terça-feira, 23 de setembro de 2008

Mario Moacyr Porto abre uma janela para o direito achado na rua

No julgamento Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 144, o Supremo Tribunal não permitiu que juízes eleitorais rejeitassem candidaturas de réus com ações penais e processos de improbidade administrativa não transitados em julgados. Comentando o episódio, o Presidente da Corte, Gilmar Mendes, disse que não se deve julgar o assunto de acordo com a opinião pública. Para o Ministro, “cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua”.
Hei, espere aí, que história é essa de Direito achado na lei? O que está na lei também não se acha na rua?
Em seu artigo sobre a Estética do Direito (citado por mim na postagem anterior a esta), Mario Moacyr Porto dá-nos caminhos para entender a arte e o direito que se acha na rua.
Citando René Maunier, Porto diz-nos da existência de um direito popular, um " Folklori Juridique", encontrado "nos costumes e nos versos dos menestréis de rua". Por isso, argumenta o pensador, "o cangaceiro, nos versos, dos nossos trovadores matutos, não é o réprobo desumano e brutal, mas um vingador de injustiça sem remédio. O cangaço, na literatura das feira, é uma glorificação e um ideal de vida".
Será que podemos ignorar completamente o que se diz na rua a respeito do direito? Será que podemos ignorar que na rua Daniel Dantas seja simbolicamente mais perverso do que o foi Lampião?
O universo do direito, portanto, pode abranger tanto o universo dos tribunais como o universo daqueles contra ou a favor de quem supostamente se aplica o direito.
Às vezes, somos levados a decisões judiciais inteiramente surrealistas, ainda que possuam um embasamento jurídico. Noutros casos, encontrarmos decisões dedicadamente adequadas ao ordenamento jurídico escrito, mas não inteiramente fora da realidade surreal da rua.
O direito pode até não ser achado na rua, mais é na rua onde podemos achar aqueles contra ou a favor dos quais se aplica o direito.
A rua tem um significado simbólico no mundo jurídico. Indica muitas vezes ao orientação social das decisões judiciais. Noutras vezes, pode indicar o apelo da opinião pública para com as decisões judiciais (foi esse o sentido usado por Mendes) ou a orientação que toma o juiz contra o texto da lei a partir de uma ótica de luta de classes (como no caso do emprego de "direito alternativo" ou de "uso alternativo do direito").
Em qualquer caso, a rua continua sendo um terreno perigoso para o juiz, mas que não pode ser completamente ignorado. O homem, diz-nos Porto no citado texto, pode ignorar o mendigo que lhe pede esmolas desprovido de qualquer senso estético, mas no entanto este mesmo homem poderá ser levado aos prantos diante de uma peça de teatro no qual apareça um mendigo esteticamente explorado.
Às vezes, entendo eu, é preciso que a realidade do homem-mendigo seja tratada como se fosse um filme ou uma obra de arte, para somente assim entendermos que o surreal pode não ser a arte, mas o direito. É isso que gostaria de mostrar nesse blog.
Ficou famosa a seguinte frase de M. M. Porto:
"A lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure a música".
E completa o pensador, como quem dá lições para Gilmar Mendes:
"O juiz de hoje - partícipe atuante e não testemunho indiferente da evolução sócio-política do seu - não é mais um exilado vida ou álgido locatário de torres de marfim. Apeado do pedestal a que se alçara, não para a preservação de virtudes essenciais, mas por exigência de convenções secundárias, passou, hoje, a viver e participar dos conflitos e sofrimentos de seus iguais, par que os sentindo e vivendo pudesse resolvê-los, não como um orago a quem um carisma iluminara, mas como um artista a quem a experiência esclareceu".
...
"Mas a cisão entre o certo e o texto não cava um abismo entre o magistrado e a justiça, e quanto mais cresce, no mundo contemporâneo, a impiedade e a iniqüidade entre os homens, mais avulta, na consciência do intérprete, a magnitude e a excelência do Direito, que, em sua formulação positiva, não é um catecismo dos justos mas uma disciplina de pecadores".
Encerra MÁRIO MOACYR PORTO:
"A casa do Direito, como a casa de Deus, tem muitas moradas. Mas não há lugar, em nenhuma delas, para os medíocres de vontade e fracos de coração".
Será que Gilmar Mendes está certo do que disse. O direito achado na rua está em todos os lugares. Não podemos ignorar que a lei é e sempre será feita com vistas a atender interesses pessoais, dos que estão dentro ou fora da rua, ou seja, dos que vivem em sociedade.
O Tribunal do Júri não é o exemplo vivo de que os que estão na rua celebram os julgamentos segundo suas próprias regras? Não é a consagração da rua sobre o direito?

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