domingo, 19 de dezembro de 2010

abuso do direito de defesa


Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 1
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação penal para condenar Deputado Federal pela prática dos delitos tipificados nos artigos 288 e 312, este na forma do art. 71, c/c o art. 69, todos do CP, à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão e ao pagamento de 66 dias-multa, no valor de um salário mínimo vigente à época do fato, corrigido monetariamente. Na espécie, o Ministério Público do Estado de Rondônia instaurara procedimento investigatório a partir de representações em que questionada a licitude de contrato publicitário firmado entre a Assembléia Legislativa local e determinada empresa. No decorrer das apurações, o parquet constatara a existência de suposto esquema criminoso — engendrado para desviar dinheiro daquela Casa Legislativa — no qual o réu, na qualidade de diretor financeiro da Assembléia Legislativa, teria assinado vários cheques e os repassado, por mais de 2 anos, à mencionada empresa de publicidade a pretexto de pagamento pelos serviços, sequer prestados. Em razão disso, o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público daquela unidade federativa oferecera denúncia contra o parlamentar e outros 7 co-réus por formação de quadrilha e peculato, em concurso material e de pessoas. Após o recebimento da inicial acusatória pela Corte de origem, o réu fora empossado Deputado Federal e o processo, desmembrado, remetido ao STF, que assim o mantivera e afirmara a validade dos atos judiciais praticados anteriormente à diplomação e à posse do parlamentar federal.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010.  (AP-396)

Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 2
Inicialmente, por maioria, resolveu-se questão de ordem suscitada pela Min. Cármen Lúcia, relatora, no sentido de se reconhecer a subsistência da competência do Supremo para a causa. Tendo em conta que o parlamentar apresentara, perante à Presidência da Câmara dos Deputados, manifestação formal de renúncia ao seu mandato, a defesa alegava que a prerrogativa de foro não mais se justificaria. Realçou-se que o pleito de renúncia fora formulado em 27.10.2010 e publicado no Diário da Câmara no dia seguinte, data para a qual pautado o julgamento da presente ação penal. Aduziu-se que os motivos e fins desse ato demonstrariam o intento do parlamentar de se subtrair ao julgamento por esta Corte, em inaceitável fraude processual, que frustraria as regras constitucionais e não apenas as de competência. Destacou-se, desse modo, que os fins dessa renúncia — às vésperas da apreciação do feito e após a tramitação do processo por mais de 14 anos — não se incluiriam entre aqueles aptos a impedir o prosseguimento do julgamento, configurando, ao revés, abuso de direito ao qual o sistema constitucional vigente não daria guarida. Vencido o Min. Marco Aurélio que, ao salientar a competência de direito estrito do Supremo, assentava que, com a renúncia operada, o réu teria deixado de ser membro do Congresso Nacional, o que cessaria, em conseqüência, a competência desta Corte. Os Ministros Dias Toffoli e Joaquim Barbosa sinalizavam, ainda, não ter efeito a renúncia operada após o fim da instrução, quando o processo já estiver concluso para o relator, faltando apenas a elaboração do voto.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010.  (AP-396)

Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 3
Em seguida, rejeitaram-se todas as preliminares argüidas pelo réu. No tocante à alegação de que o inquérito teria sido instaurado e dirigido pelo Ministério Público em ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, enfatizou-se que os elementos de informação que serviram de suporte para a denúncia não teriam sido extraídos de investigação penal conduzida pelo parquet, mas de autos de inquérito civil. Relativamente à eventual quebra do princípio do promotor natural, observou-se que a peça acusatória fora apresentada pelo titular do órgão ministerial em âmbito estadual. Ressaltou-se, ainda, que os crimes em apreço seriam crimes contra a Administração Pública, o que afastaria a assertiva de que, por se tratar de crime político, haveria a impossibilidade de instauração de ação de improbidade. Repeliram-se, de igual modo, os argumentos de inépcia da denúncia e de ausência de subsunção dos fatos narrados ao tipo penal do art. 288 do CP ao fundamento de que a inicial teria delineado os limites de atuação do parlamentar. Por fim, quanto à necessidade de unidade do julgamento, mencionou-se que o desmembramento do processo fora mantido, em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010.  (AP-396)

Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 4
No mérito, reputou-se que a materialidade do crime de peculato estaria demonstrada pela vasta prova documental carreada, especialmente pelos cheques destinados ao pagamento da empresa. Acrescentou-se que a prova testemunhal produzida revelaria que a empresa de publicidade, embora tivesse recebido os pagamentos, não prestara serviços para o Poder Legislativo do Estado-membro e nem emitira notas fiscais. No ponto, assinalou-se que testemunha afirmara que documentos teriam sido incinerados por um dos co-réus. No que concerne à autoria, considerou-se que o acervo probatório, produzido sob o crivo do contraditório, apresentaria elementos de convicção suficientes para a formação de um juízo de certeza sobre o envolvimento do parlamentar na empreitada criminosa. Além dos cheques por ele assinados, as testemunhas ouvidas em juízo confirmaram que o parlamentar seria o diretor financeiro da Assembléia Legislativa à época. Também constariam depoimentos afirmando que a empresa que recebia os cheques não possuiria registro contábil, empregados, escritório, equipamentos ou telefone para contato. Consignou-se que não se trataria de responsabilização do acusado com base em prova indiciária, entretanto, ter-se-iam elementos de informação em simetria com o conjunto de provas produzidas durante a instrução processual. Assim, explicitou-se que os indícios obtidos na fase de investigação teriam sido confirmados pela instrução processual. Registrou-se não ser razoável supor-se que um diretor financeiro, ao efetuar o pagamento de serviços que custaram milhões de reais aos cofres públicos, desconhece a não realização dos serviços de publicidade. Por derradeiro, reconheceu-se a ocorrência de crime continuado (CP, art. 71), haja vista que os delitos de peculato teriam sido perpetrados no exercício do cargo de diretor financeiro da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, por meio da assinatura de cheques pertencentes a tal órgão e a emissão de cada um deles fora efetuada com regularidade de tempo.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010.  (AP-396)

Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 5
Com relação ao crime de formação de quadrilha, destacou-se que o tipo exigiria que, pelo menos, 4 pessoas se associassem, em caráter estável e permanente, com a finalidade de cometer crimes. Assinalou-se que no esquema criminoso teria ficado comprovado o envolvimento do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, irmão do réu, de empresário do setor de comunicações naquele ente federativo, de servidores daquela Casa Legislativa e de sócios e patrono da empresa de publicidade. O caráter estável e permanente da associação também estaria demonstrado, já que efetuados, pelo menos, 22 pagamentos indevidos em um período de quase 1 ano. Ademais, avaliou-se que a continuidade delitiva seria bastante para a caracterização da elementar “finalidade de cometer crimes”. Quanto ao parlamentar, destacou-se que o delito de formação de quadrilha teria prova autônoma e independente, de forma a inexistir impedimento à sua condenação por tal crime, independentemente da apuração, nestes autos, da responsabilidade dos demais envolvidos. Informou-se, ademais, que os outros co-réus estariam sendo processados pelo mesmo crime na instância própria, com prolação de sentença penal condenatória. Afirmou-se que, na hipótese de absolvição desses co-réus em instância diversa e de condenação do parlamentar na presente ação penal, existiriam soluções processuais para evitar essa aporia, a exemplo da revisão criminal. Vencido o Min. Cezar Peluso, Presidente, que absolvia o réu da imputação do art. 288 do CP. Ao enfatizar a plurissubjetividade do tipo penal em apreço e o desmembramento do processo, considerava que, para haver condenação pelo Supremo, seria necessário que os demais co-réus tivessem sido definitivamente condenados pelo juízo competente, sob pena do reconhecimento de formação de quadrilha a um único membro.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010.  (AP-396)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 6
No tocante à dosimetria da pena, prevaleceu o voto do Min. Dias Toffoli, revisor, relativamente ao delito de peculato, que estabeleceu a pena-base em 5 anos de reclusão e 30 dias-multa (culpabilidade, conduta social, personalidade, circunstâncias, motivos e conseqüências do delito desfavoráveis ao sentenciado) e, ante a ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, aplicou, à pena provisória, a majoração em 1/3, ante a causa especial de aumento prevista no § 2º do art. 327 do CP, a totalizar 6 anos e 8 meses de reclusão e 40 dias-multa. Nos termos preceituados no art. 71 do CP, aumentou a pena em 2/3, tornando-a definitiva em 11 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 66 dias-multa. No que concerne à formação de quadrilha, fixou-se a pena em 2 anos e 3 meses de reclusão. Em conseqüência, determinou-se o regime fechado para o cumprimento inicial da pena. Na reparação do dano, seguiu-se a proposta da relatora no sentido da restituição, pelo sentenciado, aos cofres públicos do Estado de Rondônia do valor correspondente a R$ 1.647.500,00, atualizados na execução pelos índices de correção monetária, e da suspensão dos seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação, além de outras cominações constantes de seu voto. Assentou-se o não cabimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a possibilidade de o réu recorrer em liberdade, até que a pena se torne definitiva. Vencidos, quanto à dosimetria em relação ao peculato, os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que aplicavam a pena de 13 anos e 9 meses de reclusão e 230 dias-multa, e Cezar Peluso, Presidente, que a fixava em 11 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 66 dias-multa.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010.  (AP-396)

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