STF dolo eventual em crime de transito e action liberae em
causa
Primeira
Turma
“Racha” e dolo eventual - 1
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que alegado constrangimento ilegal decorrente de:
a) falta de fundamentação da sentença de pronúncia, porquanto genérica; b)
substituição indevida de relatores na ocasião do segundo julgamento de recurso
em sentido estrito, uma vez que a mesma desembargadora — que anteriormente
proferira voto prevalecente pelo provimento do apelo — mudara sua convicção; c)
excesso de linguagem no acórdão confirmatório da decisão que pronunciara o réu;
e d) contradição neste decisum, haja
vista que o conselho de sentença entendera que o co-réu não participara da
disputa dolosamente, mas culposamente. No mérito, a defesa sustentava que a
conduta objeto da denúncia não caracterizaria dolo eventual, mas culpa
consciente, pelo que pugnava pelo deferimento da ordem, a fim de que fosse
determinada a competência do juízo singular, e não do tribunal do júri, para julgar
o paciente. De início, assinalou-se que o juízo pronunciante teria cumprido seu
dever de fundamentação, de modo a não incidir em excesso de linguagem, tendo em
vista que ele apenas teria demonstrado seu convencimento acerca da
materialidade do crime e dos indícios de autoria. Outrossim, ressaltou-se que a
fundamentação do voto condutor do acórdão que confirmara a pronúncia também
teria observado os limites inerentes à espécie de provimento jurisdicional, ao
assentar a comprovação da materialidade do fato e dos indícios suficientes de
autoria, consoante a norma vigente à época (CPP, art. 408: “Se o juiz se convencer da existência do
crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os
motivos do seu convencimento”). Ademais, consignou-se que nada impediria
que o mesmo magistrado, ao participar de nova apreciação de recurso, revelasse
convencimento diverso, desde que devidamente motivado. No ponto, asseverou-se
que, verificada a anulação do primeiro julgamento, este não condicionaria a
manifestação do órgão julgador no segundo.
HC 101698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 18.10.2011.
(HC-101698)
“Racha” e dolo eventual - 2
Quanto ao mérito, distinguiu-se o caso dos autos daquele
versado no HC 107801/SP (DJe de 13.10.2011), que cuidara de homicídio na
direção de veículo automotor cometido por agente sob o efeito de bebidas
alcoólicas. Rememorou-se que o Colegiado limitara a
aplicação da teoria da actio libera in causa aos casos de embriaguez
preordenada. Sublinhou-se, entretanto, que não se deveria generalizar a
compreensão de que qualquer homicídio praticado na direção de veículo automotor
seria culposo, desde que tratasse de embriaguez preordenada. Elucidou-se que a
diferença entre dolo eventual e culpa consciente encontrar-se-ia no elemento volitivo
do tipo penal. Todavia, ante a impossibilidade de se adentrar a psique do
agente, essa análise exigiria a observação de todas as circunstâncias objetivas
do caso concreto. Nesse sentido, dessumiu-se, da descrição dos fatos realizada
pelas instâncias ordinárias, que o réu, ao lançar-se em prática de altíssima
periculosidade em via pública e mediante alta velocidade, teria consentido com
que o resultado se produzisse, de sorte a incidir em dolo eventual (CP,
art. 18, I: “Diz-se o crime: I - doloso,
quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”). No ponto, assentou-se que o Supremo firmara jurisprudência no
sentido de que o homicídio cometido na direção de veículo automotor em virtude
de “pega” seria doloso. Desta feita, aludiu-se que a prática de competições
automobilísticas em vias públicas seria crime autônomo, doloso e de perigo
concreto (CTB, art. 308: “Participar,
na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou
competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que
resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada”). Enfatizou-se que este tipo penal, se resultar em lesão
corporal ou homicídio, progrediria para os delitos dispostos nos artigos 129 ou
121 do CP, em sua forma dolosa, visto que seria contra-senso transmudá-lo para
a modalidade culposa em razão do advento de resultado mais grave. Assim,
reconheceu-se presente o elemento volitivo do dolo eventual. Por fim,
explicou-se tanto haver hipótese de “racha” entre dois condutores, assim como
de apenas um motorista, que poderia perseguir outro veículo, o que denotaria um
único imputável para a prática. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a
ordem, para que os 2 réus respondessem criminalmente pelo fato tendo em conta o
art. 302 do CTB (“Praticar
homicídio culposo na direção de veículo automotor”).
HC
101698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 18.10.2011. (HC-101698)
HC N. 107.801-SP
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR
HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA
HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE
COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM
REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A classificação do delito
como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e
vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do
due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.
2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art.
302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como
homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica
eventual.
3. A embriaguez alcoólica que conduz
à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que
o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.
4. In casu, do exame da
descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do
TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas
no afã de produzir o resultado morte.
5. A doutrina clássica revela
a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os
modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º
e 2º estabeleciam: ‘A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos,
ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou
involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática
do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não
preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia
prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a
título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza
Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo : RT, 2005, p. 243)
6. A revaloração jurídica dos
fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do
conjunto fático-prob atório.
Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel.
Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira
Alves, DJ de 17/8/1990.
7. A Lei nº 11.275/06 não se
aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao
revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese
praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor
(art. 302, caput, do CTB).
8. Concessão da ordem para
desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção
de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa
dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
*noticiado nos Informa tivos
629 e 639
Desclassificação de homicídio doloso para culposo na direção de
veículo automotor - 2
Em conclusão, a 1ª Turma deferiu, por maioria, habeas corpus para desclassificar o
delito de homicídio doloso para culposo na direção de veículo automotor,
descrito na revogada redação do art. 302, parágrafo único, V, da Lei 9.503/97 -
CTB (“Art. 302. Praticar homicídio
culposo na direção de veículo automotor: ... Parágrafo único. No homicídio
culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um
terço à metade, se o agente: ... V - estiver sob a influência de álcool ou
substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos”) — v. Informativo
629. Inicialmente, ressaltou-se que o exame da questão não demandaria
revolvimento do conjunto fático-probatório, mas apenas revaloração jurídica do
que descrito nas instâncias inferiores. Em seguida, consignou-se que a
aplicação da teoria da actio libera in
causa somente seria admissível para justificar a imputação de crime doloso
no caso de embriaguez preordenada quando ficasse comprovado que o agente teria
se inebriado com o intuito de praticar o ilícito ou assumir o risco de
produzi-lo, o que não ocorrera na espécie dos autos. Asseverou-se que, nas
hipóteses em que o fato considerado doloso decorresse de mera presunção em
virtude de embriaguez alcoólica eventual, prevaleceria a capitulação do
homicídio como culposo na direção de veículo automotor em detrimento daquela
descrita no art. 121 do CP. O Min. Marco Aurélio acrescentou que haveria norma
especial a reger a matéria, com a peculiaridade da causa de aumento decorrente
da embriaguez ao volante. Sublinhou que seria contraditória a prática
generalizada de se vislumbrar o dolo eventual em qualquer desastre de veículo
automotor com o resultado morte, porquanto se compreenderia que o autor do
crime também submeteria a própria vida a risco. Vencida a Min. Cármen Lúcia,
relatora, que denegava a ordem por reputar que a análise de ocorrência de culpa
consciente ou de dolo eventual em processos de competência do tribunal do júri
demandaria aprofundado revolvimento da prova produzida no âmbito da ação penal.
HC 107801/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o
acórdão Min. Luiz Fux, 6.9.2011. (HC-107801)
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