segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O movimento corpóreo de urinar foi considerado ato obsceno no TJPR (2011). O que é interessante no caso abaixo é que o Relator entendeu por ser necessário um laudo técnico para determinar a personalidade do sujeito. Remeto a questão ao meu artigo "retórica da personalidade distorcida"


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 784.511-2 DA COMARCA DE TOLEDO ­ 1ª VARA CRIMINAL.
APELANTE : RUBENS PEREIRA DE SOUZA APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR : DES. EDUARDO FAGUNDES
APELAÇÃO CRIME ­ ART. 233 DO CÓDIGO PENAL ­ ATO OBSCENO ­ INSURGÊNCIA

RECURSAL ABSOLUTÓRIA DE AUSÊNCIA DE DOLO ­ AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS ­ CONDUTA DOLOSA ­ CONJUNTO PROBATÓRIO EFICAZ ­ MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO ­ ALTERAÇÃO DE OFÍCIO DA DOSIMETRIA ­ RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, COM ALTERAÇAO DE OFICIO DA CARGA PENAL. "A prática de micção em si não caracteriza nenhum delito, por ser considerado um ato fisiológico natural; no entanto, o fato de urinar em lugar público, aberto ou exposto ao público, configura o crime de ato obsceno, previsto no art. 233 do CP, por ofensa ao pudor." (RT 763/598). "Ato obsceno. Exibição de órgãos genitais em via pública. Presença de crianças e adultos no local. Delito configurado. Apelo improvido. O fato de o agente estar com o pênis desnudado em lugar público, a que terceiras pessoas, inclusive crianças, tinham acesso, seja qual fora a recepção das provas, no que concerne a tipicidade objetiva e subjetiva, realiza, de forma acabada a arquitetura normativa do crime, não dando espaço a indulgências." (RJDTACRIM 6/60).
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 784.511-2, da Comarca de Toledo, em que é Apelante RUBENS PEREIRA DE SOUZA e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO.
RELATÓRIO
A ilustre Promotoria de Justiça, com exercício na Comarca de Toledo, denunciou Rubens Pereira de Souza como incurso nas sanções do art. 147, caput, e art. 233, caput, ambos do Código Penal, c/c art. 13 e ss., da Lei 11.340/06 e art. 69 do Código Penal em razão dos seguintes fatos delituosos (fls.
02/04):
"No dia 22 de agosto de 2008, por volta das 15:50, no interior do lote da residência localizada na rua Mathias Fhur, nº769, nesta cidade, o denunciado, ameaçou a vítima Eliane da Luz, sua ex-companheira, através de palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, tais como até de morte.
Que, o denunciado após dirigir-se até os fundos da referida residência onde urinou na parede mas, na sequencia caminhou para a frente da esma, com o seu pênis em exibição, praticando ato obsceno em local exposto ao público, isto na frente das filhas menores da vítima Eliane da Luz."
Recebida a denúncia em 25 de setembro de 2008 (fl. 61), o réu foi citado (fls. 75v.) e apresentou resposta à acusação (fls. 78).
Durante a fase de instrução houve a inquirição de 03 (três) testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa (fls. 87/89).
Em razão da ausência do réu na audiência foi decretada a sua revelia (fls. 105/106).
Alegações Finais pelo Ministério Público (fls. 110/114), pelo assistente de acusação (fls. 121/123) e pela defesa (fls. 124/126).
Prosseguindo os trâmites legais, sobreveio a sentença de fls. 127/132, na qual entendeu por bem o MM. Magistrado a quo em julgar parcialmente procedente a denúncia para o fim de absolver o réu Rubens Pereira de Souza do crime do art. 147 do Código Penal com fulcro no art. 386, inc. II, do Código Processo Penal e condená-lo como incurso nas sanções do art. 233, caput, do Código Penal, a seguinte pena:
A pena-base foi fixada em 06 (seis) anos de detenção, considerando como desfavoráveis as seguintes circunstâncias do art. 59 do CP: culpabilidade, conduta social, personalidade e consequências do crime. Na segunda-fase está presente a agravante de que o réu prevaleceu-se das relações domésticas e familiares para prática do crime, prevista no art. 61, II, "h", do CP, sendo a pena agravada em 02 (dois) meses de detenção, restando provisoriamente a pena fixada em 08 (oito) meses de detenção. Na terceira-fase ausentes causas de aumento ou diminuição, restando definitiva a pena em 08 (oito) meses de detenção, em regime aberto.
