sábado, 8 de outubro de 2011

Polêmica no RN em torno de ato do MP recomendando que presos sejam algemados às grades em caso de recusa de recebimento


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RECOMENDAÇÃO nº 005/2011 – DEGEPOL/DPGRAN
Destinatários: Delegado-Geral de Polícia Civil e Diretor do Policiamento da Grande Natal
 Objeto: Recusa de diretores de estabelecimentos prisionais, administrados pela COAPE/SEJUC, em cumprir ordens judiciais de custódia de presos
Referência: Ação Civil Pública nº 001.06.026377-7 e PICE nº 070/2010
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por sua 19ª Promotoria de Justiça da comarca de Natal, no uso de sua atribuição constitucional de CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL e com fundamento no art. 6o, inciso XX, da Lei Complementar Federal n.º 75, de 20.05.1993, c/c o art. 80 da Lei Federal n.º 8.625, de 12.02.1993, e
I. Considerando que, nos termos da Constituição da República e da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais indisponíveis;
II. Considerando que são funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Carta Magna, promovendo as medidas necessárias para a sua garantia, na forma dos arts. 127 e 129, inciso II, da Constituição Federal;
III. Considerando que compete ao Ministério Público expedir recomendações visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como do efetivo respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis;
IV. Considerando que, nos termos do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, e art. 84, inciso VI, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, é função institucional do Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial, na forma de sua Lei Orgânica;
V. Considerando que o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como escopo garantir a legalidade e eficiência do trabalho policial e visa, ainda, a assegurar a indisponibilidade da persecução criminal;
VI. Considerando que a Lei Complementar Estadual nº 141, de 09 de fevereiro de 1996, que instituiu a Lei Orgânica do Ministério Público do Rio Grande do Norte, estabelece em seu art. 67, inciso XIV, alínea “c” que, no exercício do controle externo da atividade policial, pode o Promotor de Justiça, através de medidas  judiciais e administrativas visando a assegurar a indisponibilidade da persecução penal, requisitar providências para sanar omissão indevida ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
VII. Considerando que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, conforme dispõe o art. 144, caput, da Constituição da República, se caracterizando, pois, como direito difuso da sociedade;
VIII. Considerando que a Administração Pública de qualquer dos poderes do Estado deve, necessariamente, obedecer aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do art. 37 da Constituição da República, e que a violação de tais princípios importam em atos de improbidade administrativa, punidos na forma da Lei n.º 8.429, de 02 de junho de 1992;
IX. Considerando o imenso prejuízo à atividade-fim da Polícia Judiciária ocasionado pela permanência de presos em suas delegacias, uma vez que os policiais civis, que deveriam investigar infrações penais e realizar as atividades de polícia judiciária, são desviados de suas funções para trabalhar – quase que exclusivamente – na guarda e transporte de presos, o que, como é cediço, faz com que, em relação à grande maioria dos crimes, não sejam instaurados ou concluídos os respectivos inquéritos policiais;
X. Considerando que uma das metas do Conselho Nacional de Justiça – CNJ para o ano de 2011 é “erradicar as carceragens em delegacias de polícia”, consoante consta do programa Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública – ENASP, desenvolvido em conjunto com o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP e o Ministério da Justiça;
XI. Considerando que esta Promotoria de Justiça ajuizou, no ano de 2006, a Ação Civil Pública nº 001.06.026377-7, que foi julgada procedente e, dentre outros provimentos, reconheceu que a custódia de presos, após os procedimentos de autuação em flagrante ou formalização do cumprimento do mandado judicial, não cabe à Polícia Civil, mas sim à Coordenadoria de Administração Penitenciária – COAPE, vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania – SEJUC;
XII. Considerando que a sentença de primeiro grau foi mantida pelo Tribunal de Justiça local (Apelação Cível nº 2008.006420-4) e pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.111.562/RN). A decisão ainda não transitou em julgado em função de embargos, manejados no STJ, nos quais se discute exclusivamente a aplicabilidade ou não de multa (astreintes) às pessoas físicas dos agentes públicos encarregados do cumprimento da decisão, ou seja, não há mais qualquer discussão sobre a obrigação da pessoa jurídica (Estado do Rio Grande do Norte) em cumprir o quanto determinado na ação judicial;
XIII. Considerando que, independentemente da ação civil pública supracitada, o §3º do art. 86 da Lei nº 7.210/1984 (acrescentado pela Lei nº 10.792/2003), estabelece que “caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa definir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos”, extraindo-se dessa norma, pelo menos, dois comandos: 1) o preso provisório deve ser custodiado em estabelecimento prisional (categoria na qual não se inclui qualquer repartição policial); e 2) cabe ao juiz competente – que no caso do preso provisório é o juiz do processo ou plantonista – definir qual o estabelecimento adequado;
XIV. Considerando que, apesar da clareza do comando normativo, muitos juízes criminais, ao examinar o comunicado de prisão em flagrante, não designam o estabelecimento prisional (cadeia pública ou centro de detenção provisória) no qual deve o preso ser custodiado, sendo incontroverso, por outro lado, que essa decisão é de caráter jurisdicional e, portanto, não pode, em hipótese alguma, ser tomada por outro servidor público qualquer, mas apenas e tão-somente pelo magistrado com competência para tanto;
