sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Publiquei nota técnica esclarecendo efeitos de condenação na Justiça Militar





No Conselho de Justiça Militar/RN, condenei policial militar por crime de corrupção passiva. Segundo a decisão, depois do trânsito em julgado da decisão, o Ministério Público poderá ofertar uma ação (representação) perante o Tribunal de Justiça para fins de exclusão do policial militar. 

No entanto, tomei conhecimento de alguém escrevendo que deveria ter sido determinado a exclusáo imediata do policial. Como  existem entendimentos equivocados sobre essa questáo, principalmente porque algumas pessoas desconhecem a alteração da matéria a partir de emenda constitucional de 2004, resolvi fazer uma nota técnica de esclarecimento. 


Essa nota técnica é destinada principalmente a estudantes e profissionais que tratam com a questão.

Segue:

NOTA TÉCNICA DE ESCLARECIMENTO

Considerando críticas publicadas na internet por autoridade pública quanto à não exclusão imediata de policial militar pelo Conselho de Justiça Militar do Estado, quando da condenação por crime de corrupção passiva tipificado no Código Penal Militar, venho a público reiterar os termos da sentença condenatória, que está constitucionalmente adequada, cabendo ao Ministério Público, a partir do trânsito em julgado da decisão, iniciar a representação junto ao Tribunal de Justiça para fins exclusão ou não do policial militar.
Como ficou especificado em notícia sobre o caso veiculada no site do Tribuanl de Justiça do Rio Grande do Norte, com relação a exclusão do policial militar da corporação, “cabe ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”  (http://www.tjrn.jus.br:8080/sitetj/GerenciadorServlet.do?secaoSelecionada_id=9&id=9728&action=GerenciadorWeb&operacao=exibirInternet&exibir=E&registrarLeitura=true).
A questão a ser esclarecida refere-se ao fato da possibilidade de a autoridade judiciária, em sede de primeiro grau de jurisdição, na Justiça Comum ou na Justiça Militar Estadual, ser competente ou não para aplicar a perda da função pública ao militar estadual condenado, seja como pena acessória ou como efeito da condenação.
Acerca do assunto, algumas considerações técnicas devem ser feitas.
Assim, o ponto de partida para o esclarecimento da questão repousa, necessariamente, na definição da condição do acusado, isto é, primeiramente deve o Juiz verificar se o profissional a ser julgado detém, na Corporação, a condição de Oficial ou de Graduado (comumente chamado de Praça), notadamente porque, a depender da situação, a Constituição Federal confere determinadas garantias específicas que são aplicadas ora apenas aos oficiais, ora também aos graduados.
Insta esclarecer que, na legislação militar, sobretudo no Estatuto dos Policias Militares do Rio Grande do Norte (Lei nº 4.630, de 16 de dezembro de 1976), ocupam a condição de oficiais os militares estaduais detentores dos postos de 2º Tenente, 1º Tenente, Capitão, Major, Tenente Coronel e Coronel, cujas prerrogativas são instituídas pela Carta Patente, conferida pelo Chefe do Poder Executivo estadual. Por sua vez, são graduados o Soldado, o Cabo, o Sargento e o Subtenente.
Pois bem.
Tratando-se de julgamento de crime militar ocorrido no primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar estadual, em caso de condenação à pena privativa de liberdade, de tempo superior a 2 (dois) anos (Arts. 99 e 102 do Código Penal Militar), não compete à autoridade judiciária declarar a perda do posto e da patente do Oficial e da graduação da Praça, o que acarreta a perda da função pública em ambos os casos. Tal decisão cabe ao segundo grau de jurisdição daquela Justiça Especial, ex vi do art. 125, § 4º, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Verbis:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
[…]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. Negritos acrescidos
De se notar que o texto constitucional, nos casos de condenação por crime militar, observado o quantum da pena privativa de liberdade aplicada, atribui a competência para declarar a perda do posto e da patente do Oficial e da graduação da Praça apenas ao segundo grau de jurisdição da Justiça Militar estadual, não podendo a perda da função do militar estadual condenado ser declarada no primeiro grau de jurisdição.
Esclareça-se, por oportuno, que o primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar estadual é composto pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça, enquanto o seu segundo grau se compõe pelo Tribunal de Justiça Militar ou, na inexistência deste, pelo próprio Tribunal de Justiça de cada Estado, consoante se verifica no art. 125, § 3º, da Constituição Federal:
Art. 125. Omisses
[…]
§ 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. Negritos acrescidos
Assim, havendo condenação por crime militar a uma pena privativa de liberdade de tempo superior a 2 (dois) anos, verificado-se o trânsito em julgado da sentença, o Juízo de primeiro grau da Justiça Militar estadual deve remeter cópia dos autos para o segundo grau de jurisdição, isto é, para o Tribunal de Justiça Militar ou, na inexistência deste, para o Tribunal de Justiça do Estado, para que o Ministério Público ali atuante represente ou não pela perda do posto e da patente do Oficial ou da graduação da Praça.
Neste novo processo, que é autônomo do processo criminal originário, o contraditório e a ampla defesa serão estabelecidos para que a Corte decida se o condenado possui ou não condições de ainda deter o posto e a patente, no caso do Oficial, e a graduação, tratando-se de Praça, face à condenação criminal já sofrida, o que pode resultar na perda da função pública, acarretando a demissão do Oficial e a exclusão ou licenciamento ex-officio do Graduado, se declaradas pelo Tribunal, respectivamente, a perda do posto e da patente, no primeiro caso, e da graduação, no segundo.