Inconformado, o réu Rubens Pereira de Souza interpôs Recurso de Apelação (fls. 136). Em suas razões (fls. 143/145), requereu sua absolvição, uma vez que não houve dolo em sua conduta, já que não teve a intenção de praticar ato obsceno em local público e sim estava apenas satisfazendo suas necessidades fisiológicas.
Contrarrazões pelo Ministério Público às fls. 147/151.
Encaminhados os autos à douta Procuradoria Geral de Justiça, esta manifestou parecer às fls. 158/162, opinando pelo conhecimento do recurso e no mérito pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO E SEUS FUNDAMENTOS
O apelo preenche os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade devendo ser conhecido.
No mérito, o recurso não merece provimento, com alteração de ofício da dosimetria.
A materialidade delitiva está consubstanciada pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 05/09), Boletim de Ocorrência (fls. 10/13) e pela prova testemunhal. Comprovada restou a prática do crime de ato obsceno previsto no art.
233 do Código Penal.
A autoria é induvidosa e recai sobre o recorrente em que pese alegar que estava apenas satisfazendo as suas necessidades fisiológicas.
Entretanto, a testemunha Roseli Aparecida Lucas de Oliveira Martins do Amaral (fls. 89) contou que é vizinha da Eliane (ex-companheira do réu) e que a filha da mesma pediu a ajuda no dia dos fatos. Que foi ver o que estava acontecendo, quando chegou na residência de Eliane o réu começou a falar palavrões e tirou os órgãos genitais para fora, bem como urinou na lateral da casa e que tudo isso ocorreu na frente das filhas de Eliane. Ainda, relatou que o réu urinou e permaneceu com os órgãos genitais para fora algum tempo depois. (fls. 89)
No mesmo sentido é o depoimento do policial Alcebíades Vieira que atendeu a ocorrência (fls. 88).
A ex-companheira do réu a Senhora Eliane em seu depoimento disse que não estava presente na hora dos fatos, mas que suas filhas e vizinhos relataram o acontecido, bem como as meninas ficaram traumatizadas com os fatos (fls. 87).
Assim, não há dúvidas que o réu tinha como objetivo ofender as vítimas, causando desconforto, pois como disse a testemunha o réu urinou e continuou com as genitais para fora por um tempo. Ou seja, isso demonstra o seu dolo de praticar a conduta e não apenas de satisfazer a suas necessidades fisiológicas.
Cabe transcrever trecho do Código Penal Comentado de Guilherme de Souza Nucci:
"Ainda assim, o movimento corpóreo voluntário (ato) que tenha por fim ofender o sentimento de recato, resguardo ou honestidade sexual de outrem pode ser classificado como obsceno. Ex: a pessoa que mostra o seu órgão sexual em público para chocar ou ferir o decoro de quem presencia a cena." (Nucci,
Guilherme de Souza, Código Penal Comentado ­ 10 ed. ver., atual e ampl. ­ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pag. 964).
De outro ponto de vista, o próprio ato de urinar em público ou em via pública configura a prática de ato obsceno, pois não se trata de prática comum ou aceitável em nossa sociedade, de modo que ofende o pudor público configurando o crime de ato obsceno do art. 233 do Código Penal.
Diz a jurisprudência:
"A prática de micção em si não caracteriza nenhum delito, por ser considerado um ato fisiológico natural; no entanto, o fato de urinar em lugar público, aberto ou exposto ao público, configura o crime de ato obsceno, previsto no art. 233 do CP, por ofensa ao pudor." (RT 763/598).
E:
"Ato obsceno. Exibição de órgãos genitais em via pública.
Presença de crianças e adultos no local. Delito configurado. Apelo improvido. O fato de o agente estar com o pênis desnudado em lugar público, a que terceiras pessoas, inclusive crianças, tinham acesso, seja qual fora a recepção das provas, no que concerne a tipicidade objetiva e subjetiva, realiza, de forma acabada a arquitetura normativa do crime, não dando espaço a indulgências" (RJDTACRIM 6/60).
