Poder Executivo, o Legislativo almeja resolver a morosidade no Judiciário apenas sob a ótica do juiz ou do Ministério Público, implantando procedimentos contra inércia desses agentes.
Dessa forma, a Sugestão nº 144/05, do Conselho de Defesa Social de Estrela do Sul, propõe alteração no Código de Processo Civil para se criar procedimento contra a inércia dos Juízes e membros do Ministério Público. A Sugestão em referência propõe que se substitua o juiz titular da causa sempre que o processo ficar sem movimentação pelo prazo de 90 (noventa) dias, ou não ter decisão definitiva dentro de 2 (dois) anos de seu ajuizamento.
A Câmara também estuda o Projeto de Lei n. 3.375/08, do deputado Luciano Castro (PR-RR), que visa dar prioridade à tramitação dos processos de competência do Tribunal do Júri. Segundo a Proposta, os processos serão “prioritários, em qualquer instância de julgamento”, responsabilizando penal e administrativamente o juiz e o Ministério Público pela sua procrastinação.
A morosidade no Judiciário não se resolve como se fosse um problema de fila de banco. Não será apenas convocando um juiz substituto que solucionaremos esta questão. E quando o juiz substituto ultrapassar o prazo? Chamam o substituto do substituto? E se o juiz substituto já possuir processos com excesso de prazo? Como visto, não é assim que se decide a questão da morosidade.
Por outro lado, não esqueçamos a existência de Varas e Comarcas que simplesmentes estão sem juízes e promotores titulares ou sem o número adequado de servidores. Em épocas de eleições, por exemplo, os juízes simplesmente precisam dar prioridade às questões eleitorais, muitas vezes em detrimento de outras ações.
Não se amplia a produção dos juízes sem discutir a sua capacidade de produção. A produção no Judiciário também não prescinde da análise dos casos de excesso de demanda em muitas Varas.
Leis e mais leis surgem combrando produtividade judicial, mas não asseguram os seus meios e tampouco garantem a eficácia das leis que já existem. Muitos juízes não possuem a capacidade de produzir satisfatoriamente, de acordo com que se espera deles, muito mais porque, em muitos casos, o motivo se dá por razões alheias à sua vontade.
Sem aumentar a capacidade de produtividade do Judiciário, não há produtividade do juiz. Uma coisa é morosidade “no” Judiciário e outra é a morosidade “do” Judiciário, o que não se confunde, além disso, com a morosidade do juiz. A morosidade “no” Judiciário não é só “do” Judiciário.
Assim sendo, a análise da questão da morosidade também perpassa pela morosidade de tantos outras agentes e outras causas que estão relacionadas com essa questão complexa. A eficácia do Judiciário não se mede pela sua capacidade de receber petições acabrunhadas em papel de pão, porque a nenhum país democrático se espera para os pobres uma justiça pobre.
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