S E N T E N Ç A
ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA
PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL MILITAR. Autoria e materialidade. Dano doloso. Dano de menor significância lesiva. Exclusão de punibilidade. Aplicação da hipótese do art. 260 do Código Penal Militar. Perdão Judicial. Absolvição sumária.
- É de se absolver sumariamente o acusado, tomando em conta a pouca significância penal do fato imputado e as circunstâncias da conduta dolosa do acusado, que teve um acesso de loucura, tendo a perícia constatado que ele estava relativamente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta.
Vistos etc.
O Ministério Público Estadual, através de seu Representante legal, bem como no exercício de suas atribuições constitucionais e institucionais, com base em Inquérito Policial Militar, ofereceu Denúncia em desfavor do militar estadual como incurso nas penas do art. 259, parágrafo único, do Código Penal Militar, acusado de no dia 13 de abril de 2004, haver danificado alguns móveis que guarneciam o consultório psiquiátrico localizado no Centro Clínico/OS, JPMS, nesta Capital. A denúncia narra o seguinte:
"O denunciado no dia 13 de abril de 2004, no Consultório do Dr. Epitácio de Andrade Filho, localizado no Centro Clínico, JPMS, destruiu e inutilizou bens públicos.
Segundo o apurado, o denunciado entrou no referido consultório para a realização de exame psiquiátrico e sentou na cadeira destinada aos pacientes, tendo o médico perguntado o que mais o incomodava naquele momento, tendo o Cabo respondido: você não sabe?
A partir de então o denunciado ficou de pé, pegou o laudo que estava sendo redigido, rasgou-o, virou o bureau, quebrando o vidro e passou a destruir todos os móveis e documentos existentes no recinto, proferindo palavras de baixo calão e tentando agarrar o Ten. Epitácio" (fls. 02).
A Denúncia foi recebida.
O Laudo de Exame de Sanidade Mental atestou à época dos fatos o acusado era relativamente incapaz de entender o caráter ilícito da sua conduta.
Houve interrogatório do réu.
Houve adaptação ao novo rito procedimental.
O denunciado apresentou resposta. A Defesa de FULANO DE TAL alega que o réu não agiu com o dolo específico de danificar o patrimônio público, de sorte que resta afastada a tipicidade da conduta que lhe está sendo imputada. Ademais, o crime de dano, por deixar vestígios, exige que seja realizada a devida perícia, o que não ocorreu no caso em tela. No mais, afirma que o Laudo de Exame de Sanidade Mental anexo revela que o réu, na época dos fatos, era relativamente incapaz de entender o caráter ilícito da sua conduta, o que vem a corroborar a inexistência do dolo de danificar os móveis daquele consultório psiquátrico. Para a Defesa, trata-se aqui da inafastável aplicação do principio da insignificância, segundo o qual a ação não é materialmente típica, ainda que formalmente corresponda à descrição legal, por falta de potencial ofensivo a atingir, de maneira minimamente significante, o bem jurídico protegido pela norma penal. Complementa que não é possível, como decorrência da prevalência da dignidade humana, que a liberdade do indivíduo possa ser sacrificado por insignificâncias como essas. Definir crime nestas circunstâncias, dano de valor irrisório, é exercitar a atuação repressiva sem lastro na preservação da dignidade humana, fim último do próprio direito penal. No caso em tela, a despeito de corresponder formalmente a um delito patrimonial, a ação do acusado não atingiu de forma relevante a integridade do patrimônio da vítima. Como excludente de tipicidade que é, o princípio da insignificância opera a descriminalização de condutas cujo potencial ofensivo não atinja o bem jurídico, objeto último da tutela penal, como o que ocorre no caso em apreço. Ante o exposto, requer a defesa a absolvição sumária do acusado, face a insignificância penal do fato imputado e, caso não entenda pela insignificância penal do fato, que absolva-o sumariamente, diante da ausência do dolo específico de danificar o patrimônio público.
Vêm os autos para oportunidade de absolvição sumária.
É o que importa relatar.
Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
Cabe afastar desde já a alegação de que o réu não agiu com o dolo específico de danificar o patrimônio público.
Tecnicamente, o dolo é a vontade de concretizar a conduta típica. Segundo a teoria da vontade (art. 18, I, CP) adotada pelo ordenamento, o dolo é a intenção de praticar um fato, sendo seus requisitos a realização de uma conduta conhecida e com vontade de produzir o resultado. O dolo integra a conduta.
Porém, o sujeito não atua com dolo ou culpa nos casos de 1) força irresistível; 2) movimentos reflexos ou 3) estados de inconsciência (GRECO, 2003, p. 165).
