SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de ação penal pública em que figuram <"Parte Passiva Selecionada#Retorna o nome e complemento da(s) parte(s) passiva(s) selecionada(s)=6@PAPT">, partes já qualificadas nos autos, como acusados pela prática dos seguintes fatos: estariam os acusados possuindo uma munição calibre .380, um carregador de pistola para vinte munições, além de dois coldres para armas de fogo. Ao final, a acusação capitulou os fatos como violadores das seguintes regras penais: arts. 12 da lei 10.826/2003.
Vêm-me os autos conclusos para decidir sobre o recebimento ou não da denúncia.
FUNDAMENTAÇÃO
Obedecendo ao comando esculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, e dando início à formação motivada do meu convencimento acerca dos fatos narrados na inicial e imputados ao réu.
Sem dúvida, dentre os ramos do Direito Público, é no processo penal onde mais se evidencia a influência da concepção político-ideológica reinante em determinado momento. Mais que simples método de composição de conflitos, o processo penal representa verdadeiro termômetro de aferição do aparelho ideológico do Estado no qual concebido.
Partindo dessa premissa é que se observa que o modelo processual adotado recebe direta e imediatamente a influência do modelo de Estado onde concebido. Essa a razão pela qual pode-se afirmar que no modelo de Estado Democrático só há lugar e ambiente adequado para recepção do sistema processual acusatório e garantista.
O juiz não é, assim, combatente da criminalidade, muito menos o Ministério Público, cujo papel em muito excede o de mero acusador.
DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA EXCEPCIONAL
Deparei-me recentemente e algumas poucas vezes, é verdade, mas tive que me pronunciar em casos em que houve oferecimento de denúncia de um fato que considerei, de plano, atípico.
Na redação originária do CPP a resposta era simples. Dizia o artigo 43, hoje revogado expressamente, que:"Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - o fato narrado evidentemente não constituir crime;”
Importantes alterações trouxe a lei 11.719/2008 ao processo penal brasileiro. Entre elas a do dispositivo concernente à rejeição da denúncia. Diz o seguinte:
Importantes alterações trouxe a lei 11.719/2008 ao processo penal brasileiro. Entre elas a do dispositivo concernente à rejeição da denúncia. Diz o seguinte:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
O rito atual diz o seguinte: não ocorrendo nenhuma das questões processuais, vem à tona as de mérito, da mesma maneira que ocorre no processo civil (vide Nelton Agnaldo Moraes dos Santos - A técnica de elaboração da sentença civil). Por isso diz o art. 396 do CPP que não a rejeitando, sendo, então, questão de mérito, receberá a denúncia e determinará a citação do acusado para responder à acusação em 10 dias.
Eis que surge, então, o art. 397 do CPP, que determina que
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
Já vi decisões em que em casos análogos se termina reconhecendo a falta de justa causa para, diante de uma situação atípica, rejeitar a denúncia. Entendo que esse não é o correto fazer diante do princípio do devido processo legal, até porque quando se rejeita uma denúncia se possibilita que haja nova propositura.
Portanto, seria incabível rejeitar uma denúncia com base na atipicidade material de um fato, pois isso é questão de mérito, que exige um juízo de valor sobre os fatos e sua repercussão no mundo.
Assim, surgem situações em que a tipicidade formal está presente, mas a material, não. E ninguém há de discordar que pelo simples fato de estar a se responder a uma ação penal o indivíduo já tem o seu status dignitatis alterado. Passa a ser visto de maneira diferente pela comunidade. Numa entrevista de emprego um dos documentos requeridos é exatamente a folha de antecedentes. Embora não exista determinação legal que implique na não contratação, até porque feriria o princípio da presunção de inocência, inegável também é que não podemos nos descurar da realidade e fechar os olhos para o fato de que uma certidão positiva fecha as portas. Como também fecha as portas para uma série de relações sociais do pretenso acusado em juízo. A psicologia social tem vastos estudos dando conta da mudança de visão que se tem de alguém pelo fato de ser considerado um acusado. Isso, inegavelmente, termina por ter um caráter aflitivo para o acusado e, não raras vezes, seus familiares também. Por isso, toda cautela é pouco.
E diz a Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Jogando fora o formalismo niilista que não quer ver que há uma grande diferença entre por fim a uma denúncia ab-ovo antes ou depois do recebimento da denúncia, e fazendo uma hermenêutica constitucional dos dispositivos dos arts. 395 e 397 do CP, entendo que não obstante não seja caso de rejeição da denúncia, pois os critérios formais estão cumpridos, eis que é situação anômala de absolvição sumária, pois diz respeito a uma questão de fundo, patente e consolidada, que não só é de indevida acusação, como que também fere a dignidade do cidadão esperar para somente após a resposta à acusação decidir o que já se antevê agora.
Cabe, por fim, salientar que não urge ser caso de rejeição por falta de justa causa, pois essa tem a ver com a ausência de provas cabais dos fatos, da falta de um lastro probatório mínimo a embasar a acusação. Aqui o que há de faltar é exatamente a relação entre o fato e sua repercussão na espera penal, a falta de base material que justifique a conduta ser penalmente relevante, e não a comprovação de sua existência.
DO CASO CONCRETO
Decidido pela possibilidade de absolvição sumária excepcionalmente antes do recebimento da denúncia, acresço que o juízo de absolvição sumária deve ser usado com cautela, uma vez que o processo, com sua instrução preestabelecida exatamente para melhor aprofundamento da dialética do contraditório, torna-se garantia tanto para o acusado, para saber que está tendo a oportunidade de se defender com a amplitude que a Constituição lhe garante, bem como para o acusador, que poderá exercer seu papel de perseguir a pretensão punitiva outorgada pelo Estado. Contudo, não devo tratar o assunto de maneira alienada. É importante, acima de tudo, saber o que há por trás do sistema penal para tão somente após isso avaliar, diante do que dispõe o art. 5º XXXV, da Carta Constitucional de nossa República:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Em casos como o que ora analiso, bem rememoro as palavras de San Thiago Dantas: “Quem só direito sabe, nem o direito sabe”.
SOBRE O SISTEMA PENAL E SUA IMPLICAÇÃO AO PRESENTE CASO[1]
Toda sociedade tem camadas mais próximas e mais distantes do poder. E para manter essa gradação, surgem os meios de controle social. O sistema penal é apenas um deles.
Talvez em razão de estarmos imersos nesse sistema, não o percebamos facilmente, mas o controle social se vale de meios institucionalizados (como o sistema penal) ou não (como os meios de comunicação social de massa) para induzir padrões de comportamento e anestesiar aqueles que se encontram mais distantes do poder. Esse mecanismo de controle é ideológico [2]. As formas com que ele se manifesta podem ser mais sutis nos países centrais, onde as disparidades são menores; ou mais perceptíveis, nos países periféricos, como o Brasil, onde há mais desigualdades.
E essa ideologia, ao ingressar no mundo jurídico, proclamou o formalismo. E os operadores do direito se acostumaram, desde os bancos de faculdade, a pensar o direito como uma “ciência” abstraída da realidade social, seguindo os ensinamentos do positivismo jurídico de Hans Kelsen, expressos na afamada teoria pura do direito.
Quando a si própria se designa como 'pura' teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental [3].
Como se pode ver no pensamento kelseniano, ele separa o jurídico do político. E aquele não se contamina com este. Nega-se, desta forma, as necessidades sociais emergentes. E esse direito asséptico serve de instrumental para impedir o desvelamento da realidade social que o próprio direito visa, em seu discurso, aperfeiçoar.
Assim, o purismo jurídico se confronta diretamente com o Estado Democrático de Direito, em que a Jurisdição Constitucional tem finalidade transformadora da realidade social, pois só se pode transformar aquilo que se é permitido estudar e compreender [4].
