terça-feira, 17 de novembro de 2009

DE SANCTIS CRITICA A REFORMA PROCESSUAL PENAL

O BLOG DO FRED TRAZ ARTIGO DO JUIZ FAUSTO DE SANCTIS SOBRE A REFORMA PROCESSUAL PENAL

Segue o artigo:

Embora se reconheça preocupação no aperfeiçoamento de nossa legislação processual penal, o Projeto de Lei do Senado nº 156/2009, do seu presidente, José Sarney, parte de um pressuposto evidente: o Estado como inimigo do cidadão, com risco claro de inefetividade do processo.

A defesa desmedida de certos direitos que sistematicamente desqualifica a punição penal ou mesmo cerceia a ultimação do processo penal faz da busca da verdade papel secundário.

A prova dos fatos passa a depender pura e exclusivamente das partes, uma redução das funções jurisdicionais, olvidando-se quanto à proteção social, representada pela verdade, cuja busca não se pode tolher a qualquer dos atores de um processo penal.

O constituinte preocupado com o fim social do direito realçou a igualdade processual que deve ser buscada no processo penal, requerendo do juiz que ele seja o mais eficaz possível no julgamento dos crimes, o que determina o conhecimento integral dos fatos. Estabelece, é certo, limites à intervenção mediante comportamento responsável do julgador equilibrando a igualdade real e a eficiência do processo penal.

Se no processo civil a atividade instrutória é essencial por qual razão também não seria no processo penal?
O projeto faz do magistrado um autômato, sujeito à direção das partes, ameaçando o Estado, mesmo nos seus fundamentos. Não se poderia mais conceituar o Judiciário como Poder, se este é delegado apenas às partes, em afronta à necessidade ético-jurídica de sempre prevalecer à verdade real e não a meramente orquestrada.

A decisão judicial constitui tarefa valorativa, cuja razoabilidade está na motivação, um limite à arbitrariedade judicial. A fundamentação incrementa a credibilidade da Justiça e possibilita, como sempre ocorre, o controle da atividade jurisdicional.

Não se poderia, assim, aceitar o papel dos juízes como máquinas de instrução à mercê das partes, verdadeira consagração da ideia de que o magistrado deva assumir a figura de alguém que lava as mãos na bacia de Pilatos. Concretização evidente da ideia irreal de juiz inumano.

Como interpretar que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão, tampouco prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico e a coisa julgada, muito menos o princípio da legalidade, dentre outras normas constitucionais, se ao juiz lhe é tolhida atividade essencial?

Com a criação da figura do juiz das garantias, que se ocuparia das decisões de buscas e apreensões, de interceptações, de quebras, durante a investigação, que seriam revistas pelo juiz processual por ocasião da ação penal, estar-se-ia instituindo, a quinta instância, na qual um juiz de mesma hierarquia funcional passaria a rever, mais uma vez, decisão jurisdicional, em detrimento da celeridade processual.

O formalismo simbólico e exaustivo reinante é, a partir de tal projeto, ratificado e aperfeiçoado, a ponto de a tutela da segurança pública enquanto direito fundamental, não possuir a importância devida.

Por que razão o sistema processual brasileiro existente até então necessitaria de tal abrupta intervenção se, até há pouco tempo, os juízes eram considerados bons para o julgamento de causas previdenciárias, tributárias, populares e para a grande maioria das causas criminais comuns?

O que ocorreu de fato relevante que considera, agora, os magistrados não tão bons o suficiente?

O juiz ao julgar medidas cautelares em hipótese alguma pode ser considerado como participante da investigação, como se ele conduzisse esta ou a direcionasse. Ora, o juiz que analisou os elementos de prova a si trazidos certamente terá condições melhores de processar e julgar ao final o processo.

Quantas absolvições já ocorreram mesmo na hipótese de deferimento de medidas urgentes? As decisões de 1ª instância têm sido combatidas com utilização de recursos, Habeas Corpus e Mandados de Segurança, o que demonstra falho o argumento.

Por outro lado, em tom crítico, muito se fala sobre a proximidade do juiz criminal com delegados de polícia ou membros do Ministério Público, mas a instituição do juiz das garantias justamente exigirá perene contato.

A criação proposta não se sustenta nos números da Justiça, parecendo mais um abraçar de teses que, na prática, consegue levar ainda mais o processo-penal para a complexidade desmedida e desnecessária.

Por que o Brasil não optou pela criação do juiz de instrução para evitar a reprodução desnecessária de provas produzidas na polícia ainda que seja acompanhada pelas partes? Por que desejou considerar os magistrados totalmente inertes, conforme modelo americano, mas sem conceder as mesmas atribuições e mecanismos existentes nos Estados Unidos da América?

A instituição do juiz das garantias significaria dizer que todos os demais, até então, teriam sido juízes de exceção? Argumento temerário já que também poderia ser invocada a contaminação dos tribunais ao concederem Habeas Corpus ou cautelares, deixando de ser preventos. No caso de uma delação premiada, ela se daria perante o juiz das garantias ou pelo juiz processante? Este ficaria também contaminado ao decidir buscas, prisões e liberdades no curso de ações penais? E no caso de cidades com vara única e um só juiz? E na hipótese de pessoas com prerrogativa de foro, o juiz do tribunal que decidiu cautelarmente também não estaria mais em condições de julgar o feito?

A sua criação teria efeito imediato e os processos em curso nas Varas não mais poderiam ser decididos pelo magistrado que permitiu a deflagração das operações. Afastar-se-ia, de plano, juizes atualmente competentes.

Não se pode errar quando assistimos a criminalidade assolar um país. Devemos propor uma visão realista para que nenhum responsável fique sem punição e nenhum inocente seja considerado culpado.

O princípio acusatório requer a separação entre o juiz e a acusação e Luigi Ferrajoli, expressão maior do chamado garantismo, considera o direito penal necessário, negando o abolicionismo.

O DNA das espécies evolui com alterações lentas de forma que mudanças profundas podem significar o seu fim.

http://www.conjur.com.br/2009-nov-15/pl-processo-penal-deixa-juiz-merce-partes-sanctis

Um comentário:

Rau Ferreira disse...

Concordo no geral com o Dr. Sanctis. Alguns "remendos" no sistema penal e processua penal acabam por deixar obscuro alguns pontos do sistema como um todo, dificultando a hermenêutica da norma. Seria ineressante uma reforma geral de todos os códigos onde algumas leis espciais poderiam ser incluídas (ex. tráfico, pt. armas, hediondos etc.) num so volume viabilizando uma sistemática única encaminhada para uma única (repito) interpretação. Não que isso fosse enrigesser a aplicação do direito; seguindo a mesma orientação das chamada Sumulas vinculantes, onde há uma "brecha" para a sua reforma e o direito em si não ficaria engessado.

Rau Ferreira
Blog: "A Estetica do Direito"
http://aesteticadodireito.blogspot.com