Na situação, não há elementos que permitam concluir neste momento processual que inexistiu o dolo. O fato de ter atestado o laudo de exame de sanidade mental que o réu era relativamente incapaz de entender o caráter ilícito da sua conduta não serve para excluir manifestamente o dolo nesta fase processual, mas também importância apenas para a análise da culpabilidade. Não se confunde a consciência exigida para o dolo com a consciência de antijuridicidade necessária para a reprovação pela culpabilidade.
Assim, reconheço que a matéria da exclusão do dolo específico poderia ficar para a instrução processual, mas, por outro lado, não ignoro a aplicação da regra do art. 260, Código Penal Militar.
Para quem destrói, inutiliza, deteriorar ou faz desaparecer bem público, o art. 259 do Código Penal Militar prevê detenção de seis meses a três anos. E na forma do art. 260, CPM, se o criminoso é primário e a coisa é de valor não excedente a um décimo do salário mínimo, o juiz pode atenuar a pena, ou considerar a infração como disciplinar.
O acusado trata-se de primário à época do fato; ele fora condenado em 01.09.04 (proc. 00103015991-2), ou seja, quando ele cometeu o presente fato (proc. 001.05.028943-9) ele ainda não havia sido condenado, sendo assim primário à época.
A regra do art. 260, CPM, trata-se de um perdão judicial, conforme decidiu o STM (STM; APL 1989.01.045900-6; Rel. Min. Jorge Frederico Machado de Sant'anna; Julg. 31/05/1990; DJU 19/07/1990), o que autoriza a extinção de punibilidade, com aplicação da analogia do que dispõe o art. 107, IX, Código Penal.
No caso, justifica-se ainda mais o perdão por não ser a situação um injusto penal, dado o reconhecimento da pequena monta do dano. Dado o que se apurou até o momento, não se deve considerar a conduta como injusto penal, cabendo o assunto ser resolvido na esfera civil e/ou administrativa, nos termos do art. 260, CPM.
No mais, a prova técnica demonstrou que o acusado tinha transtorno psiquiátrico (fls. 26; 38). O exame pericial atestou que o acusado era parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta (fls. 09, proc. 00105028943-9/001).
De fato, o crime de dano exige que seja realizada a devida perícia dos vestígios. Sem tais elementos técnicos, que já não podem ser realizados hoje em dia por causa do tempo decorrido, não admito a possibilidade de afastar a incidência da regra do art. 260 apenas com provas testemunhais. Ainda que exista a possibilidade de produção de prova testemunhal (art. 328, parágrafo único, CPPM), não ocorrem elementos que sinalizem que tenha havido grande repercussão patrimonial no dano, mesmo porque somente uma perícia poderia constatar tal realidade.
O crime de dano, por deixar vestígios, exige que seja realizada a devida perícia, mas, mesmo admitido a produção de prova testemunhal para suprir a ausência, não deixa de estar demonstrado no caso o grau mínimo de intervenção patrimonial.
No mais, não podemos ignorar a insignificância ou pouca relevância do dano, a ponto de afastar o leve potencial ofensivo da conduta. Não existam elementos que sinalizem que tenha havido grande repercussão patrimonial.
De qualquer modo, a discussão para saber se a conduta atingiu ou não de forma relevante a integridade do patrimônio da vítima não deverá ser levada à instrução, podendo ser agora rebatida em sede de absolvição sumária.
Portanto, não afasto a absolvição sumária do acusado e, tomando em conta a pouca significância penal do fato imputado e as circunstâncias da conduta dolosa do acusado, que teve um acesso de loucura, tendo a perícia constatado que ele estava relativamente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta.
Entendo que a discussão para saber se a conduta atingiu ou não de forma relevante a integridade do patrimônio da vítima não precisará ser levada à instrução, já havendo dados concretos de que não houve dano significativo ou mensurável, visto que não se realizou prova pericial necessária.
Assim, na falta da perícia, considerando que o acusado criminoso é primário e a coisa danificada não passou por perícia, deve ser considerado o dano como de pequena monta. Ou seja, é de o valor ser considerado pequeno, cabendo ao juiz analisar a infração como meramente disciplinar.
Numa visão funcionalista do Direito Penal, não se justifica que a norma penal tenha a função de proteger qualquer conduta, devendo então se o caso de operar-se o perdão.
CONCLUSÃO
PELO EXPOSTO, diante do que foi analisado, é de se aplicar ao acusado o perdão judicial (art. 260, CPM), absolvendo assim FULANO DE TAL sumariamente na forma do art. 397, IV, do Código de Processo Penal, ressalvada a apuração disciplinar, com a aplicação analógica do art. 107, IX, Código Penal.
DILIGÊNCIAS FINAIS
Após, arquive-se com a devida baixa na distribuição.
Publicações e intimações em Sessão. Registre-se.
Dou por lida e publicada em plenário.
Sala de Sessões do Conselho de Justiça, Natal, 24/10/2009
FÁBIO WELLINGTON ATAÍDE ALVES
Juiz de Direito Auxiliar na 11ª Vara Criminal
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