CARVALHO NETTO, com perspicácia, acentua que
A dimensão dos aplicadores é fundamental. E por que é fundamental? Porque o trabalho do Legislativo, ao produzir normas gerais e abstratas, é da maior relevância, mas, na verdade, não esgota o trabalho do Direito, é apenas o início dele. O problema é que as pessoas não são gerais e as situações não são abstratas [5].
Fechando esse parêntesis, LUIS ALBERTO WARAT:
Para que nos serve um saber que não tenha competência para denunciar e colocar em crise os momentos em que o respeito à lei funciona como simulação de uma sociedade democrática? O autoritarismo mais eficiente é o que consegue diluir-se, confundir-se no interior de uma proposta discursivamente democrática. Uma proposta teórica como a de Kelsen tem uma enorme responsabilidade frente a atos autoritários simulados [6].
Assim, não me deixo iludir com os discursos assépticos, que apregoam a pureza do direito, mas, na prática, o afastam de seu objetivo mais importante: a busca da justiça social. Lembro agora as palavras de Jean Paul Sartre: “O que importa não é saber o que fizeram de nós, mas sim o que fizemos com o que quiseram fazer conosco”. Assim, minha abordagem contemplará o Direito em sua interação com seu objeto: a realidade social.
OS HOMENS DE BEM VERSUS OS MARGINAIS
Costumeiramente o senso comum divide as pessoas em “homens de bem” e “marginais”. Homens de bem seriam aquelas pessoas cumpridoras dos seus deveres. Os marginais, aqueles voltados à prática de atos danosos à sociedade, notadamente envolvendo infrações penais.
Gostaria de fazer então, uma reflexão, caro jurisdicionado. Lembrando o que disse EUGENIO RAÚL ZAFFARONI, todos nós temos um “prontuário íntimo” [7]. E o que seria isso? Desafio o jurisdicionado instigar sua memória. Será que alguma vez, por exemplo, comprou produtos made in Paraguai? Se comprou, acabou de se assumir receptador, tendo infringido a regra do artigo 180 do Código Penal (pena de 1 a 4 anos de reclusão, e multa). Já deu ou tentou dar “bola” ao guarda de trânsito? Em caso positivo, dou as boas-vindas ao caro corruptor ativo (art. 333 do CP: 2 a 12 anos de reclusão, e multa). Já comprou “sem nota” para reduzir o preço de um produto ou serviço? Se respondeu sim, fique à vontade o infrator da Lei 8.137/90 (art. 1º, inciso II: pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa). Dirigiu alguma vez sob o efeito de álcool acima do limite tolerado em lei? Se assim o fez, infringiu a regra do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (pena de detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir). Por fim, levou lança-perfume para o carnaval/micareta e dividiu com amigos? Se a resposta foi sim, seja bem-vindo, caro traficante, pois você violou a norma do art. 33 da Lei 11.343/2006, cuja pena vai de 5 a 15 anos de reclusão, além da equiparação a crime hediondo [8]. Caso não tenha incorrido em qualquer dessas condutas, reflita. Procure ver que até mesmo um jurisdicionado bem aquinhoado, educado ou culto, uma “pessoa de bem”, já praticou algumas infrações penais.
Se as colocações que fiz até agora parecem estranhas, se o jurisdicionado está intrigado, sem saber onde quero chegar com elas, posteriormente, entenderá o porquê disso. Porém, antes desse momento, é preciso fazer uma ponderação sobre alguns conceitos.
O que é violência?
É comum vermos, nos meios de comunicação em massa, a palavra violência como sinônimo de agressão física, nos crimes contra o patrimônio ou contra a pessoa. Ocorre que nós não paramos para discutir o que, na verdade, ela é.
Ontologicamente, violência é todo ato que atenta contra a dignidade do ser humano. Portanto, não somente através de ações físicas agressivas ela pode se exprimir, e nem precisa partir de indivíduos. O próprio Estado pode agir com violência. Nas palavras de NILO ODÁLIA,
O ato rotineiro e contumaz da desigualdade, das diferenças entre os homens, permitindo que alguns usufruam à saciedade o que à grande maioria é negado, é uma violência. São os hábitos, os costumes, as leis, que a mascaram, que nos levam a suportá-la com uma condição inerente às relações humanas e uma condição a ser paga pelo homem, por viver em sociedade. Agimos como se a desigualdade fosse uma norma estabelecida pela Natureza da sociedade e contra a qual pouco é possível, enquanto o mundo for mundo [9]. (...) Toda violência é institucionalizada quando admito explícita ou implicitamente, que uma relação de força é uma relação natural – como se na natureza as relações fossem de imposição e não de equilíbrio [10].
Assim, constituem violência: a fome, a falta de saneamento básico, as desigualdades sociais, a falta de meios de lazer e de salubridade ambiental e o analfabetismo, dentre outras disparidades. Fomos o último Estado a abolir a escravatura (três meses após Cuba). Portanto, não é preciso fazer muito esforço para perceber que o Brasil é, e sempre foi, um país muito violento com a maior parcela de sua população.
Aproveito para trazer as palavras de MARILENA CHAUÍ:
Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas, isto é, como seres inertes, irracionais, destituídos de linguagem e de liberdade. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de nessa condição de seres humanos ou de sujeitos racionais e agentes livres, proibindo moralmente a violência, isto é, tudo o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros. [11]
E essa violência é, muitas vezes, institucionalizada e maquiada sobre o pretexto de manutenção da ordem, como se cada um tivesse seu “lugar” na sociedade. E quando essa “ordem” é quebrada, justificar-se-ia o uso da violência estatal.
A repressão jamais pode confessar-se como tal: ela tem sempre a necessidade de ser legitimada para exercer-se sem encontrar oposição. Eis porque ela usará as bandeiras da manutenção da ordem social, da consciência moral universal, do bem-estar e do progresso de todos os cidadãos. Ela se negará enquanto violência, visto que a violência é sempre a expressão da força nua e não da lei – e como fundar uma ordem, a não ser sobre uma lei aceita e interiorizada? A relação de força vai então desaparecer enquanto tal, será sempre coberta por uma armadura jurídica e ideológica [12].
Não, ilustre jurisdicionado. Não quero ser o dono da verdade. Minha missão aqui é convidá-lo a uma breve reflexão sobre o assunto, que considero desafiante, sobretudo porque invoca a quebra de um paradigma em que eu e você fomos inseridos, e estamos quase que conformados a assim pensar. Não. A violência hermeticamente jungida à idéia de infração penal traz à tona apenas uma tacanha noção daquilo que ela realmente significa e eu não quero mais manter os meus olhos vendados à realidade que se coloca à minha frente. Uma frase do teatrólogo alemão BERTOLT BRECHT, a quem recorro agora, bem espelha os dois lados da moeda a que invoco você, caro jurisdicionado, a observar: “do rio que tudo arrasta e devora se diz que é violento. Mas ninguém diz como são violentas as margens que o oprimem” [13].
Discutindo a liberdade
As pessoas em geral entendem liberdade como direito de ir e vir. E é isso? Ser liberto é ter a possibilidade de realizar suas possibilidades, isto é, cada pessoa tem um potencial inato, está consigo, ela carrega desde o seu nascimento e se não se der a ela a possibilidade de desenvolver suas potencialidades, estar-se-á assim, lhe retirando a liberdade. O ser humano não nasce “bandido” [14], ele não nasce “bom”, mas como qualquer indivíduo, tem aspirações e desejos, muitas vezes baseados (inconscientemente) pelos valores sociais preconizados. O desenvolver de sua vida, dentro do meio em que foi inserido, e diante da negação de acesso aos meios legítimos de ascensão social, poderá, em muitos casos, condicioná-lo a comportamentos desviantes [15]. O que nós vemos hoje como “bandido” violento poderia ser um atleta. Sua agressividade foi desviada para a agressão aos outros. O estelionatário poderia ser um grande orador, uma pessoa capaz de propalar idéias e ideais, ser um líder e conduzir as pessoas a um futuro melhor. Então, é preciso dar liberdade às pessoas, no sentido de elas poderem desenvolver de forma sadia suas potencialidades. “Eu sou eu e minha circunstância”, como disse Ortega y Gasset [16].
