quarta-feira, 17 de março de 2010

O homem que trocou uma fazenda de café por um vestibular em Direito


Vamos a alguns trechos:


Doutor Sebastião Rios Correa
É verdade isso. Você foi mais que um vencedor na carreira do Direito.
Poucos podem ostentar os títulos, os louros conquistados. Eu sempre fiquei preocupado, e me
perguntava: Mas por que o Cernicchiaro não vai para uma vara criminal, um renomado
escritor na área do Direito Penal, professor emérito, mas você sempre fugiu do exercício na
área criminal.
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Fugi. Fugi pelas razões já expendidas. Não suportava a idéia de passar horas
e horas em audiências intermináveis. A prática nesta área é brutal.
Há uma explicação para isso. Em primeiro lugar, até hoje recebo influência
intelectual do saudoso Roberto Lyra Filho, e ele dizia: “Não leia só o Código Penal. Não leia
só os comentários de Código Penal. O Direito é uno. Então, é necessário você ir aos princípios
para poder extrair a conclusão correta”. Essa foi a razão por que eu aproveitava a
oportunidade para ir para a Vara de Família, para a Vara da Fazenda Pública e, com isso, ia
ganhando experiência e conhecimento.


...



Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Exato, foi doutorado. E o meu orientador foi o Professor Deloquo, professor
muito exigente, era o diretor da faculdade, tinha a mania de abrir a porta da biblioteca e olhar
quem estava presente ou não. E um dia ele falou: “Venha cá, não tenho visto você na
biblioteca”. Eu falei: Mas eu estou estudando em casa. A Concita estava esperando Anna
Maria. Ele falou: “Em casa não se estuda, é na biblioteca que se encontra o ambiente propício
ao estudo”. E eu, então, tive que freqüentar a biblioteca. Felizmente minha tese foi aceita e
recebi o título de doutor na Universidade La Sapienza, de Roma. Isso eu agradeço muito ao
Professor Azevedo, que me concedeu licença remunerada da Universidade e também ao
Diretor João Herculino, do CEUB, que também me deu uma licença remunerada. Foi um
momento de grande satisfação, de conhecimento, de leitura, de expansão de idéias.
...


Desembargadora Maria Thereza Braga
Quantos anos o senhor ficou no STJ, e os seus trabalhos na comissão de
elaboração do Código Penal. O senhor também atuou na Lei de Execução?
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Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Não. Na elaboração e reforma do Código Penal, eu participei de duas
comissões. Uma presidida pelo nosso amigo Ibraim Abi-Ackel e na segunda vez pelo meu
contemporâneo de faculdade José Gregori.
Tivemos, talvez, a ousadia de colocar no texto temas que hoje estão na
ordem do dia. Nós defendíamos, por exemplo, a possibilidade da interrupção da gravidez no
caso de anencefalia. Como sabíamos que a Igreja seria contrária a essa tese, fui à CNBB,
conversei com o Secretário Geral e ele me disse o seguinte: se o governo mandar esse projeto
para o Congresso Nacional, vou reunir uma série de deficientes físicos, e todos carregando
uma bandeira: nós também temos o direito de nascer.
Em contrapartida, achei interessante a colocação dele, quando dizia o
seguinte: se é um adulto, em que a Medicina já deu todo o esforço possível e se chegou à
conclusão da impossibilidade de se continuar a vida, é deixar de dar o tratamento, usando até
um argumento de ordem econômica, que às vezes leva todo um patrimônio da família para
nada.
Posteriormente, quando foi Ministro da Justiça, José Gregori – repito, foi
meu contemporâneo de faculdade, embora formado uns dois ou três anos antes de mim, ele
também foi o orador da turma – ele me convocou para fazermos mais uma tentativa, e
fizemos, mas não foi transformada em lei. Com isso, a gente vai brincando com o Direito.
Acho que estudar o Direito, abrir o código, abrir o livro, para mim é uma diversão. É como o
garotinho que pega um gibi para ver as figuras, no bom sentido...
As lembranças que trago da magistratura, seja no Tribunal de Justiça seja
no Superior Tribunal de Justiça, são as melhores possíveis. Meus relacionamentos sempre
foram – a Desembargadora Maria Thereza e o Rios sabem perfeitamente que em determinada
época integrar o TJDF era um risco. Precisava colocar a vida no seguro. Mas tudo passou. É
um Tribunal que se projetou, está num plano de primeira qualidade. No Superior Tribunal de
Justiça também ha divergências, como em todo colegiado, mas de lá trago profunda, uma
lembrança muito boa!
Temos o hábito de toda quarta-feira os ministros do Superior Tribunal de
Justiça aposentados se reúnem lá no Tribunal, na Sala dos Aposentados, para trocar idéias.
Com mordomia, de um lanche aos aposentados.
...


Temos um ponto que é fundamental para evitarmos, como regra, assim, a
Primeira Instância: é o tratamento que os advogados recebem na Primeira Instância. Às vezes
não há cadeira, tem que ficar em pé, marca audiência para às 2h e só faz às 4h. Então, acaba
não compensando, não é? Não é uma questão de discriminação, mas apenas de facilitação do
nosso trabalho. E ouvir testemunhas.
Uma vez tive que advogar na Primeira Instância, não pude recusar, mas foi
uma experiência terrível. O juiz marca audiência para às 2h, chama às 4h, e depois, ainda faz
adiamento na sessão. Essa é exclusivamente a razão. Já nos tribunais, havendo a publicação
da pauta, ela é obedecida.




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Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
A Justiça brasileira – eu acredito que mais que organização literal, mais do
que códigos, leis etc. – depende mais dos magistrados. O magistrado que tem vocação, o
magistrado que comparece, o magistrado que leva processo para casa etc. Esse consegue
manter o ritmo pelo menos em termos razoáveis, mas aquele que age de modo diferente...
O Sebastião está fazendo umas ironias, então vou me permitir fazer uma, de
um certo magistrado que é conhecido como muito lento, lento, lento.
Doutor Sebastião Rios Correa
Nós estamos à procura de talentos.
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Talentos, sei. E esse magistrado era conhecido por retardar julgamentos. Um
dia, na véspera de entrar de férias, ele deu um despacho: “voltem-me conclusos após as
férias”.


Doutor Sebastião Rios Correa
Não tinha nenhum processo concluso.

Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Não tinha nenhum processo concluso. E esse fato é verdadeiro. Essa pessoa,
esse colega é inteligente, é culto, mas não andava.

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