No Conselho de Justiça Militar/RN, condenei policial militar por crime de corrupção passiva. Segundo a decisão, depois do trânsito em julgado da decisão, o Ministério Público poderá ofertar uma ação (representação) perante o Tribunal de Justiça para fins de exclusão do policial militar.
No entanto, tomei conhecimento de alguém escrevendo que deveria ter sido determinado a exclusáo imediata do policial. Como existem entendimentos equivocados sobre essa questáo, principalmente porque algumas pessoas desconhecem a alteração da matéria a partir de emenda constitucional de 2004, resolvi fazer uma nota técnica de esclarecimento.
Essa nota técnica é destinada principalmente a estudantes e profissionais que tratam com a questão.
Segue:
NOTA TÉCNICA DE ESCLARECIMENTO
Considerando críticas publicadas na internet por autoridade pública quanto
à não exclusão imediata de policial militar pelo Conselho de Justiça Militar do
Estado, quando da condenação por crime de corrupção passiva tipificado no
Código Penal Militar, venho a público reiterar os termos da sentença
condenatória, que está constitucionalmente adequada, cabendo ao Ministério Público,
a partir do trânsito em julgado da decisão, iniciar a representação junto ao
Tribunal de Justiça para fins exclusão ou não do policial militar.
Como ficou especificado em notícia sobre o caso veiculada no site do
Tribuanl de Justiça do Rio Grande do Norte, com
relação a exclusão do policial militar da corporação, “cabe ao tribunal
competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da
graduação das praças” (http://www.tjrn.jus.br:8080/sitetj/GerenciadorServlet.do?secaoSelecionada_id=9&id=9728&action=GerenciadorWeb&operacao=exibirInternet&exibir=E®istrarLeitura=true).
A questão a ser esclarecida refere-se
ao fato da possibilidade de a autoridade judiciária, em sede de primeiro grau
de jurisdição, na Justiça Comum ou na Justiça Militar Estadual, ser competente
ou não para aplicar a perda da função pública ao militar estadual condenado,
seja como pena acessória ou como efeito da condenação.
Acerca do assunto, algumas considerações técnicas devem ser feitas.
Assim, o ponto de partida para o esclarecimento da questão repousa,
necessariamente, na definição da condição do acusado, isto é, primeiramente
deve o Juiz verificar se o profissional a ser julgado detém, na Corporação, a
condição de Oficial ou de Graduado (comumente chamado de Praça), notadamente
porque, a depender da situação, a
Constituição Federal confere determinadas garantias específicas que são
aplicadas ora apenas aos oficiais, ora também aos graduados.
Insta esclarecer que, na legislação militar, sobretudo no Estatuto
dos Policias Militares do Rio Grande do Norte (Lei nº 4.630, de 16 de dezembro
de 1976), ocupam a condição de oficiais os militares estaduais detentores
dos postos de 2º Tenente, 1º Tenente, Capitão, Major, Tenente Coronel e Coronel,
cujas prerrogativas são instituídas pela Carta Patente, conferida pelo Chefe do
Poder Executivo estadual. Por sua vez, são graduados o Soldado, o Cabo, o
Sargento e o Subtenente.
Pois bem.
Tratando-se de julgamento de
crime militar ocorrido no primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar
estadual, em caso de condenação à pena privativa de liberdade, de tempo
superior a 2 (dois) anos (Arts. 99 e 102 do Código Penal Militar), não compete à autoridade judiciária declarar
a perda do posto e da patente do Oficial e da graduação da Praça, o que
acarreta a perda da função pública em ambos os casos. Tal decisão cabe ao segundo grau de
jurisdição daquela Justiça Especial, ex vi do art. 125, § 4º, da
Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Verbis:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os
princípios estabelecidos nesta Constituição.