A cidadania
Em sete passagens a nossa Constituição Federal fala em cidadania [17], soerguendo-a, em seu art. 1º, II, a fundamento da República Federativa do Brasil. Em sua acepção clássica, confundia-se com os direitos de votar e de ser votado. Hoje, entretanto, significa participação efetiva no dia-a-dia do governo, como modo de ter vez e voz junto às instâncias governamentais, casando-se a transparência da gestão pública com a possibilidade de fiscalização e cobrança por parte dos cidadãos.
Na prática, porém, vejo uma grave deformidade sobre a visão de cidadania em nosso Estado. Além da idéia clássica de cidadania, LENIO STRECK fala da “existência no Brasil de duas espécies de pessoas: o sobreintegrado ou sobrecidadão, que dispõe do sistema, mas a ele não se subordina, e o subintegrado ou subcidadão, que depende do sistema mas a ele não tem acesso” [18].
Portanto, os subcidadãos são aqueles alijados do processo decisório estatal, esquecidos e oprimidos pelo poder. Guardadas as devidas proporções, haja vista a evolução material e as conquistas tecnológicas, as favelas de hoje não diferem muito das senzalas de ontem. Já os sobrecidadãos usufruem dos benefícios de se estar perto do poder, imunizando-se do dever de não ter mais direitos que os demais. Lembro que essa noção começou cedo em nosso Estado, desde o Brasil-Colônia e suas capitanias hereditárias – os donatários e os nobres, no anverso, e os escravos e os índios, no verso.
Desta forma, posso muito bem chamar o subcidadão de marginal. O que é marginal? Ao contrário do que os meios de comunicação propalam – dando a conotação pejorativa de alguém que contraria as leis penais –, é aquele que está à margem, que não tem poder, voz ou reconhecimento na sociedade. Em nosso Estado há dezenas de milhões de marginais, e o mais contraditório (para não dizer revelador) é que a nossa Constituição inclui no seu artigo 3º, entre os objetivos fundamentais, “a erradicação da pobreza e da marginalização” e das desigualdades sociais e regionais.
Os valores em uma sociedade capitalista
Em um Estado capitalista, num mundo complexo, em que as identidades e culturas locais vão se perdendo frente aos standards e etiquetas globais, que “marcam” e “demarcam” as pessoas e seus espaços dentro da sociedade, somos rotulados através do que temos, e não do que somos. A mídia nos empurra a buscar status social. E não se questionam os meios para alcançar os fins.
Referindo-se à sociedade americana, mas em situação que muito bem se aplica à situação brasileira, COHEN afirma que a assunção dos valores consumistas das camadas mais altas por parte das camadas menos favorecidas, e as conseqüentes frustrações na hora de realizá-los, haja vista a desigualdade de preparo intelectual, estrutural e familiar –, condicionam os desprestigiados à prática de atos contra o patrimônio alheio. Os jovens das classes mais baixas estão em desvantagens para o almejado e propagandeado sucesso, e sofrem humilhação devido à interiorização da “ética do sucesso”, confundido esta com a própria virtude. E quanto maiores as desigualdades sociais, mais patentes e dramáticos serão os reflexos dessa situação [19]. É o desejo (de ter) vencendo o medo (do castigo). Alie-se isso a um meio degradante. E assim, os pressupostos para a futura criminalização estão formados.
O TIPO PENAL: CONSTRUÇÃO IDEOLÓGICA
Os valores protegidos pelo direito penal brasileiro não se adequam ao nosso status constitucional atual. A base de nossa legislação criminal é oriunda da década de quarenta do século passado – um período de Ditadura Militar onde vigorava a famosa Constituição “Polaca” de 1937. Interessante observar – muitos não percebem –, mas os nossos chamados Código Penal e Código de Processual Penal são Decretos-Lei. À época, o ditador (Getúlio Vargas) havia fechado o Congresso Nacional. O CP e o CPP outorgados por ele refletiram a visão política que se tinha: autoritária, moralista, individualista e patrimonialista, como será visto mais a frente.
MAIS SOBRE O SISTEMA PENAL
O sistema penal é parte do controle social, de cunho institucional (desvelado) e com discurso punitivo. Dentro do sistema penal o direito penal ocupa apenas uma parcela. O sistema penal, explica ZAFFARONI [20], age desde o momento em que se detecta a suspeita de uma infração penal até o cumprimento da pena, englobando a atuação do legislador, da população, da comunicação em massa, da polícia, do Judiciário, do Ministério Público e dos servidores da Execução Penal.
Na prática, o sistema penal é bastante seletivo [21], como diz ZAFFARONI, que nem fala em criminoso, mas em criminalizado [22] – referindo-se àqueles que serão escolhidos para servirem de exemplo à maioria, com o fim de silenciá-la, aquietá-la. A criminalização ou seletividade (primária) começa ainda durante o processo legislativo, isto é, na escolha dos tipos penais, na seleção das condutas que serão reprovadas no âmbito penal.
Verifica-se, inicialmente, que há uma filtragem ainda durante a fase policial. Significa dizer o quê? Ao contrário da idéia generalizada de poder que têm as autoridades judiciárias e do Ministério Público, reside na polícia um poder muito maior, pois ela é quem diz o que vai ser ou não objeto de apreciação pelo parquet e pelo magistrado.
Afastando-me do discurso idealista de imaginar que em nosso país as pessoas são tratadas igualitariamente e que o nosso direito penal é de fato e não de autor – a criminalização secundária se dá, na prática, com a persecução dos que, desfavorecidos e distanciados do poder, foram apanhados pela teia do sistema penal. E a partir daí também os juízes e promotores, imersos no habitus, no senso comum do dia-a-dia judiciário, reproduzem um discurso de ordem e criminalizam aqueles, movimentando o sistema ideológico que protege as camadas sociais favorecidas e oprime, conseqüentemente, as desfavorecidas.
Já a criminalização terciária se dá durante a execução da pena. Nosso sistema penitenciário, como será visto, é uma falácia. A contradição entre o discurso da Lei de Execução Penal e a realidade social é aterradora.
Criminalização Primária
O saber penal dogmatista, escravo da lei, “só se preocupa da legalidade das matérias que o órgão legislativo quer deixar dentro de seu âmbito e, enfim, de reduzidíssima parte da realidade que, por estar dentro desse âmbito já delimitado, os órgãos executores decidem submeter-lhe” [23].
Só para que se tenha uma idéia da irracionalidade de nossa legislação penal, vejamos alguns exemplos, ilustre leitor: (1) é mais grave duas pessoas furtarem um televisor do que torturarem alguém ou arrancarem o braço de uma pessoa[24]; (2) falsificar um creme de maquiagem é crime hediondo, com pena de até 15 anos; (3) cegar um olho de alguém é menos grave do que adulterar a placa de um carro; (4) matar alguém é punido com menor gravidade do que extorquir mediante seqüestro por mais de 24 horas; (5) matar uma criança tem pena mínima menor do que o atentado violento ao pudor contra ela.