XV. Considerando que essa omissão impede, na maioria dos casos, que a Polícia Civil transfira o preso, haja vista que, sob o argumento da “falta de vagas”, os servidores do sistema prisional simplesmente se recusam a receber novos presos, fazendo com que estes permaneçam indefinidamente custodiados nas delegacias de polícia – onde tampouco existem vagas ou as mínimas condições de segurança e salubridade, como ficou demonstrado em reportagem publicada hoje (dia 27/09/2011), na página eletrônica do jornal Tribuna do Norte, com o título “Delegado classifica superlotação na plantão Zona Sul como caos”, se referindo ao diretor da DPGRAN/DEGEPOL;
XVI. Considerando que o órgão público que deve gerenciar o sistema prisional é a COAPE/SEJUC, não podendo a Polícia Civil ser desviada de sua missão constitucional para lidar com um problema que não lhe diz respeito – nem tampouco voluntariamente se dispor a fazer o que não lhe cabe legalmente;
XVII. Considerando, ainda, que a designação do estabelecimento prisional para o abrigo do preso provisório não é uma mera faculdade do magistrado, mas uma obrigação imposta legalmente, bem como que já foram solicitadas, formalmente, providências à Corregedoria da Justiça do Rio Grande do Norte;
XVIII. Considerando, por fim, que uma ordem judicial só perde a sua validade e eficácia se revogada por outra da mesma autoridade judiciária ou de superior instância do Poder Judiciário, não podendo, em hipótese alguma, um servidor público, por ato próprio e discricionário, recusar o cumprimento, sob pena de restar configurado, por parte deste, o crime de desobediência, além de ato de improbidade administrativa;
Resolve RECOMENDAR ao Exmº Sr. Delegado-Geral de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Norte (DEGEPOL) e ao Ilmº Sr. Diretor do Policiamento da Grande Natal (DPGRAN) que determinem às autoridades policiais civis que lhes são subordinadas, no âmbito da comarca de Natal, que adotem as seguintes providências no cumprimento de mandados de prisão e comunicações de prisão em flagrante:
1. Em caso de prisão em flagrante, em que não for arbitrada fiança ou, se arbitrada, não for recolhida, a autoridade policial, ao comunicar a prisão ao juiz competente, deverá expressamente provocá-lo para que, nos termos do §3º do art. 86 da Lei nº 7.210/1984 (acrescentado pela Lei nº 10.792/2003), defina o estabelecimento prisional em que o flagranteado deverá, doravante, ser custodiado, inclusive esclarecendo que a Polícia Civil não tem como alimentar, abrigar ou suprir – nem mesmo transitoriamente – as necessidades básicas de um ser humano, bem como que os seus servidores não podem ser compelidos ao desvio de função;
2. De posse do mandado de prisão, proceda ao imediato encaminhamento do preso ao ITEP/RN, para exame de corpo de delito, e, logo em seguida, sem retorno à delegacia, o transfira para o estabelecimento prisional determinado pelo juiz competente, constante do próprio mandado, a qualquer hora do dia ou da noite;
3. Em caso de recusa ao cumprimento da ordem judicial, os policiais civis encarregados da diligência de transferência do preso (sendo aconselhável o número mínimo de três) deverão ser orientados a tomar as seguintes providências:
a) Estando presente o diretor do estabelecimento prisional, e emanando deste a desobediência à ordem judicial, deverá o referido gestor ser detido e conduzido à presença da autoridade policial com circunscrição na área de consumação do delito (CP, art. 330), para a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência pertinente, a ser encaminhado ao órgão jurisdicional competente, na forma da legislação vigente;
b) Ausente o diretor do estabelecimento indicado na ordem judicial, a mesma providência deverá ser adotada em relação ao seu substituto legal ou ao servidor que esteja responsável, no momento, pela administração do local, salvo se for o único presente, hipótese em que não seria prudente deixar os demais presos desvigiados;
c) Em qualquer das hipóteses de recusa, independentemente das providências pertinentes ao crime de desobediência, o policial civil condutor deverá algemar o preso junto às grades ou outro ponto fixo do interior do estabelecimento indicado na ordem judicial – com algemas descartáveis (tipo abraçadeira, confeccionadas em material sintético) – e advertir o agente penitenciário presente de que, a partir daquele momento, o conduzido estará sob a responsabilidade da COAPE/SEJUC, se retirando do local em seguida, devendo tudo ser certificado no verso do mandado judicial, com a assinatura das testemunhas presentes, que poderão ser os próprios policiais civis que auxiliaram na condução;
d) Sendo adotada alguma das providências precedentes, deverá a autoridade policial, no prazo de 24 horas, comunicar ao juízo competente, formalmente, todo o ocorrido, bem como juntar aos autos do inquérito policial respectivo cópias do mandado de prisão, da certidão do policial condutor e, quando for o caso, do TCO referido no item “a”;
e) Em nenhuma hipótese deverão os policiais civis retornar à Delegacia de Polícia com o preso que eventualmente, por algum motivo, não tenha sido recebido voluntariamente ou deixado no estabelecimento prisional. Acaso ocorra algum motivo insuperável, deverá a autoridade policial ser imediatamente comunicada para, imediatamente, buscar providências junto ao Juízo que teve a ordem desobedecida, inclusive com a apresentação física do preso ao magistrado respectivo, a fim de que este decida, nos autos do processo, o que fazer ou onde custodiar o mesmo.
As autoridades policiais a quem é dirigida esta recomendação deverão, no prazo de 10 (dez) dias, informar a esta Promotoria de Justiça as providências adotadas, inclusive se a acataram ou não, para as providências ulteriores.
Natal/RN, 27 de setembro de 2011.
Wendell Beetoven Ribeiro Agra
Promotor de Justiça

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