[…]
§ 4º Compete
à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos
crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos
disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for
civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da
patente dos oficiais e da graduação das praças. Negritos acrescidos
De se notar que o texto constitucional, nos casos de condenação por
crime militar, observado o quantum da pena privativa de liberdade
aplicada, atribui a competência para
declarar a perda do posto e da patente do Oficial e da graduação da Praça apenas
ao segundo grau de jurisdição da Justiça Militar estadual, não podendo a perda
da função do militar estadual condenado ser declarada no primeiro grau de
jurisdição.
Esclareça-se, por oportuno, que o primeiro grau de jurisdição da
Justiça Militar estadual é composto pelos juízes de direito e pelos Conselhos
de Justiça, enquanto o seu segundo grau se compõe pelo Tribunal de Justiça
Militar ou, na inexistência deste, pelo próprio Tribunal de Justiça de cada
Estado, consoante se verifica no art. 125, § 3º, da Constituição Federal:
Art. 125. Omisses
[…]
§ 3º A lei
estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça
Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e
pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de
Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo
militar seja superior a vinte mil integrantes. Negritos acrescidos
Assim, havendo condenação por crime militar a uma pena privativa de
liberdade de tempo superior a 2 (dois) anos, verificado-se o trânsito em
julgado da sentença, o Juízo de primeiro grau da Justiça Militar estadual deve
remeter cópia dos autos para o segundo grau de jurisdição, isto é, para o
Tribunal de Justiça Militar ou, na inexistência deste, para o Tribunal de
Justiça do Estado, para que o Ministério Público ali atuante represente ou
não pela perda do posto e da patente do Oficial ou da graduação da Praça.
Neste novo processo, que é autônomo do processo criminal originário, o
contraditório e a ampla defesa serão estabelecidos para que a Corte decida se o
condenado possui ou não condições de ainda deter o posto e a patente, no caso
do Oficial, e a graduação, tratando-se de Praça, face à condenação criminal já
sofrida, o que pode resultar na perda da função pública, acarretando a demissão
do Oficial e a exclusão ou licenciamento ex-officio do Graduado, se
declaradas pelo Tribunal, respectivamente, a perda do posto e da patente, no
primeiro caso, e da graduação, no segundo.
Diferente ocorre nas hipóteses
de condenação do militar estadual no primeiro grau de jurisdição da Justiça
Comum, notadamente porque, em
relação ao Graduado, inexiste qualquer norma na Constitucional Federal que
impossibilite a autoridade judiciária de aplicar-lhe a perda da função pública,
nos termos do art. 92, inciso I, do Código Penal, ou da legislação esparsa (a
exemplo da Lei nº 9.455/1997 e da Lei nº 8.429/1992), como ocorre com o
Oficial. Vejamos o que se segue.
Normatiza o
art. 42, § 1º, da Constituição Federal, que
são aplicadas aos militares dos Estados as disposições de seu art. 142, § 3º,
destinadas aos membros das Forças Armadas. Vejamos:
Art. 42. Omisses
§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do
art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º,
cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º,
inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos
governadores. Negritos acrescidos
É de se entender que a Constituição Federal, nos incisos do §3º de
seu art. 142, estabelece não apenas aquelas disposições que são aplicadas
conjuntamente ao Oficial e ao Graduado, mas também algumas que são destinadas
apenas ao Oficial.
Tal diferenciação
se faz da leitura de seu próprio texto, isto é, quando as disposições daquele
dispositivo são destinadas aos oficiais e às praças, é utilizada a expressão
“militar”, e, quando destinadas apenas aos oficias, ela utiliza expressamente o
termo “Oficial”.
Em consequência, entendo que
os incisos II, III, IV, V, VIII e X do art. 142 da Constituição Federal são
aplicados indistintamente aos Oficiais e aos Graduados. Por sua vez, os incisos
I, VI e VII, destinam-se apenas aos Oficiais.