A seletividade (criminalização) primária do sistema penal se torna ainda mais patente nas seguintes situações: (1) alguém se apropria da televisão do vizinho e a entrega antes da denúncia: pena de 1 a 4 anos de reclusão, diminuída de 1/3 a 2/3; (2) alguém se apropria da televisão do vizinho e a entrega depois da denúncia: pena de 1 a 4 anos de reclusão, podendo haver abrandamento da pena-base (conseqüências do crime favoráveis em razão da devolução da coisa); (3) um empregador se apropria das contribuições recolhidas dos empregados e que deveriam ser repassadas à previdência social ou um empresário sonega trezentos milhões de reais em tributos: pena de 2 a 5 anos, e multa. (4) Se houver o pagamento antes da ação fiscal é extinta a punibilidade. (5) E se o agente parcelar em 15 anos a dívida fica suspensa a pretensão punitiva. (6) Se quitar os débitos, mesmo após o recebimento da denúncia e o parcelamento, extingue-se a punibilidade [25].
Impressionante é que o ato de surrar alguém, causando lesão leve, é punido com pena de detenção, de 3 meses a 1 ano [26]. Já o furto de um aparelho celular impõe pena de reclusão de 1 a 4 anos, e multa [27]. As ações penais são diversas. Pública condicionada à representação da vítima, no primeiro caso [28], e pública incondicionada, no segundo. Vê-se o valor que a nossa legislação penal dá à pessoa. Ela protege o ter e não o ser (humano).
Criminalização Secundária
Como foi visto acima, até mesmo as “pessoas de bem” cometem infrações penais. Mas na sua atuação, o sistema penal, não obstante o discurso de direito penal do fato, se revela um direito penal de autor, pois incide seletivamente, oprimindo os setores menos favorecidos da população, para que os chamados “criminalizados” sirvam de exemplo aos demais [29]. Não somos tratados de maneira igual. Quanto mais centrais os grupos, menos sujeitos estão ao sistema penal. “Ser pobre não é crime, mas ajuda a chegar lá”, disse com propriedade o humorista Millôr Fernandes.
A exclusão social no Brasil é uma aberração, permeando toda a nossa história. E no dizer de MARCIO POCHMANN, a resistência ao enfrentamento da exclusão social não advém somente de governos historicamente inconseqüentes ou de políticas sociais erradas, mas das próprias classes superiores que se alheiam ao apartheid social (o grupo das famílias mais ricas brasileiras, que constitui 0,001% da população, possui um patrimônio que representa 40% do PIB brasileiro)[30], passando o discurso da desigualdade como um “fenômeno natural” para
Uma compreensão mais cômoda que vincula o ambiente da pauperização à criminalidade, cabendo, nesse sentido, o incremento do aparato de segurança e o aumento da repressão sobre as classes pobres 'perigosas'. Assim, a exclusão social tem sido concebida fundamentalmente como uma conseqüência do fracasso na trajetória individual dos próprios excluídos, incapazes de elevar a escolaridade, de obter uma ocupação de destaque e de maior remuneração, de constituir uma família exemplar, de encontrar uma carreira individual de sucesso, entre outros apanágios da alienação da riqueza [31].
Gasta-se, no Brasil, mais com segurança pública e privada do que com políticas sociais [32]. Enquanto isso,
No limiar do século XXI, o Brasil registra uma manifestação surda mas poderosa – ainda que não articulada em torno de fins políticos – dos seguimentos excluídos da cidadania, esgarçados numa sociabilidade marcada pela violência urbana e pelo 'ganho fácil' no tráfico de drogas, na prostituição e na corrupção; ou ainda, sujeitando-se ao trabalho infantil e ao trabalho quase forçado executado por milhões de jovens com inserção profundamente precária, abrindo assim novas formas espúrias de valorização do capital [33].
Mais uma vez deixando de lado o formalismo idealizador e alienante de Kelsen, vê-se que o sistema penal termina por etiquetar (labeling) [34] o criminalizado, gerando a chamada delinqüência cíclica [35], isto é, a reincidência contumaz. Cria-se um estigma, principalmente em relação àqueles que entram no ciclo de criminalização e possuem vários processos. Inconscientemente, o senso comum dos juristas é de predisposição à condenação. Maiores são as chances de aplicação de pena àquele indivíduo que se expressa usando gírias que se identificam com o discurso dos “marginais”. Candidatos potenciais também são os dependentes de entorpecentes ou que possuem uma conformação física “marginalizada”, como a presença de tatuagens no corpo.
Com efeito, não obstante as disparidades gritantes das leis incriminadoras, o sistema penal não funciona de acordo com o que está previsto nas normas garantidoras dos direitos dos criminalizados. Possui mecanismos próprios que revelam um direito penal de autor, e não de fato. Como já dito, o Judiciário e do Ministério Público imaginam ter mais poder que o aparato policial, só que a filtragem é feita na fase investigativa [36].
Após dezoito anos da Constituinte e quase dois da Reforma do Judiciário [37], muitos estados-membros ainda não possuem Defensorias Públicas funcionando. Quem conhece a realidade do processo penal brasileiro sabe dos prejuízos com essa omissão. Como o sistema penal é seletivo, os mais pobres são a ele submetidos e, na maioria das vezes, não possuem condições de constituir um defensor. Na falta de defensores públicos, são nomeados “dativos”. E o que é dado, obviamente, se revela pior do que é pago. Resultado: defesas ineficientes, quando não, materialmente inexistentes. O processo penal se transforma em um jogo de cartas marcadas, num simulacro de contraditório em ampla defesa. Bem lembradas as palavras de Honoré Balzac – escritor francês (1799 a 1850): “as leis são teias de aranha em que as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas”.
A sociedade complexa, a mídia e o bizarro
Os meios de comunicação, por outro lado, lucram com todo o espetáculo do crime, principalmente os cometidos de forma bárbara, bizarra. Infelizmente, é da natureza humana que o grotesco a atraia porque é algo diferente e que desperta no indivíduo que assiste à banalização da violência seus instintos mais primitivos. Por outro lado, a “imprensa marrom” [38] e seus repórteres se dirigem de maneira jocosa ao “elemento” ou “ao monstro” de tal localidade [39] que está preso, ferindo-lhe a dignidade constitucional e a lei [40], vendendo para as massas a opressão que ela mesma sofre.
Conforme explica FRANCESC BARATA, [41]
las noticias criminales incorporan aspectos de la desviación y del control social porque ello es importante para hacer legítimas las relaciones de poder (...) los medios contribuyen al mantenimiento de la ideologia dominante, pero estabelecen que entre éstos y las instituiciones del sistema penal se crean complejas 'negociaciones' y una lucha por la influencia. Es decir, el tema clave está em las relaciones que se estabelecen em la 'definición primaria' de la noticia. [42]
Por outro lado a sociedade complexa hoje existente tem duas faces: acesso à informação e excessos na informação. Sentimo-nos desprotegidos porque tudo ocorre de uma forma muito rápida. As mudanças são céleres. Tudo é volátil: a economia, o casamento e a família, o emprego, a vida em geral. O que está no ápice hoje amanhã pode já não estar mais. Com propriedade o jurista português FARIA COSTA resumiu a sensação hoje reinante:
O que hoje é presente, cheio de fulgor e expressividade que este pode dar, ainda hoje se transforma em passado, reconhecível já na patine de um tempo gasto. As coisas caem, no tempo do instante, em memória e só podem ser reconhecidas, não como presente mas tão-só como rememoração, como história [43].
Isso contribui para que tenhamos incertezas e, consequentemente, sensação de insegurança. E esse paradoxo dá força aos discursos alienantes de maior criminalização.
Portanto, é preciso retirar os véus (para não dizer as cortinas negras) que velam e que cegam, ofuscam e põem na escuridão a maioria de nossa população, pois Beccaria já dizia há duzentos anos que mais vale a certeza da punição do que a gravidade da pena para efeito de prevenção.
O crime organizado ou a sociedade desorganizada?
