sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Algemas e algemados

19 08 2008


ANÚNCIO*
“Vendo dois pares de algemas usadas, em bom estado, marca Rossi e Zorro. Muito usadas. As mesmas já algemaram punguistas, ladrões de todas as espécies, traficantes, homicidas, bêbados, arruaceiros, agressores de mulheres, estelionatários. Já estiveram nos pulsos de bandidos de renome. Ideal para colecionadores e praticantes de sexo bizarro. Preço a combinar. A única que algemou o Rei da Noite do Rio de Janeiro, e o autor do homicídio da Daniela Perez, entre outros. Aceito oferta, pois não servem mais para minha atividade”.
*O anúncio acima não é o das algemas rosas da foto, mas os das algemas do comissário de Polícia Civil Aurílio Nascimento, que enviou esta nota de vendo ao portal da Fenapef – Federação dos Policiais Federais.
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Gilmar Mendes está danado. A polícia federal realizou operação no Mato Grosso (seu Estado) e prendeu 32 pessoas; todas saíram algemadas…
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Vai aqui então o texto da Súmula Vinculante n. 11:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Pela súmula, agentes públicos estão sujeitos à responsabilidade civil e penal se não justificarmos o uso de algemas. É mesmo necessário explicitar que há responsabilidade por violação da súmula vinculante? Claro que não há necessidade e todos já sabem dos efeitos do descumprimento de uma súmula vinculante. O texto refere-se à responsabilidade como um aviso, uma cerimônia degradante da atividade dos agentes dos Estado.E se a decisão que decretar o uso de algemas não estiver bem fundamentada? Também respondemos por isso?
Fico pensando o que passa na cabeça dos delegados no momento de prender alguém.Como disse o delegado Federal Ricardo Saadi, não é possível avaliar se o preso é perigoso, porque muitas vezes o preso não dá nenhum sinal de fuga. E aí como fundamentar em tais situações?É dificil avaliar a situação de perigo. Eu mesmo, durante uma audiência in loco em Mossoró, quase fui ferido a faca, tendo de correr por dezenas de metros nos becos de uma favela, juntamente com o servidor que me acompanhava, para não ser atingido pela investida de um interrogado, que sem mais nem menos resolveu atacar repentinamente com uma faca (e isto era uma audiência cível!).
Em sua luta contras as cerimônias degradantes do processo penal (o que é muito elogiável), o Min. Mendes está mesmo construindo um conjunto de posturas que formam cerimônias degradantes da atividade do Estado. Também sou favorável a abolição das algemas, mas a sua regulamentação não faz parte de uma proposta estritamente garantista, mas integra um conjunto de ações de desmoralização do Judiciário. O momento e a forma de regulação do assunto está indicando isto.Mendes está “desconstruindo” a autoridade judicial, achando que com isto está estabelecendo um regime de garantias individuais. E as garantias individuais dos que realizam prisões diariamente?
Tecnicamente parece simples o texto da súmula, determinado que o uso de algemas seja empregado em caso de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, mas nem sempre será possível determinar com claridade tais condições.
Na verdade, o fundado receio de fuga vai ficar mesmo para os PPP da vida. A súmula terá uma finalidade prática de proteger só os bem-apessoados. Contra estes não haverá receio de fuga. Pra que fugir? Quanto aos pobres, estes continuarão sendo algemados…, como sempre foi. O Brasil mudou para continuar como antes.
Estão os juízes a todo momento ameaçados civil e penalmente por leis que nos intimidam, como se todo o juiz fosse o “culpado” e como se a pretensão punitiva não integrasse o âmbito do Estado de Direito. Temo que o novo Brasil não conhece e não conhecerá o combate à macrocriminalidade, coisa que já comum em outros países. Está mesmo com razão Rezek, que em palestra em Campina Grande disse que a corrupção viola os direitos humanos e quem mais perde com ela são as pessoas dos Estados pobres. Aliás, os pobres sempre perdem. Neste episódio das algemas não foi diferente.
Deixem o juiz trabalhar!
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Termino aqui com uma “ação negativa”. Com base na súm. vinculante n. 11, Ministro do STJ deferiu liminar para Cacciola não ser algemado durante saídas do presídio. Hei, esperem aí? Cacciola? Ele não representa risco de fuga? Ele não é aquele que fugiu do país? Estão vendo pra que serve a súmula? Segundo a decisão, ao que parece, o risco não deve se basear em fatos passados. Se Cacciola não representa risco de fuga, como saber quem possui risco de fuga então? Basta que o próprio réu diga que não deseja fugir? Aguardo respostas, Ministro.

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