segunda-feira, 11 de junho de 2012

Por que é preciso apoiar a greve dos professores universitários?


Caros alunos, ainda que estando motivado a iniciar mais um curso nestas férias e dar continuidade a outro de atualização, senti um peso de consciência ao preparar uma aula específica sobre a práxis na criminologia radical. Devo continuar a ensinar durante o período de férias, enquanto os professores universitários do país estão lutando por uma educação melhor? Por que dar aulas se posso ensinar com um gesto?
Um movimento de greve incomoda, mas não é apenas para isso que existe; propõe-se mesmo a diminuir as desigualdades. Estou muito longe das ações de um criminólogo radical, mas não o suficiente para entender a importância dos processos de lutas por direitos humanos e o que isso tudo tem com as ciências criminais que pretendo para mim e para os meus alunos. Um criminólogo radical não tem como sua atividade principal a descrição ou prescrição passiva de reformas. Ele não é um singelo progressista que acredita nos meios pacíficos de inquietação. Tampouco se limita a descrever a organização social ou se preocupa com os meios de sua ordem legal. Deixa isso aos positivistas.
A criminologia crítica é uma prática política direcionada à mudança de um mundo real (TAYLOR, Ian; YOUNG, Jock; WALTON, Paul (Orgs.). "Criminologia Crítica". Trad. Juarez Cirino dos Sanots e Sérgio Tancredo. Rio de Janeiro: Graal, 1980, p. 27). Ela não está paralisada num discurso acadêmico, mas fadada a resistir, fornecendo material bélico para os que não se submetem ao domínio. Duvidar e agir, portanto, é seu papel.
Como uma última trincheira teórica, serve para a conquista de novos direitos, rompendo toda e qualquer forma de colonianismo. Se estamos prontos para construir os nossos próprios direitos, isso significa que devemos nós mesmos deflagrar os processos de lutas coletivas. Ignacio Ellacuría explica que direitos humanos surgem a partir de um sentimento de agressão e daí se instaura um processo de resistência coletivo contínuo, que não termina com as leis, mas sim com a legitimação final das nossas reinvindicações.
Não seria um legítimo professor de criminologia radical se ignorasse a greve e passasse a ministrar aulas como se nada tivesse acontecendo. Não posso integrar o contramovimento daqueles que se dão por ignorantes.
Por que dar aulas se posso ensinar com um gesto? A resposta a essa pergunta vem pelas lições de Helio Gallardo, para quem “no existen derechos humanos efectivos sin una conversión radical hacia el reconocimiento y acompañamiento solidario entre individuos, grupos y culturas humanas”. E mais. Para este notável pensador, falar de efetivação de direitos humanos é buscar uma realidade libertadora que nos traga qualidade de vida familiar, de educação estatal e privada, entre tantas outras qualidades (GALLARDO, Helio. Derechos Discriminados y Olvidados. In: Sánchez Rúbio, DAVID; Flores, JOAQUÍN HERRERA e CARVALHO, Salo de [Org.]. Direitos humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. – 2. ed. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 61).
É por qualidade do ensino superior que devemos lutar e compreender as razões pelas quais precisamos aprender que estudar direito também é fazer direitos. Fazer a todo tempo, inclusive, e não somente, para nós mesmos.

FÁBIO ATAÍDE
PROFESSOR/UFRN

Um comentário:

Vitor Joanni disse...

Professor, não o conheço (sou estudante de outro curso, Gestão de Políticas Públicas) mas sei da admiração de muitos estudantes de Direito pelo sr. Concordo plenamente com o seu texto. Sinto necessidade de deixar aqui apenas uma crítica: a forma como ele foi escrito. Pela convivência com colegas do Direito, já vi muitos textos onde predomina um certo hermetismo ou nível de rebuscamento, digamos, excessivo ou pouco adequado. Não sei se o seu "público-alvo" é tal que escrever dessa forma faça todo sentido. Mas, como ele foi retuitado e alcançou outras pessoas (eu entre elas), creio que pra algumas a mensagem tenha ficado prejudicada. Longe de querer ditar regras pra blog dos outros, faço aqui esse "alerta". No mais, parabéns por incitar reflexão sobre a greve, infelizmente é uma coisa discutida de forma muito superficial na nossa UFRN.