Vê-se hoje muito se falar em crime organizado. Os recentes atentados atribuídos ao primeiro comando da capital, o chamado PCC, nos trazem uma sensação de que tal fenômeno é recente e está aumentando. Contudo, as idades antiga e média conheceram as hordas que surpreendiam os nascentes burgos. O que dizer de Gengis Kan, que por onde passava não deixava homem em pé?! O que falar dos saqueadores, durante a idade média, que ficavam às margens das estradas esperando suas vítimas?! No mesmo diapasão, FRANCIS RAFAEL BACK:
O crime em larga escala também não é um fenômeno recente em uma perspectiva histórica. O contrabando, por exemplo, teve momentos de alta dose de sofisticação, como no caso das grandes quadrilhas que atuavam na França durante o antigo regime. Os piratas dos séculos XVI e XVII, por sua vez, tinham uma organização ainda mais estável, contando com apoio de algumas nações e uma estrutura de trabalho que contava com receptadores para as mercadorias roubadas, e portos seguros [44].
O que dizer da máfia, seja a italiana cosa nostra, a yacusa japonesa, a máfia chinesa e a russa?! O que dizer do nosso cangaço? Eram, todos, grupos organizados e que muitas vezes enfrentavam o poder institucionalizado.
Portanto, esse discurso da existência da criação do crime organizado como fenômeno pós-moderno é também uma falácia. O que ocorre é que os meios tecnológicos de que se utilizam se sofisticaram.
Quanto ao propagado Primeiro Comando da Capital – PCC (antigamente falava-se em Comando Vermelho, também), vê-se que sobrevive a partir do esfacelamento do sistema carcerário brasileiro, juntamente com a falta de perspectivas dentre os membros das camadas menos favorecidas. Dentro dos presídios a realidade é desumana e quem não fizer parte de uma dessas facções não terá seus direitos respeitados, ou será prejudicado em beneficio daqueles que sejam membros de um desses grupos.
Violência institucionalizada
Não costumamos também fazer uma avaliação histórica da violência institucionalizada em nosso país. Os maus-tratos contra os negros no Brasil eram comuns. O que dizer da violência contra a mulher, que só recentemente, em termos de história, pôde votar?! A mulher que ainda é oprimida – até os seus salários são inferiores ao salário do homem. E retomando a questão dos afro-descendentes, vê-se que nós temos uma imensa dívida social que até hoje ainda não foi paga – os mais de três séculos de escravidão. Os dados estatísticos demonstram que eles são as maiores vítimas da criminalização. “Negro morre de bala e branco do coração”, diz Rodrigo Vergara, que completa: “os homicídios por arma de fogo são a principal causa de morte entre negros. Morreram dessa forma 7,5% dos negros estudados, contra 2,8% dos brancos. Entre estes, essa foi a quinta causa de morte” [45].
As chacinas (Eldorado do Carajás, Acari, Candelária, Vigário Geral, dentre outras) tornaram o Brasil mundialmente conhecido como exemplo de violência contra os mais humildes. O caso mais escabroso foi a execução de 111 detentos no pavilhão 9 da casa de detenção de São Paulo. O mais triste de tudo isso é que 85% deles eram presos provisórios, isto é, dos 111, 84 deles não haviam sido, sequer, julgados [46].
De 1986 a 1996 foram registrados 6.033 assassinatos de meninos-de-rua no Rio de Janeiro, revelando descaso público com a criança e o adolescente desamparado.
E agora pergunto: há pena de morte no Brasil? E prisão perpétua? O discurso dogmático e positivista vai, obviamente, dizer que não. Mas existe, sim, embora que não institucionalizada.
Não devemos ser idealistas no sentido de imaginar que só existe o que está no papel. Os dados acima falam por si sobre a pena de morte não institucionalizada. Já a prisão perpétua se dá pelo índice de reincidência que beira 1/3. É a fossilização do indivíduo, que ingressa no sistema penal e de lá não consegue mais sair.
O Direito Penal conseguirá, isoladamente, resolver a questão da criminalidade? Não, não conseguirá. É preciso mudar a estrutura social do Estado, diminuir as disparidades. Enquanto isso não ocorrer, isso aqui não será uma Noruega.
Considerando que cada sociedade tem o crime que (muitas vezes) ela mesma produz e merece, uma política séria e honesta de prevenção deve começar por um sincero esforço de autocrítica, revisando os valores que a sociedade oficialmente pratica e proclama [47].
Em todo caso, mais vale a certeza da punição que a gravidade da pena. Um exemplo disso são as lombadas eletrônicas, na órbita administrativa. Quem de nós, em sã consciência, passaria, sem necessidade, por elas excedendo a velocidade permitida, mesmo sem saber o valor da multa?! Ninguém. Sabe-se que há uma câmera que registrará a passagem do veículo e sua velocidade, fotografando as características individualizadas do automóvel e sua placa, em caso de desobediência.
Para o psicólogo social americano MICHENER, o controle da violência só se dá se ocorrer as seguintes condições: (1) a punição dever vir imediatamente após o ato agressivo; (2) ela deve ser vista como uma conseqüência lógica daquele ato; (3) ela não deve violar as normas socialmente legítimas. Sem essas condições, as pessoas percebem a punição como injusta e acabam reagindo com raiva. E conclui que o sistema judiciário criminal falha no cumprimento dessas condições, seja pela baixa probabilidade de punição, seja porque a punição é demorada e, por isso mesmo, poucos a consideram como conseqüência lógica dos seus atos (impunidade) [48].
Mudando o paradigma: do micro para o macro
Como já foi visto, nosso sistema penal (incluindo o direito penal) é individualista, seletivo, moralista e patrimonialista. Precisamos fazer uma mudança do paradigma criminal. O Direito Penal hoje, em uma sociedade complexa, deve cuidar com mais atenção dos bens jurídicos meta-individuais. E essa mudança de modelo deve ser realizada através da constituição de um Novo Ordenamento Criminal. Deve-se dar maior destaque àquele infrator que em sua conduta lesiona um número grande, indeterminado, ou até mesmo a própria coletividade como um todo. O sistema penal, na prática de hoje, dirige-se a punir infratores e infrações menores, principalmente de natureza patrimonial individual. Não estou falando que devamos descriminalizar desenfreadamente a maioria das condutas hoje tipificadas. Contudo, devemos ponderar para diminuir as distorções, contradições e inconstitucionalidades flagrantes que, infelizmente, na práxis judiciária, terminam sendo aceitas como “normais” pelos operadores do direito.
Em uma sociedade complexa como a nossa, o verdadeiro crime organizado não usa armas de fogo. Usa gravatas ou roupas de grife. O verdadeiro crime organizado mata, silenciosamente, dezenas de milhares de pessoas todos os anos, sonegando ou desviando verbas públicas que poderiam ser utilizadas para a construção de hospitais, escolas, estradas e casas populares. Impede, assim, a inclusão social e a diminuição da revolta e da violência dos menos favorecidos contra as camadas mais privilegiadas.
Ensina o jurista PAULO SILVA FERNANDES [49] que
O crime por excelência na era global é o crime econômico. É o multiplicar, em termos inéditos, tanto da criminalidade econômica como da delinqüência de colarinho branco, como ainda e por último, dos crimes of powerful em larga escala, de circuitos criminosos que englobam a circulação de grandes capitais e a movimentação de inúmeras pessoas e organizações, frequentemente à escala internacional ou global, em prol de um fim comum, a obtenção de lucros fabulosos provenientes da prática criminosa [50].
Aproveito para trazer uma outra vertente, que ouso chamar de “crimes de macrocorporações” oriunda de grupos empresariais poderosos (na maioria das vezes sociedades anônimas e até concessionárias de serviços públicos). A cúpula dirigente se aproveita de seu poderio e estrutura tecnológica para, deliberadamente, após concerto interno premeditado, mercadológica e juridicamente assessorado – onde se pondera a relação custo/risco/resultado da prática pretendida –, obter lucros ilícitos através do cometimento de crimes contra a ordem tributária e/ou econômica, os consumidores, o meio ambiente e o Estado, ou destruindo a concorrência com práticas predatórias.
