sábado, 1 de outubro de 2011

Na edição deste mës do Boletim do IBCCrim, destaco o artigo do aluno e pesquisador da UFRN, Gabriel Bulhões. Vale a pena uma leitura!

Destacado aluno da UFRN, Gabriel é uma das promessas nas ciências criminais. Digo isso porque o conheço como monitor de minha disciplina e participante de um projeto de pesquisa que coordeno. O exemplo dele segue uma sorte que foge do lugar comum. Agora, recentemente passou em seu primeiro concurso para estagiário do TJRN.  

Vamos ao seu texto:


COM A PALAVRA, O ESTUDANTE - A adoção da teoria da coculpabilidade limitada no contexto local hodierno, sob a forma de política afirmativa brasileira
Gabriel Bulhões Nóbrega Dias
http://ibccrim.org.br/site/boletim/exibir_artigos.php?id=4467
Boletim do IBCCRIM 227

Tomando por base o atual contexto social do Brasil, reflexo de séculos de exclusão segregadora e condicionante sofrida pela população de baixa renda do país, claramente etiquetada e hegemônica no âmbito da carcerização nacional, pode-se explanar a respeito da necessidade de um conjunto de respostas estatais no sistema normativo a fim de atuar nessa realidade positivamente. Conferindo, dessa forma, a concretização de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, exposto pela Carta Cidadã de 1988 no inciso III do seu art. 3º, qual seja: “Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; assim como “construir uma sociedade livre, justa e solidária”(art. 3º, I, CF).
Por conseguinte, uma das formas que o Estado vem desenvolvendo para assegurar essa resposta eficaz em face das desigualdades existentes é a adoção de políticas afirmativas, em que é estabelecida uma espécie dediscriminação positiva, através da atividade normatizadora.
Desse modo, a adoção de tais políticas é necessária quando se observa na sociedade alguma deformação discriminatória e/ou excludente, em que um grupo determinado permanece reiteradamente sendo renegado em detrimento de outros. Oportuno lembrar que esses quadros se formam através do curso do processo histórico-cultural, em que são forjadas as concepções apriorísticas e discriminantes.
Tomando por base tal assertiva, pugna-se pela necessidade da adoção, atendendo aos anseios sociais latentes e condicionando os magistrados em determinadas circunstâncias (especificamente regulamentadas), da tese da coculpabilidade limitada, levantada por Zaffaroni.
Visando embasar essa explanação, é relevante observar o complexo contexto fático-social do Brasil, o qual é pautado por uma gama de fatores segregadores intrinsicamente enraizados na consciência coletiva(1) e no cerne estrutural das instituições estatais, sob o beneplácito da omissão estatal.
Para dar prosseguimento ao estudo, necessário estabelecer, em suma, o conceito de coculpabilidade. Tal definição consiste em uma forma de amenizar a reprovabilidade de uma conduta delituosa através da atenuação da culpabilidade do agente, sendo esta absorvida pelo Estado (e, em última análise, pela própria sociedade), em virtude de sua prévia omissão.
Para fundamentar essa atenuação, pondera-se a respeito do dever estatal e sua concreta omissão frente aos setores sociais marginalizados pelo processo segregador retro mencionado. Fala-se, nesse prisma, em uma culpabilidade conjunta exercida pelo executor do crime e pelo Estado, o qual não propôs condições para aquele agente ter outros rumos em sua vida, condicionando-o, em parte, através de um sistema de controle social eficaz, a uma vida criminosa.
Versando sobre o assunto, valiosas são as lições de Zaffaroni ePierangeli,(2) in verbis:
“... há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionados desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade.”
Acerca da tese da coculpabilidade, interessante observar, ainda, o que nos fala Nucci:(3)
Trata-se da reprovação conjunta que deve ser exercida sobre o Estado, tanto quanto se faz com relação ao autor de uma infração penal, quando se verifica não ter sido proporcionada a todos igualdade de oportunidades na vida, significando, pois, que alguns tendem ao crime por falta de opções.”
Não obstante o exposto, oportuno salientar que não se pretende defender uma teoria absoluta da coculpabilidade, isto é, a extinção da culpabilidade do agente, malgrado a preponderância da omissão estatal em algumas situações.
Em sentido diverso, o que se propõe é que seja adotado o cabimento de uma atenuação à culpabilidade (coculpabilidade limitada), notadamente divergente de sua extinção. Caso fosse adotada a coculpabilidade absoluta, abrir-se-iam as portas à impunidade, o que pode não ser interessante como uma resposta ao violento contexto criminológico do Brasil. Por conseguinte, isso certamente se transformaria em um fator criminógeno.
Por outro lado, não se pretende utilizar esse conceito (coculpabilidade limitada) através da atenuante inominada que nos fala o art. 66 do Código Penal brasileiro,(4) conforme vem sendo empregado (haja vista ser a única opção atual do julgador, caso ache por bem utilizar tal conceito) por alguns magistrados vanguardistas, os quais enxergam a necessidade da adoção de tal tese no contexto atual do Brasil.
Não obstante, defende-se, aqui, que se institua a coculpabilidade como uma atenuante específica inserta no rol do art. 65 do nosso Código Penal. Dessarte, ficaria a cargo, ainda, da atividade legiferante, da literatura e das construções pretorianas a determinação de tal atenuante como sendo preponderante ou não. Portanto, resta clara a insuficiência do art. 66, uma vez que este não torna obrigatória a adoção de tal teoria pelos órgãos julgadores.
Sendo assim, devido à falta de vinculação do julgador às atenuantes inominadas, há a preocupação em relação ao arbítrio do juiz. Por esse prisma, verifica-se que a implementação da coculpabilidade como uma atenuante através da fundamentação no art. 66 torna tal aplicação exacerbadamente incerta e nada garantida, uma vez que a mesma fica condicionada ao decisionismo do juiz. Defende-se, oportunamente, que essa atenuante deveria ser aplicada na terceira fase da dosimetria da pena sempre que preenchidos os requisitos que configuram tal situação, como a situação socioeconômica do agente, v.g., e outras que venham a ser levantadas quando da discussão sobre o tema para a concretização legislativa.
NOTAS
(1) Em Durkheim, tem-se consciência coletiva ou comum o conjunto de crenças e de sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade e que forma um sistema determinado, que tem sua vida própria. Essa consciência está difusa em toda a sociedade, e independe das condições particulares em que se encontram cada indivíduo, ainda que não se realize senão nos indivíduos. Esses valores que impregnam a consciência coletiva são produto do desenvolvimento histórico da sociedade (cf.DURKHEIM, Émile. Sociologia. In: RODRIGUES, José AlbertinoColeção grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática, 1993).
(2) ZAFFARONI, Eugenio RaulPIERANGELI, José HenriqueManual de direito penal brasileiro – Parte Geral. São Paulo: Ed. RT, 1997, p. 613.
(3) NUCCI, Guilherme de SouzaManual de Direto Penal. 6ª edição. São Paulo: Ed. RT, 2009, p. 294.
(4) “Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”
Gabriel Bulhões Nóbrega Dias
Graduando do curso de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Membro do Projeto Pesquisas Jurídicas – PPJ (UFRN).
Membro do Projeto Lições de Cidadania em Ambientes de Privação de Liberdade (UFRN).
Monitor de Direito Penal.
Pesquisador da Linha de Pesquisa: Sociedade, Crime e Exclusão – Professor Orientador Fábio Ataíde (UFRN).
Estagiário do Fernandes & Silveira – Advogados Associados

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