Menina de 8 anos terá depoimento colhido antecipadamente, na fase de investigação de atentado violento ao pudor
A Justiça do Rio Grande do Sul autorizou a produção antecipada de prova ao permitir a oitiva de uma menina de 8 anos no decorrer de procedimento investigatório, sem que tenha sido ainda instaurada a ação penal. A menina teria sido vítima em março de 2009 de atentado violento ao pudor, como descrito no artigo 214, então em vigor, do Código Penal.A medida foi autorizada pelo Juiz de Direito do 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, José Antônio Daltoé Cezar, e mantida pela 7ª Câmara Criminal do TJRS, em 13/8, por unanimidade.
A criança foi deixada pelos pais aos cuidados do investigado, que teria beijado a menina na boca e acariciado o seu corpo: peito e costas, repetidas vezes.
O Promotor de Justiça da Infância e Juventude Alexandre Fernandes Spizzirri, noticiando a existência do procedimento investigatório, requereu ao 2º Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre a produção antecipada de prova, com a inquirição da ofendida pelo método do depoimento sem dano, com gravação audiovisual, intimando o investigado a acompanhá-lo, devidamente assistido por defensor.
O Juiz Daltoé deferiu o solicitado. Para o magistrado, “a relevância e a urgência na colheita da prova requerida estão suficientemente justificadas”. E continua: “(...) seja para autorizar a persecução criminal seja para, se for o caso, dirimir-se suspeita, evitando-se eventuais desgastes trazidos com o transcurso do tempo, inerente ao trâmite do processo criminal, tanto mais quando diz respeito à prática, em tese, de crime contra a liberdade sexual de crianças ou adolescentes”.
E considerou que “a oitiva da criança/adolescente, mediante a modalidade do projeto depoimento sem dano, é medida adequada e proporcional, evitando-se que a suposta vítima necessite relatar, em inúmeras e desgastantes ocasiões, os mesmos graves fatos, caso estes tenham, efetivamente, ocorrido, poupando-a de inconveniente desnecessário”.
Tribunal
Contra a autorização judicial para a antecipação da prova, considerando não haver motivos suficientes para a “excepcional” aplicação do disposto no art. 156, inc. I, do Código de Processo Penal - CPP, dentre outras razões, a defesa da pessoa apontada como possível autora dos fatos, impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça.
O dispositivo do CPP informa a possibilidade do Juiz ordenar, “mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”.
Para o Desembargador João Batista Marques Tovo, relator do HC na 7ª Câmara Criminal do TJ, não houve violação às garantias do contraditório e da ampla defesa. “A se admitir que a ausência de uma acusação formal limita o exercício da defesa (...) restaria obstaculizada qualquer medida cautelar preparatória de produção antecipada de prova, o que já desqualifica o argumento”, afirmou. Disse ainda que “por óbvio, a defesa a exercer na ação cautelar preparatória é substancialmente diversa e esta foi garantida no momento em que o réu da ação cautelar foi cientificado do antecipado ato de instrução definitiva, oportunizando-se sua participação e formulação de perguntas, além da adoção de medidas como a impetração do presente writ”.
Observou o magistrado de 2º Grau que “a antecipação da tomada de depoimento da ofendida, conforme se depreende do pedido ministerial, visa também dispensar a reprodução do depoimento da ofendida em juízo, mas não a impede, sendo possível a reinquirição a qualquer tempo, reservado ao juiz da ação de conhecimento deliberar sobre a conveniência e utilidade dessa medida, aliás, como de regra”.
A respeito da existência ou não de ‘urgência’ para que ocorra a antecipação do depoimento da possível ofendida, afirmou que “a observação empírica nos diz que a criança, quase invariavelmente, esquece o abuso ocorrido ou seus detalhes, pelos mais variados motivos, mas todos vinculados a sua condição peculiar e à necessidade psicológica de superar o trauma pelo esquecimento”. Assim, continuou o julgador, “quando ela vem depor em juízo e é passado tempo considerável, seu relato é menos preciso e extremamente lacunoso, isso quando ainda é possível”.
Considerou ainda o Desembargador Tovo que “não haverá qualquer prejuízo à defesa da pessoa apontada como possível autora dos fatos”. “Até pelo contrário”, continuou, “pois o investigado está a ser chamado a participar da instrução provisória, podendo nela influir de modo a ferir de morte a ação penal em perspectiva, o que é uma vantagem, ainda que ele e seu defensor não tenham o mesmo entendimento, considerem indesejável ou reputem constrangedor”.
Os Desembargadores Marcelo Bandeira Pereira, que presidiu o julgamento ocorrido em 13/8/09, e Sylvio Baptista Neto, acompanharam o voto do relator. O processo tramita em segredo de justiça.
Fonte: TJRS
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