Criminalização terciária
Quanto à seletividade terciária, que se dá durante a execução da pena, informo os seguintes dados do último Censo Penitenciário Nacional [51]: Custo médio de cada vaga: 35 mil reais; custo mensal de um preso: 3,5 salários mínimos; mandados de prisão não cumpridos: 275 mil. Crimes: roubo (33%), furto (18%), homicídio (17%), tráfico (10%), lesão corporal (3%) estupro (3%), atentado violento ao pudor (2%), extorsão (1%). Idade média: 53% com menos de 30 anos (no auge da força de trabalho); ociosos por falta de trabalho dentro do sistema prisional: 55%; sem o 1º grau completo: 87%; pobres: 95%; sem condições financeiras de constituir um advogado: 85%; reincidência: 33%.
No plano mundial, nossos indicadores sociais mais importantes, dentro de um universo de 175 países estudados, são os seguintes: índice de exclusão social: 109ª posição; pobreza (renda diária inferior a US$ 2.00/dia): 71º; desigualdade social (relação entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres): 167ª posição; alfabetização: 93ª posição (atrás do Zimbábue, 88º, e Paraguai, 69º); escolarização superior: 84ª posição; homicídios: 161ª posição em 175 países (neste caso, quanto pior a colocação, maior o número de homicídios por 100 mil habitantes) [52].
CONCLUSÕES CRÍTICAS ACERCA DESSA QUESTÃO
Para que se possa diminuir a violência criminal, é necessário respeitar a dignidade da pessoa humana (abolir os sobrecidadãos e os subcidadãos). Nem os intocáveis, nem os oprimíveis.
Bem ensina ORIOL ROMANÍ quando fala que [53]
“Ya no es póssible mantener, em el contexto del saqueo de los Estados del Bienestar, unos discursos tan contradictorios com la puzante realidade del incremento de la desigualdad, por más consumo y espectáculo que medien la situación; es mas, la ideología hegenónica predica que este consumo y espectáculo hay que ganárselo individualmente em el mercado” [54].
Como já foi dito, somente a exclusão de grande parte dos tipos penais (são mais de dois mil) e a mudança de paradigma para um direito penal metaindividual irão acabar com o simbolismo de nossa legislação penal. Além disso, valorizar o indivíduo em detrimento do patrimônio. O ser antes do ter. Mudar o enfoque para podermos ter um Direito Penal efetivo que proteja o ser humano, ao invés de oprimi-lo. Assim, também, diminuiremos a superlotação dos nossos presídios, transformados em verdadeiras “universidades do crime”. Na prática, quem comete um pequeno delito e lá fica por um tempo prolongado sai degenerado.
Como o sistema é seletivo em suas três fases (selecionando os pobres) e os setores elitizados vivem encastelados em áreas protegidas (relativamente imunizados, pois só podem circular em áreas “seguras”), a classe média é quem mais sofre com a reação à violência institucionalizada contra os oprimidos. ANDREW MICHENER chama esse fenômeno da psicologia social de agressão deslocada:
O fato de, muitas vezes, as pessoas que nos provocam terem o poder de retaliação faz surgir a idéia de agressão deslocada, definida como a agressão direcionada ao alvo, que excede aquilo que qualquer provocação por parte deste alvo justificaria; instigada por uma fonte diferente, a agressão é deslocada para um alvo menos poderoso [55].
A característica dessa agressividade deslocada é a hierarquização da relação algoz-vítima, estando aquele sempre em posição de supremacia. Exemplificando: um policial, no cumprimento de seu dever, é humilhado por um chamado supercidadão, durante uma blitz. Não pôde reagir. Desloca, então, a reação à agressão inicial, quando da prisão de um assaltante, espancando-o. Este, por sua vez, irá deslocar a violência sofrida a uma futura vítima (que pode ser até um supercidadão) que atacar, já que, nessa situação, o assaltante, armado, estará em supremacia. Surge, assim, um ciclo interminável de agressões. Há recente filme, CRASH: NO LIMITE, tratando desse tema [56].
Aproveitando o exemplo, criar uma verdadeira Polícia Judiciária é essencial para construção de uma sociedade melhor. Ela não pode ficar, como hoje, submetida aos interesses do Poder Executivo. Além disso, precisa ser instrumentalizada com recursos tecnológicos que possibilitem investigações mais precisas e profundas em crimes complexos. Isto certamente não agradaria as camadas privilegiadas – pois os delitos de inteligência (dentre os quais estão os chamados “crimes do colarinho-branco”) seriam, enfim, melhor investigados, abrindo-se, também, maior possibilidade de punição. Mas somente assim diminuiríamos a violência reinante e poderíamos viver em uma sociedade menos conflituosa.
Os dados estatísticos acima demonstram as graves contradições de nossa sociedade e que a questão do crime não será resolvida pelo direito penal. Não sob o manto atual de proteção dos delitos contra o patrimônio (quem não tem, tirando de quem tem). Precisamos combater a origem do problema (que é sócio-econômico) e não sua conseqüência.
Para finalizar, certa vez, um estudante de direito, ao pagar a cadeira de Direito Penal, teve a oportunidade de visitar uma penitenciária.
Antes, ele teve o cuidado de ler a lei 7.210/84, que trata da Execução Penal no Brasil. Lá ele viu que eram direitos de todo preso, dentre outros, os seguintes: alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; e contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes[57].
Ao final, legislação embaixo do braço, dirigiu-se a um estabelecimento prisional e lá ele observou que tudo não passava de retórica: deparou-se com um ambiente insalubre, presos desassistidos sob todos os aspectos, superlotação das celas e muita revolta. Dias depois, houve uma fuga desse mesmo estabelecimento horrendo. Ocorreram mortes de dois dos que tentaram escapar. Depois de ler a reportagem, o estudante se debruçou sobre um caderno e compôs um soneto:
Sai no jornal: mais uma fuga do presídio.
A “João Chaves” é o inferno neste mundo.
É Hamurabi retornando do esquecido
E propalando o animalismo mais profundo.
Combate, ó norma, o que gera o criminoso:
Seja a miséria, o abandono, o desengano.
Traz para o pobre a esperança de algo novo.
Não só nascer, crescer e ver passarem os anos.
Que teia é essa que só prende vaga-lumes?
Pois os “gravatas” agem livres e impunes.
Será o Direito um inseticida social?
Corrupção nos palacetes do poder,
Milhões nos campos que mal têm o que comer...
Nesse país o absurdo é tão normal!
O ano era 1994. A penitenciária, a Colônia Penal Dr. João Chaves, conhecida como o “Caldeirão do Diabo”, em Natal, RN, e o estudante-poeta, eu.
Portanto, num Estado desigual como o nosso chega soar até ingênua a crença em um legislador ordinário racional e que incrimina os tipo de maneira razoável e proporcional, tudo tendo em vista uma coerência interna do sistema penal. A tipicidade primária, feita pelo legislador, chamada também de tipicidade formal já é deveras falha, por conseguinte. E no caso concreto a tipicidade material também não se constituiu validamente, uma vez que não ofendeu o bem jurídico tutelado. É ingênuo e irrazoável (para não dizer alienado) acreditar que constitui materialmente uma infração penal o fato de os acusados terem em casa uma munição calibre .380, um carregador de pistola para vinte munições, além de dois coldres para armas de fogo. Punir isso é criminalizar indevidamente alguém, lançando no sistema penal quem não deveria merecer a reprimenda.
