22 09 2007
O caso do menino João Hélio tem proporcionado um momento de reflexão nacional visto em poucos momentos. Pobre criança, que teve morte trágica, depois de ter sido arrastada por 7 km, sem que os criminosos tivessem qualquer piedade. Não podemos dizer que este caso é mais ou menos trágico do que qualquer outro; a dor individual dos familiares que perdem parentes dessa forma não se submete a qualquer critério de equiparação ou medida.Nestes momentos de forte comoção, entra em conflito toda a teoria cristã sobre o humanismo penal, porque o Direito Penal humano é descendente direto do cristianismo.Quando a doutrina penal se detém aos ideais iluministas, as sanções restritivas de liberdade passam a substituir gradativamente as severas punições corporais que foram a marca da Idade Média. Dessa forma, Rousseau influencia Beccaria e a doutrina penal humanitária ao conceber que os homens no estado de natureza não são nem bons nem maus. Para ele, é a piedade que impede os homens de se tornarem monstros; a piedade - quando aplicada aos fracos, aos culpados e ao homem em geral - transmuta-se em generosidade, clemência, humanidade. No estado de natureza, a piedade assume o lugar das leis, dos costumes e das virtudes, impedindo que qualquer selvagem aja contra a humanidade.Não obstante a laicização do Estado, o humanismo penal que surge no sec. XIX restaura o pensamento cristão de piedade. O Estado, a partir de então, norteia-se por princípios segundo os quais nenhuma crueldade pode ultrapassar os limites do corpo humano, rompendo-se, aqui, o elo existente, até então, entre pena e suplício, e claramente se abraça o ideal cristão de que nenhum sangue deve ser derramado, porquanto Jesus já derramou todo o sangue pela humanidade.Em oposição ao valor piedade-cristianismo-democracia, surge um nome, ou melhor, uma filosofia: a filosofia de Nietzsche. Nietzsche inspira-se em Darwin, defendendo que os mais fortes, os bárbaros, é que são os melhores. O seu primeiro livro intitulado “O nascimento da tragédia originando-se do espírito da música” retrata as diferenças entre Dionísio e Apolo. Se é que posso falar assim, Dionísio e Apolo simplesmente são uma metáfora para a história do homem na Terra. Amor e ódio; violência e perdão; direitos humanos e punição… Durante muito tempo a Alemanha respirou a arte apolínea, mas foi com Hitler que ela conheceu o poder de Dionísio.Para Nietzsche, é em Jesus que todos os homens se tornam iguais. Firma-se a doutrina cristã, cujo ápice dá-se com a “exaltação da piedade e do sacrifício de si mesmo, o consolo sentimental aos criminosos” (DURANT, Will. Nietzsche, p. 69).Em Nietzsche, a meta do homem deveria ser a busca do super-homem. O super-homem não seria produto da evolução, mas sim da educação e da seleção eugênica. Nessa luta pelo homem perfeito, Nietzsche propõe o fim do crisitianismo e da democracia. É assim que ele condena a igualdade, porque a natureza a destesta. Para ele, o humanismo contradiz a natureza do homem.O caso João Hélio derruba sobre nós uma avalanche de incertezas. Faz-nos visitar Nietzsche e pôr em dúvida a humanidade do homem; desperta-se dessa forma o Dionísio dentro de nós. Mas será que assim não estamos desprezando o próprio cristianismo e o ideal de piedade? Ao que parece, muito sangue ainda será derramado para que cheguemos a alguma conclusão.
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