Portanto, para não incorrer em erro in judicando, ao se ver na
necessidade de aplicar tais dispositivos aos membros das polícias militares e
corpos de bombeiros militares (como normatiza o art. 42, § 1º, da Constituição
Federal), o magistrado, intérprete que é, deve ter o cuidado de também
aplicá-los na medida de sua proporção, ou seja, diferenciando as disposições
que devem ser aplicadas indistintamente aos oficiais e aos graduados, daquelas
que devem ser aplicadas exclusivamente aos oficiais das citadas Corporações
estaduais.
Assim, vejamos
o que estabelecem os incisos VI e VII do § 3º do art. 142 da Constituição
Federal:
Art. 142. Omisses
[…]
§ 3º. Omisses
[…]
VI - o oficial
só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele
incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em
tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
VII - o
oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade
superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao
julgamento previsto no inciso anterior; Negritos acrescidos
Ora, entendo que, de
aplicação tão somente aos oficiais, tais dispositivos constitucionais
estabelecem a garantia de que, mesmo
condenado no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum a uma pena privativa de liberdade superior a
2 (dois) anos, o Oficial das polícias militares e dos corpos de
bombeiros militares só perderá o posto e a patente (o que acarreta a perda da
função pública) por decisão do segundo grau de jurisdição da Justiça Militar
Estadual, mediante o competente processo de declaração de indignidade e
incompatibilidade com o oficialato, deflagrado pelo Ministério Público,
como dito alhures.
Não há
discordar de que a Constituição Federal, nos multi citados dispositivos,
institui garantias ao Oficial das corporações militares estaduais, que impõem
limites para que seja declarada a perda de sua função pública, inclusive na
hipótese de condenação no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum,
definindo, também, o devido processo legal para que isso ocorra.
Assim, nas hipóteses de condenação de um Oficial no primeiro grau
de jurisdição da Justiça Comum, não compete ao Magistrado declarar a perda de
sua função pública, porquanto a Constituição Federal estabelece o devido
processo legal para que isso ocorra, assim como define que esta decisão compete
ao segundo grau de Jurisdição da Justiça Militar Estadual.
E mais: segundo expõe o texto constitucional, tratando-se de réu que
detenha a condição de Oficial, para que se instaure o devido processo legal de
declaração de indignidade e incompatibilidade com o oficialato, a pena imposta
no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum deverá ser privativa de
liberdade superior a 2 (dois) anos, o que se apresenta como condição de procedibilidade.
Com efeito, no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum,
havendo condenação de um militar estadual que detenha a condição de Oficial das
polícias militares ou dos corpos de bombeiros militares, mesmo que a pena
aplicada seja privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, não cabe à
autoridade judiciária declarar na sentença a perda da função pública daquele
réu, devendo, ao contrário, após verificação do trânsito em julgado de seu decisum,
remeter cópia dos autos para o segundo grau de jurisdição da Justiça Militar
Estadual, isto é, para o Tribunal de Justiça Militar do Estado ou, na
inexistência deste, para o Tribunal de Justiça do Estado, para que o Ministério
Público ali atuante represente ou não pela perda do posto e da patente do Oficial,
julgando-se o processo naqueles colegiados.
O mesmo não ocorre em relação
ao Graduado (Praça) das corporações militares estaduais, porquanto apenas na
hipótese de condenação no primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar
Estadual é que a Constituição Federal estabelece que a decisão da perda de sua
graduação compete ao segundo grau de jurisdição daquela Justiça Especial,
ex vi de seu art. 125, § 4º, com observância, também, do art. 102 do
Código Penal Militar.
Assim, no
primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum, havendo condenação de um
militar estadual que detenha a condição de Graduado das polícias militares ou
dos corpos de bombeiros militares, cabe à autoridade judiciária declarar, já na
sentença, a perda da função pública daquele réu, observando-se as prescrições
do art. 92, inciso I, do Código Penal, ou da legislação esparsa (a exemplo da
Lei nº 9.455/1997 e da Lei nº 8.429/1992), como dito alhures.
Natal,
19/09/2012
FÁBIO
WELLINGTON ATAÍDE ALVES
Juiz
de Direito Auxiliar na 11ª Vara Criminal
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