Também não venham falar que entender atípica tal conduta estimularia a prática de infrações, pois também é ingênuo acreditar que todos os crimes análogos ao processo ora julgado estão sendo descobertos, perseguidos e punidos. A cifra negra da criminalidade é tamanha que em nosso país, para se ter uma idéia, somente 6% do homicídios terminam com um culpado identificado, julgado e condenado. Imagine dizer de uma infração dessa natureza.
Se o aparelho do Estado não aprender a melhor utilizar seus recursos em situações realmente necessárias, continuaremos mantendo esse sistema de extrema desigualdade, marcado pela opressão da maioria usurpada dos meios legítimos de assistência do Estado, e abençoando e estimulando a criminalidade em larga escala, criminalidade que tantos prejuízos causa ao Estado e ao povo brasileiro.
SOBRE A SATIAGHARA E A POSTURA DOS ÓRGÃOS ENCARREGADOS DA PERSECUÇÃO PENAL E DO JULGAMENTO DA PRETENSÃO PUNITIVA
Fechando esse extenso parêntesis, lembro que há pouco mais de seis meses a Polícia Federal deflagrou a Operação Satiagraha, prendendo por ordem judicial, dentre outros, o banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity – e um dos empresários mais ricos do Brasil –, e o investidor Naji Nahas. Foram acusados de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, gestão fraudulenta e crimes contra o sistema financeiro, incluindo a tentativa de corromper o delegado responsável pelo caso. O prejuízo perpetrado pela suposta quadrilha seria de mais de dois bilhões de reais. Fala-se até em influência dos indiciados sobre o FED – o Banco Central dos EUA.
Tratou-se de mais um exemplo da recente mudança da atuação policial federal, que girou seu foco para os chamados crimes de inteligência - infrações penais que, silenciosamente, causam prejuízos milionários à sociedade brasileira. Estávamos acostumados a somente assistir nos noticiários televisivos, principalmente os popularescos, a prisão de pessoas (quase sempre pobres) pela prática de infrações penais individuais, tais como furtos, roubos e homicídios. Agora nos perguntamos: quem seriam os verdadeiros bandidos em nosso país?
Imagino a gravidade do prejuízo que teria sido ocasionado pela organização criminosa, caso se confirmem as acusações. Representa o orçamento anual de uma prefeitura de um milhão e meio de habitantes. Construiria setenta mil casas populares, quinhentos pequenos hospitais ou igual número de escolas de médio porte. Não que se deva abandonar à própria sorte as vítimas de pequenos crimes contra o patrimônio. Mas diante de cifras dessa magnitude, necessitamos fazer uma reflexão sobre como devemos lidar com os chamados “crimes do colarinho branco”.
Pois bem, a decisão de 175 páginas foi considerada sem fundamentação e rechaça no Supremo Tribunal Federal em apenas duas horas e meia, e em 11 laudas. Diante da complexidade do caso, tal exíguo período se tratou de um tempo impensável para a maioria esmagadora dos processos e mesmo dos hábeas corpus que tramitam em todo o país, até mesmo no próprio Supremo Tribunal Federal.
Em sete passagens a Constituição Federal fala em cidadania, inclusive como fundamento da República (art. 1º, II). Na prática, porém, vemos a existência no Brasil de mais duas espécies de pessoas: o sobrecidadão, que dispõe do Estado, mas a ele não se subordina, e o subcidadão, que depende do Estado, mas a ele não tem acesso. Quando permitimos que alguns poucos se considerem e hajam como se estivessem acima da lei e do Estado, impedimos que incontáveis outros se tornem verdadeiros cidadãos. Precisamos mudar isso com ações como as recentemente tomadas. Vejamos por quê.
Corrigindo a comum miopia social quanto à seriedade do trato da questão penal sob o ângulo da criminalidade econômica, questiono-me: se tamanho desvio causou um prejuízo que daria para construir tantas casas, hospitais e escolas, quantas famílias tiveram sua dignidade e cidadania desrespeitadas? Quantas mortes foram ocasionadas pelos milhares de leitos de hospitais que não foram criados? Quantas crianças deixaram de ser educadas e findaram por se tornar os marginais vulgarmente chamados por nós? Chego a uma conclusão. Os crimes do colarinho branco, pelos prejuízos que causam ao Estado, levam milhões de brasileiros pobres para as trevas, aumentando a pressão social e a violência, pois minguam dos cofres públicos os recursos necessários para ações em prol dos mais carentes. E são esses os que realmente necessitam do Estado e só conhecem dele, normalmente, a faceta do Estado-polícia que oprime e, não raras vezes, mata.
Não me deixo enganar: precisamos todos nós, Judiciário, Ministério e Polícia, nos dar conta e agir com a convicção de que os donos desses colarinhos, embora muito bem lavados e perfumados, têm suas mãos manchadas de sangue, e aprendermos a direcionar nossos recursos, que são um cobertor curto, incapaz de ao mesmo tempo cobrir os pés e a cabeça. Necessitamos nos reeducar, aprender que o melhor caminho, mas não o mais fácil e confortável, é mesmo o de descobrir a cabeça para podermos ver e perceber a que realidade desvelada diante dos nossos olhos precisa ser mudada, e que nossa tarefa é muito maior e mais digna do que a de perseguir pequenas e irrisórias infrações formalmente, mas não materialmente penais. Quem é grande não age com pequenez.
Assim,
A)pela desproporção entre o fato e sua repercussão social e individual;
B) pela falta de desvalor da conduta e do resultado;
C) por não ferir, haja vista sua insignificância, o bem jurídico tutelado pela norma penal e as garantias de inviolabilidade contidas nos Direitos Fundamentais e que constituem a fundamentação do direito de punir do Estado (a inviolabilidade dos direitos à vida, intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ao patrimônio, à liberdade de escolha e de locomoção; e à dignidade, dentre outros);
D) pela necessidade de respeitar a dignidade da pessoa humana dos acusados, haja vista que a desproporção entre o fato e a situação jurídico-penal a que estão submetido;
Entendo que a absolvição é a solução constitucionalmente mais acertada para o caso.
CONCLUSÃO
Isto posto, tendo em mira os argumentos colacionados, estimando que merece acolhida a tese de absolvição sumária, com supedâneo no art. 5º, XXXV e XXXIX, da Constituição Federal, e arts. 395 e 397, III, do Código de Processo Penal, e em homenagem ao sistema acusatório, ABSOLVO SUMARIAMENTE, E EXCEPCIONALMENTE ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, os acusados da imputação formulada na peça acusatória.
Providências pertinentes.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
[1] Texto extraído de artigo de nossa autoria, já publicado. Vide: SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Discurso sobre o sistema penal : uma visão crítica in Revista dos Tribunais - v. 96 n. 861 jul. 2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 466-482.
[2] Tomo aqui a acepção de ideologia como “toda crença usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença em seu significado mais amplo, como noção empenhadora para a conduta, que pode ter validade objetiva” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 198. p. 507).
[3] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 01.
[4] LUIS ALBERTO WARAT diz que “a democracia se implementa através de uma prática política que possibilite ao Direito, que outorgue aos centros produtores das significações jurídicas a capacidade de criação permanente, de novos hábitos e rotinas” (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor. Vol. II. p. 259).
[5] CARVALHO NETTO, apud PRATES, Francisco de Castilho. O Conceito de Ciência subjacente ao projeto moderno de racionalização do Direito: a questão epistemológica da busca de segurança jurídica. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao012/francisco_prates.htm>. Acesso em: 09 de julho de2006.
[6] Idem. p. 260.
[7] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 58.
[8] Art. 2º da lei 8.072, de 25 de julho de 1990.
[9] ODÁLIA, Nilo. O que é violência. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 30 e 35.
[10] Idem. p. 35.
[11] CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática, 2003. p. 308.
[12] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 29.
[13] BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. 6 ed. São Paulo: Editora 34, 2004. p. 140.