Deste modo, o conjunto probatório deixa clara a autoria e materialidade do delito de ato de obsceno, de modo que não é possível acolher a tese absolutória da defesa. Da mesma maneira também entendeu o Ilustre Representante da Procuradoria de Justiça em seu parecer de fls. 158/162:
"Pelo material cognitivo coletado na instrução processual, restou evidenciado que a ação do recorrente estava voltada a uma afronta de ordem sexual. Embora possa ter adotado como mio o ato de satisfazer sua necessidade fisiológica (urinar), havia efetiva pretensão de ferir o sentimento das pessoas presentes, motivada pelo conflito mantido com a dona de casa, onde se encontrava, contra a qual repetidas vezes praticou atos de ofensa.
[...] Resulta induvidoso que o ato praticado pelo recorrente consistiu em mais um meio empregado para afetar a ex companheira, atingindo as filhas desta e moradores próximos. Por certo, fosse sua intenção, efetivamente, tao somente de `urinar', ainda que em local aberto, optaria por praticar a ação de forma discreta, usualmente adotada em tais circunstâncias.
A conduta, portanto, porque manifestamente dolosa, amolda-se à figura capitulada no artigo 233 do CP."
Por fim, é necessário fazer pequeno reparo, de ofício, na dosimetria da pena, em relação a pena-base no que diz respeito a análise da personalidade.
A análise desfavorável da personalidade do réu merece ser afastada. O juízo sentenciante entendeu esta circunstância desfavorável fundamentado que:

"A personalidade do réu é voltada a prática criminosa, uma vez que é agressivo e possui vários inquéritos em andamento e arquivados pelo crime de ameaça."
Entretanto, entendemos que para considerar negativamente a personalidade é necessário o laudo técnico a respeito, o que não
ocorre no caso em análise.
Esse é também o entendimento da presente Câmara Criminal:
"Para que haja acréscimo na pena-base em razão da personalidade do agente, faz-se necessária a existência de laudos técnicos aptos para tanto, não bastando a existência de ações penais já terminadas, em andamento ou inquéritos policiais." (TJPR, AC nº 655.383-1, Rel.
Des. Marcus Vinicius de Lacerda Costa, 5ª C. Crim., unânime, DJ 20/08/2010).
Cabe consignar que apesar do apelante responder a diversos inquéritos policiais, não há contra ele condenação transitada em julgado.
Desta forma, imperioso destacar a Súmula 444 do STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base."
Portanto, retiro o aumento referente a personalidade da pena-base.
Passo, então, a revisão da pena:
Na primeira-fase de aplicação da pena, a pena-base foi fixada em 06 (seis) meses de detenção, considerando como desfavoráveis as seguintes circunstâncias do art. 59 do CP: culpabilidade, personalidade, conduta social e consequências do crime. Assim, como visto acima, retiro o aumento referente a personalidade, diminuindo a pena-base em 20 (vinte) dias de detenção, perfazendo-se em 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de detenção.
Na segunda-fase de aplicação da pena está presente a a agravante do art. 61, II, "f", do CP ­ cometer o crime prevalecendo-se de relações
domésticas ­, mantenho o patamar de aumento do juízo sentenciante, agravando a pena em 02 (dois) meses de detenção, perfazendo-se provisoriamente em 07 (sete) meses e 10 (dez) dias de detenção.
Na terceira-fase estão ausentes causas de aumento ou diminuição, restando definitiva a pena em 07 (sete) meses e 10 (dez) dias de detenção.
No mais mantenho a r. sentença.
Em face do exposto, voto pelo conhecimento do recurso, e no mérito pelo não provimento, com alteração de ofício da carga penal, nos termos retro delineados.
Ex positis:
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, com alteração de ofício da carga penal, nos termos do voto.
Participou do julgamento o Senhor Desembargador MARCUS VINICIUS DE LACERDA COSTA (Presidente, com voto) e Juiz Substituto ROGÉRIO ETZEL.
Curitiba, 06 de outubro de 2.011.
DES. EDUARDO FAGUNDES Relator
MN


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