Diferente ocorre nas hipóteses de condenação do militar estadual no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum, notadamente porque, em relação ao Graduado, inexiste qualquer norma na Constitucional Federal que impossibilite a autoridade judiciária de aplicar-lhe a perda da função pública, nos termos do art. 92, inciso I, do Código Penal, ou da legislação esparsa (a exemplo da Lei nº 9.455/1997 e da Lei nº 8.429/1992), como ocorre com o Oficial. Vejamos o que se segue.
Normatiza o art. 42, § 1º, da Constituição Federal, que são aplicadas aos militares dos Estados as disposições de seu art. 142, § 3º, destinadas aos membros das Forças Armadas. Vejamos:
Art. 42. Omisses
§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. Negritos acrescidos
É de se entender que a Constituição Federal, nos incisos do §3º de seu art. 142, estabelece não apenas aquelas disposições que são aplicadas conjuntamente ao Oficial e ao Graduado, mas também algumas que são destinadas apenas ao Oficial.
Tal diferenciação se faz da leitura de seu próprio texto, isto é, quando as disposições daquele dispositivo são destinadas aos oficiais e às praças, é utilizada a expressão “militar”, e, quando destinadas apenas aos oficias, ela utiliza expressamente o termo “Oficial”.
Em consequência, entendo que os incisos II, III, IV, V, VIII e X do art. 142 da Constituição Federal são aplicados indistintamente aos Oficiais e aos Graduados. Por sua vez, os incisos I, VI e VII, destinam-se apenas aos Oficiais.
Portanto, para não incorrer em erro in judicando, ao se ver na necessidade de aplicar tais dispositivos aos membros das polícias militares e corpos de bombeiros militares (como normatiza o art. 42, § 1º, da Constituição Federal), o magistrado, intérprete que é, deve ter o cuidado de também aplicá-los na medida de sua proporção, ou seja, diferenciando as disposições que devem ser aplicadas indistintamente aos oficiais e aos graduados, daquelas que devem ser aplicadas exclusivamente aos oficiais das citadas Corporações estaduais.
Assim, vejamos o que estabelecem os incisos VI e VII do § 3º do art. 142 da Constituição Federal:
Art. 142. Omisses
[…]
§ 3º. Omisses
[…]
VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;
VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior; Negritos acrescidos
Ora, entendo que, de aplicação tão somente aos oficiais, tais dispositivos constitucionais estabelecem a garantia de que, mesmo condenado no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum a uma pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, o Oficial das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares só perderá o posto e a patente (o que acarreta a perda da função pública) por decisão do segundo grau de jurisdição da Justiça Militar Estadual, mediante o competente processo de declaração de indignidade e incompatibilidade com o oficialato, deflagrado pelo Ministério Público, como dito alhures.
Não há discordar de que a Constituição Federal, nos multi citados dispositivos, institui garantias ao Oficial das corporações militares estaduais, que impõem limites para que seja declarada a perda de sua função pública, inclusive na hipótese de condenação no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum, definindo, também, o devido processo legal para que isso ocorra.
Assim, nas hipóteses de condenação de um Oficial no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum, não compete ao Magistrado declarar a perda de sua função pública, porquanto a Constituição Federal estabelece o devido processo legal para que isso ocorra, assim como define que esta decisão compete ao segundo grau de Jurisdição da Justiça Militar Estadual.
E mais: segundo expõe o texto constitucional, tratando-se de réu que detenha a condição de Oficial, para que se instaure o devido processo legal de declaração de indignidade e incompatibilidade com o oficialato, a pena imposta no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum deverá ser privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, o que se apresenta como condição de procedibilidade.
Com efeito, no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum, havendo condenação de um militar estadual que detenha a condição de Oficial das polícias militares ou dos corpos de bombeiros militares, mesmo que a pena aplicada seja privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, não cabe à autoridade judiciária declarar na sentença a perda da função pública daquele réu, devendo, ao contrário, após verificação do trânsito em julgado de seu decisum, remeter cópia dos autos para o segundo grau de jurisdição da Justiça Militar Estadual, isto é, para o Tribunal de Justiça Militar do Estado ou, na inexistência deste, para o Tribunal de Justiça do Estado, para que o Ministério Público ali atuante represente ou não pela perda do posto e da patente do Oficial, julgando-se o processo naqueles colegiados.
O mesmo não ocorre em relação ao Graduado (Praça) das corporações militares estaduais, porquanto apenas na hipótese de condenação no primeiro grau de jurisdição da Justiça Militar Estadual é que a Constituição Federal estabelece que a decisão da perda de sua graduação compete ao segundo grau de jurisdição daquela Justiça Especial, ex vi de seu art. 125, § 4º, com observância, também, do art. 102 do Código Penal Militar.
Assim, no primeiro grau de jurisdição da Justiça Comum, havendo condenação de um militar estadual que detenha a condição de Graduado das polícias militares ou dos corpos de bombeiros militares, cabe à autoridade judiciária declarar, já na sentença, a perda da função pública daquele réu, observando-se as prescrições do art. 92, inciso I, do Código Penal, ou da legislação esparsa (a exemplo da Lei nº 9.455/1997 e da Lei nº 8.429/1992), como dito alhures.
Natal, 19/09/2012

FÁBIO WELLINGTON ATAÍDE ALVES
Juiz de Direito Auxiliar na 11ª Vara Criminal


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