A OAB de Pernambuco acionou uma jovem paulista por postar mensagens contra nordestinos - inclusive pedindo para que se faça um favor a SP, “matando um nordestino afogado!”. Fiquei impressionado em saber que a autora da mensagem, Mayara Petruso, é uma estudante de Direito.
Não parece que nossas faculdades estejam ensinando adequadamente as bases humanitárias necessárias à formação.
Bem, fiquei pensando - como professor - que devia escrever algo à aluna. Achei depois que deveria fazer uma lista de livros iniciais, sem nenhum sinal de revide. Como nordestino, tenho a lamentar suas palavras, mas não nutro nenhum ódio ou desprezo para aqueles que odeiam os que nascem nesta região pobre do país. O Direito me impede pensar assim... Devo mesmo entender que o que ela diz, ou que dizem que ela disse, veio em função de um despreparo inconcebível àqueles que estudam o Direito.
Analisando bem, minha cara aluna, você esqueceu que o multiculturalismo marca o ensino jurídico na pós-sociedade moderna. Gregg Barak, em um artigo intitulado “Class, Race and Gender in Criminology and Criminal Justice”, mostra que a criminalidade se relaciona com estes temas básicos – classe, raça e gênero. No caso do ódio a nordestino, fenômeno crescente, todos sabem que isso acontece tanto por razões culturais como econômicas. Este autor sugere a leitura de dois livros fundamentais para entender o problema. O primeiro é “Ethnicity, Race and Crime: perspectives across time and Place, de Darnell Hawkins. O outro livro é “Race, Gender, and Class in Criminology: the intersectio, editado por Martin Schwartz e Dragan Milovanovic. Não conheço nada a respeito do primeiro autor, mas recomendo a leitura do outro livro de Dragan Milovanovic.
Se não lhe interessa nenhuma dessas obras, recomendo a leitura imediata de "Estigma", de Erving Goffman, texto obrigatório para entender a formação das ideias preconcebidas.
Outro livro que vai deixá-la em alerta será Outsiders: estudos de sociologia do desvio, de Howard S. Becker, publicado pela Zahar. Neste livro, você irá aprender os motivos pelos quais o grupo dá como correta a atitude do membro que desvia para defender seu território.
É preciso assim entender o desvio e seu substrato fundado na raça, classe e gênero e o que tudo isso implica ao fornecer produto para a dominação.
Se não lhe interessa nenhuma dessas obras, recomendo a leitura imediata de "Estigma", de Erving Goffman, texto obrigatório para entender a formação das ideias preconcebidas.
Outro livro que vai deixá-la em alerta será Outsiders: estudos de sociologia do desvio, de Howard S. Becker, publicado pela Zahar. Neste livro, você irá aprender os motivos pelos quais o grupo dá como correta a atitude do membro que desvia para defender seu território.
É preciso assim entender o desvio e seu substrato fundado na raça, classe e gênero e o que tudo isso implica ao fornecer produto para a dominação.
Como parte de uma classe dominadora, a aluna indignada sentiu-se desprezo e ódio aos dominados, impondo “culpa” e pena de morte àqueles subalternos desnutridos que colocaram em risco o seu projeto de poder. Pessoas sem poder ou que residem em locais estigmatizadas pela falta de poder são comumente vitimizadas ou moralmente violentadas.
Precisamos saber que o direito humano dá base a uma reflexão neutralizadora do estigma e das formas de controle. Os tempos novos chegam sempre trazendo um pouco de velhos ventos.
Minha cara aluna, entenda que o futuro do direito está em determinar formas de controle contra as desregulações de poder, porque, como explica Adm Crawford num excelente artigo sobre o controle do comportamento anti-social, os grandes problemas atuais do desvio não decorrem da pobreza mas da exclusão.
Na falta de políticas educacionais sérias para o ensino jurídico, fico pensando no que me disseram ontem: o que vai acabar com esse país são as drogas e o ENEM.
Espero do fundo do coração que um dia o Direito lhe preste a compreender a sua existência e toda a miséria que consome o ser humano.
Termino assim
Versos Íntimos
Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
1. Vão aqui os links dos livros de Dragan, Becker e Goffman:
Outsiders (em Portugues) (2008) BORGES, MARIA LUIZA X. DE A. / BECKER, HOWARD S. JORGE ZAHAR CIÊNCIAS SOCIAIS
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EstigmaNotas Sobre A Manipulaçao Da Identidade Deteriorad |
Dragan Milovanović - 1997 - 266 páginas - Não há visualização
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Stuart Henry, Dragan Milovanovic - 1996 - 288 páginas - Visualização de trechos
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Martin D. Schwartz, Dragan Milovanovic - 1999 - 311 páginas - Não há visualização
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Phillip C. Shon, Dragan Milovanovic - 2006 - 227 páginas - Visualização de trechos
books.google.com.br - Adicionar à Minha biblioteca▼
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A NOTÍCIA NO CONJUR:
Após o anúncio do resultado das eleições, uma série de mensagens preconceituosas e difamatórias contra nordestinos foram publicadas no microblog. O site “Xenofobia Não” capturou e republicou algumas delas. O assunto apareceu entre os Trending Topics do Twitter na noite de domingo.
A estudante deverá responder por crime de racismo e incitação pública de prática de crime, com penas previstas de dois a cinco anos e de três a seis meses ou multa. A jovem excluiu suas contas no Twitter e no Facebook, redes sociais em que ela publicou os ataques.
Questão de ética
Nesta quarta-feira (3/11), o escritório de advocacia Peixoto e Cury Advogados alegou que já havia demitido Mayara Petruso antes do episódio preconceituoso no Twitter. Petruso trabalhava como estagiária no escritório e seu nome passou a ganhar notoriedade nas redes sociais (em alguns casos associado ao escritório) por ter postado mensagens discriminando nordestinos no Twitter. “Nordestisto [sic] não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado”, tuitou, após a vitória de Dilma Roussef nas eleições presidenciais.
Nesta quarta-feira (3/11), o escritório de advocacia Peixoto e Cury Advogados alegou que já havia demitido Mayara Petruso antes do episódio preconceituoso no Twitter. Petruso trabalhava como estagiária no escritório e seu nome passou a ganhar notoriedade nas redes sociais (em alguns casos associado ao escritório) por ter postado mensagens discriminando nordestinos no Twitter. “Nordestisto [sic] não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado”, tuitou, após a vitória de Dilma Roussef nas eleições presidenciais.
O escritório de advocacia informou em nota que “Mayara Petruso foi sua estagiária, porém, não faz mais parte dos quadros do escritório”. A empresa afirma só ter descoberto o ocorrido pela mídia e nega que a demissão tenha sido causada pelo episódio no Twitter. Sem revelar datas ou especificar motivos, "por uma questão de ética", a assessoria de comunicação do escritório confirmou ao portal UOL mais de uma vez que Mayara foi demitida antes do episódio que ganhou repercussão na web.
Ainda que a estudante tenha removido o perfil da rede social, vários usuários deram prints nas mensagens e postaram em sites como o xenofobianao. Outra informação provavelmente retirada de seus perfis em redes sociais foi o local onde ela trabalhava: o escritório de advocacia. Confira abaixo o comunicado da empresa na íntegra (a informação sobre as datas foi passada ao portal UOL por telefone):
"O Peixoto e Cury Advogados confirma que a estudante de Direito, Mayara Petruso foi sua estagiária, porém, não faz mais parte dos quadros do escritório. Com muito pesar e indignação, lamenta a infeliz opinião pessoal emitida, em rede social, pela mesma, da qual apenas tomou conhecimento pela mídia e que veemente é contrário, deixando, assim, ao crivo das autoridades competentes as providências cabíveis."
2 comentários:
O nordeste não é pobre, lá não vive uma população predominantemente dominada e subalterna. Meu caro, dominados e dominantes há em todos os lugares, desnutridos também. Vamos deixar de estigmatizar as regiões brasileiras, os tempos são outros, somos todos irmãos brasileiros do oiapoque ao chuí.
Bem lembrado... dominados e dominantes há em todos os lugares... O recurso linguístico que utilizei para dizer que o nordeste é pobre não exclui a existência de pobreza em todos os cantos deste país; há dominados até mesmo nas regiões onde se pensa que estão os mais ricos.
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