[14] Recomendo interessante filme sobre o tema: DERSU UZALA. Direção de Akira Kurossaua. Manaus: Continental, 2002. DVD (140 min.). Dolby Digital 1.0 Mono. Color. Widescreen. Legendado. Port.
[15] MICHENER, Andrew H et al. Psicologia social. São Paulo: Pioneira Thomsom Learning, 2005. pp. 556-559
[16] ORTEGA Y GASSET, José, APUD REALI, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo: Paulus, 2006. Vol. 6. p. 165.
[17] Arts. 1º; II, 5º, LXXI, LXXVII; 22, XIII; 62, § 1º, “a”; 68, § 1º, II; 205, caput;
[18] Ob. cit. p. 29.
[19] COHEN, A., APUD DIAS, Jorge d Figueiredo Dias; ANDRADE, Manoel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminológica. 2ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 293.
[20] ZAFFARONI, 2001. p. 70.
[21] LENIO STRECK traz dados estatísticos feitos por uma Procuradora do Rio de Janeiro sobre crimes contra o sistema financeiro, dizendo que das 682 ações criminais, houve apenas cinco condenações na primeira instancia e mais nove na segunda. Dezenove indivíduos foram condenados por crime do colarinho branco e nenhum deles foi para a cadeia. Vide, ob. c, p. 35
[22] ZAFFARONI, 2001. p. 77.
[23] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 22.
[24] (1) art. 155, § 4º, I, do CP. Pena: 2 a 8 anos de reclusão, e multa; art. 1º da lei 9.455/97. Pena: 2 a 8 anos de reclusão; art. 129, § 2º, III, do CP. Pena: 2 a 8 anos de reclusão; (2) art. 273 do CP e art. 2º da lei 8.072/90, art. 1º, VII, “b”. Pena: 10 a 15 anos de reclusão, e multa. (3) art. 129, § 1º, III, do CP. Pena: 1 a 5 anos de reclusão; art. 311 do CP. Pena: 3 a 6 anos de reclusão, e multa. (4) art. 121, caput, do CP. Pena: 6 a 20 anos de reclusão; art. 159 § 1º, do CP. Pena: 12 a 20 anos de reclusão. (5) art. 121, § 4º, do CP. Pena: 8 a 26 anos e 6 meses de reclusão; art. 213 do CP e 9º da lei 8.072/90. Pena: 9 a 15 anos reclusão.
[25] (1) art. 168, caput, do CP; (2) art. 168, caput, na forma do art. 16, do CP (3) art. 168-A, caput, do CP. arts. 1º e 2º da lei 8.137/90. (4) Art. 168-A, § 2º, do CP. (5) Art. 9º da lei 10.684/03. (6) Art. 9º, § 2º, da lei 10.684/03.
[26] Art. 129, caput, do CP.
[27] Art. 155, caput, do CP.
[28] Art. 88 da lei 9.099/95.
[29] ZAFFARONI, 2001. p. 76.
[30] POCHMANN, Marcio, et al. (organizadores). Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004. Vol. 3. p. 29.
[31] Idem. p. 10.
[32] Ibdem. p. 10.
[33] Ibdem. p. 33.
[34] ZAFFARONI, 2001. p. 74.
[35] Processo individual e social pelo qual o criminalizado fica o estigmatizado, não mais conseguindo se readequar à vida em sociedade, retornando ao cárcere.
[36] Na prática, o poder Judiciário e o Ministério Público só vêm a ter conhecimento das infrações que a polícia formaliza, deseja. E esta, dada a desestruturação e submissão ao Poder Executivo, não possui independência para investigar pessoas ligadas aos grupos centrais do poder. Os que assim insistem são, não raras vezes, perseguidos e punidos por estarem cumprindo o seu dever funcional.
[37] Arts. 134, § 2º e 168 da Constituição Federal, com redação da Emenda Constitucional nº 45/2004.
[38] “Imprensa marrom é a forma como podem ser chamados meios de comunicação considerados sensacionalistas e que busquem alta audiência e vendagem através da divulgação exagerada de crimes e diversos acontecimentos 'apelativos'. É o equivalente brasileiro do termo yellow journalism”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imprensa_marrom>. Acesso em: 27 de junho de 2006.
[39] Repare que expressões como essa coisificam o criminalizado – transformam-no em coisa – facilitando, assim, sua exploração pela comunicação de massa, ou mesmo justificando abusos por parte de agentes policiais e da população em geral.
[40] Lei. 7.210/84. Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
[41] BARATA, Francesc. Los mass media y el pensamiento criminológico. In: BERGALLI, Roberto (org.). Sistema penal y problemas sociales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 509-510.
[42] “Os noticiários criminais incorporam aspectos da desviação e do controle social porque isso é importante para legitimar as relações de poder (...) os meios de comunicação contribuem para a manutenção da ideologia dominante, mas estabelecem que entre estes e as instituições do sistema penal se criam complexas 'negociações' e uma luta por influência. Por assim dizer, o tema-chave está nas relações que se estabelecem na 'definição primária' da notícia”.
[43] COSTA, José de Faria, apud FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, “sociedade de risco” e o futuro do direito penal: panorâmica de alguns problemas comuns. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. pp. 31-32.
[44] BACK, Francis Rafael. Perspectivas de controle aos crimes organizado e crítica à flexibilização das garantias. São Paulo: IBCCRIM, 2004. p. 56.
[45] VERGARA, Rodrigo, apud PEDROSO, Regina Célia. Violência e cidadania no Brasil: 500 anos de exclusão. São Paulo: Editora Ática, 2002. p. 20.
[46] (PEDROSO, 2002. pp. 70-81).
[47] MOLINA, García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95 – lei dos juizados especiais criminais. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 457.
[48] MICHENER, 2005. p. 343.
[49] O autor luso acima faz uma distinção entre crimes do colarinho branco, crimes econômicos e criminalidade dos poderosos. Os primeiros (white collar ciminality) são os cometidos por pessoas das camadas mais altas de uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico; a chamada criminalidade econômica afasta-se um pouco mais dos centros do poder, mas ainda considera a colocação do agente como relevante no meio social a lhe permitir a prática desses crimes em menor escala (exemplo: clonadores de cartões de crédito). Por fim, a criminalidade dos poderosos é vista sob um duplo aspecto, social e de poder, utilizando-se diretamente desses dois elementos para cometimento de abusos com o intuito de manutenção e/ou reforço desse mesmo poder, revelando-se sob o aspecto político (violência policial, genocídio, tortura) ou econômico (corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro). Ob. cit. p. 36-37 (rodapé).
[50] FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, “sociedade de risco” e o futuro do direito penal: panorâmica de alguns problemas comuns. Coimbra: Livraria Almedina, 2001. pp. 36-37.
[51] (MOLINA, 2002. pp. 671-674).
[52] PORCHMANN, Marcio, et. al. Atlas da exclusão social no Brasil: a exclusão no mundo. São Paulo: Cortez, 2004. Vol. 4. pp. 56-68.
[53] ROMANÍ, Oriol. Prohibicionismo y drogas: ¿um modelo de gestión esgotado?. In: BERGALLI, Roberto (org.). Sistema penal y problemas sociales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 440.
[54] “Já não é possível manter, no contexto do esfacelamento dos Estados do Bem-Estar, uns discursos tão contraditórios com a aberrante realidade do incremento da desigualdade, mas por consumo e espetáculo que equilibrem a situação; é mais, a ideologia hegemônica predica que este consumo e espetáculo tem que ser ganho individualmente no mercado”.
[55] (MICHENER, 2005. p. 338).
[56] CHASH: NO LIMITE. Direção de Paul Haggis. Manaus: Imagem Filmes, 2005 (112 min.). DVD. Legendado e Dublado. Colorido. Dolby Digital 5.1. Widescreen.
[57] Art. 41 da Lei das Execuções Penais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário