terça-feira, 2 de outubro de 2012

02 de outubro de 1992, Ponto. Uma carta e ponto final.


Segue abaixo  carta anônima recebida pela profª. Regina Pedroso, de autoria de um dos sobreviventes do “Massacre do Carandiru”.
 
Segunda-feira São Paulo, 12 de Outubro de 1992.

“O DIA DO MASSACRE, NA CASA DE DETENSÃO, PAVILHÃO 09” (SIC)

Sexta-Feira, dia 02 de outubro de 1992, duas horas da tarde, pavilhão nove da Casa de Detensão, onde tudo começou. Hoje já faz dez dias, que aconteceu o massacre. Mas, ainda é muito forte em minha memoria, as marcas de terror vividas naquele dia. Tudo começou com uma briga violenta e, sangrenta entre dois presos que, se confrontavam a golpes de facas. Isto se deu às duas horas no segundo andar, na sexta-feira. Um dos presos, muito ferido à golpes de faca, não aguentou e enfraqueceu. Os seus companheiros não satisfeito com o resultado da briga, resolveram se vingar e, começaram tudo. Foi uma briga muito feia entre os presos, não todos, talvez um grupo de vinte presos. Os funcionários do pavilhão nove, tentaram se interferir na briga, à fim de controlar a situação, mas agindo de forma errada. Eles queriam controlar a situação, à base de canadas de ferro, batendo em todos, até naqueles que não tinham nada haver com o tumulto. Foi onde tudo deu inicio, os presos revoltados por apanharem, resolveram bater em alguns funcionários, que assustados e, extremamente amedrontados, sairam correndo, para fóra do pavilhão nove, gritando rebelião. O pavilhão ficou totalmente abandonado pelos funcionários. O pavilhão ficou apenas com os presos.
Mais ou menos umas 15 hrs do mesmo dia, já sabíamos que o pavilhão seria invadido pelo batalhão de choque. Todos resolvemos nos desarmar. Jogando fora, pelas janelas (ventanas) as facas e, pedaços de madeira. Não havia de forma alguma arma de fogo, apenas facas e, pedaços de madeira. Não existia também butijão de gás, isto porque nossos fogões, são brazeiros elétricos. Eram mais ou menos umas 15:30 hrs, quando o batalhão de choque, chegou ao pátio. Todos nós já estavamos rendidos, esperando os PMs subirem nos andares do pavilhão. Mas, não sabiamos que estavamos esperando a morte. Todos os presos gritavam; “A policia tá subindo”. Todos nós ficamos em silêncio, mas, logo o silêncio foi quebrado. Quebrado com gritos pavorosos, latidos de cães, e muito barulho de tiro. Pensavamos que, os tiros estavam sendo dados apenas para nos assustar, mas na medida em que eles atiravam, muitos presos gritavam e, logo se silenciavam para sempre. Rajadas de metralhadora, sons estrondózos de espingarda cartucheira calibre doze, barulhos de bombas, latidos de cachorro, gritos de dor e sofrimento eram ouvido por todos. Todos nós estavamos com muito medo, ouvimos policiais da Rota gritarem: “Aqui é a ROTA, seus filhos da puta”; “Voceis são lixo, animais e, precisam morrer”. Vimos policiais chegarem nos guiches dos xadrezes e, colocarem a metralhadora apontada para de  e, metralharem a todos, como 136 se fossem ratos. Rezei muito, nunca rezei tanto na minha vida, mas o terror havia tomado conta de mim e, sabia que logo chegaria a minha hora. Me encontrava num xadrez, com mais oito companheiros, todos nós estavamos completamente nús. Quando os policiais chegaram no guiche, gritamos que não atirassem e, abrimos a porta. Na porta do xadrez havia um policial que, com uma faca na mão, tentava nos furar, conforme passavamos correndo por  ele. Corremos por uma galeria escura, cheia de cachorros, policiais armados de faca, metralhadoras, pedaços de paus, o verdadeiro corredor da morte. Corri muito, vi um dos policiais apontar o revolver, na minha direção e, apertar o gatilho, levava pauladas e, facadas que não me acertavam, porque eu corria e gritava muito. Todos que conseguiram correr, tiveram mais sorte do que aqueles que obedeceram as ordens dos policiais. Muitos que escorrevam na galeria, eram mortos covarde mentes. Eles caiam e eram devorados pelos cachorros, eram esfaqueados pelos policiais, eram fuzilados covardemente. Consegui descer até o pátio que, havia muitos presos rendidos, sentados completamente nú, com a mão na cabeça. Chovia muito, ficamos horas e mais horas ali, sentados, ouvindo tiros e gritos que, nos atormentava muito. Um dos policiais que se encontrava no pátio, falou: “Já morreu cem”; “Morrendo mais de cem já está bom”; “Tá tremendo porque logo vai  chegar à sua vez”. Não sabia mais no que pensar, apenas esperava a minha hora. O dia começou a ir embora, a escuridão tomou conta de tudo, a noite ainda estava começando, e ainda tinha muita coisa para acontecer. Depois de escurecer mais,  eles deram ordem para os primeiros presos, levantarem e, andarem rápido. Eles iam subir o pavilhão. Pensei que o terror já havia acabado mas, infelizmente não. As três primeiras filas de presos que subiram foram recebidas a mordidas de cães, tiros e facadas. Todos foram mortos. Haviam muitos feridos que aguardavam socorros numa fila separada, enquanto todos subiam o pavilhão. Chegou a minha hora de subir, só podia andar olhando para o chão e vi as marcas da devastação. Haviam muitos corpos amontoados no chão. Me colocaram numa sela pequena com mais trinta presos, não dava nem prá respirar. Aonde eu me encontrava, dava para ver o pátio e, foi quando eu vi todos os companheiros no pátio, aqueles feridos que, aguardavam socorros, serem levados para dentro da escolinha e serem metralhados, eles gritavam muito, mas não por muito tempo, porque foram mortos. Fique abismado com que tinha visto. Já parecia madrugada quando vi, presos carregarem cadáveres e, logo após serem mortos. Não via a hora de tudo aquilo acabar. Ficamos contando os cadaveres que, passavam carregados pelo pátio e, a conta já ultrapassava duas centenas. O dia chegou, amanheceu, não havia mais PMs, começamos a andar nas galerias e, vimos que as marcas da destruição era bem, maior do que imaginavamos. As galerias, pareciam rios de sangue, com mais de um palmo de altura, muito sangue misturado com agua. Haviam xadrezes lotados de cadaveres, o poço do elevador, cheio de cadaver.
 Muitos feridos à bala, facada, paulada, andavam na galeria procurando pelos seus 137 companheiros que, muitos não eram encontrados. Um massacre, jamais esquecerei doque aconteceu aqui.
 Neste dia perdi um amigo que, era pai de três filhos e, já estava no direito de semiaberto. Os PMs mandaram, ele e mais dois companheiros do, 331-I, porem a cabeça na privada e, atiram, matando os três ao mesmo tempo. Josanias Ferreira de Lima, faleceu na rebelião, à tiros. Rua: 06 nº 206 – Sto Amaro – Capão Redondo – SP CEP 05871 – Cristiane Regina da Cruz, sobrinha de Josanias. “Somos presos, estamos pagando 
-------------------------------------------------------------------------------- Desconhecido.

FONTE Revista Liberdades n. 09, IBCCRIM.
Abaixo os direitos humanos! A história do massacre de cento e onze presos na Casa de Detenção de São Paulo, p. 119
Regina Célia Pedroso

Nenhum comentário: