A sociedade em crise vai bem, obrigado. Isto ficou bem claro num caso envolvendo a câmara municipal de Carazinho, que propôs uma menção honrosa a um prostíbulo local.O Poder Legislativo desta cidade apresentou menção honrosa ao prostíbulo “Garotas da Gogo” (Gogo ou Gogó?). No entanto, o vereador Gilnei Jarré (PSDB), depois que o caso ganhou repercussão (Revista Época etc.), resolveu requerer a suspensão da homenagem.
O texto da menção honrosa foi o seguinte:
Sr. Presidente,
Srs. Vereadores,O vereador abaixo assinado, solicita na forma regimental, que após submetido em plenário para aprovação, seja enviado ofício de cumprimentos a Sra. Maria Gorete de Souza Cavalheiro, proprietária da Danceteria Garotas da Gogo, parabenizando pela passagem dos 09 anos de atividades em nosso município.
Externamos nossas congratulações a esta empresa e toda sua equipe de funcionárias que proporcionam momentos de desconcentração aos clientes.Aprovado na sessão do dia 15.07.08
Votaram a favor: Jarrè, Azir, Paese, Felipe Sálvia e
Votaram contra: Cláudio Santos, Adroaldo, Jaime e Paulino
(Vereador Luis Leite não votou).Gabinete do Vereador, 14/07/2008
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Vereador Gilnei Jarré - PSDB
O caso me pareceu uma ode a uma sociedade em crise, cega e desorientada. Vou explorá-lo aqui. Não que um prostíbulo não mereça a menção honrosa de um dos Poderes (não ha nenhum problema nisso), mas o caso revela a desorietação social em que vivemos.
O filósofo francês Jean-Claude Guillebaud, em seu livro “A Força da Convicção” (Bertrand Brasil, 2007), revela os descaminhos de uma sociedade sem uma convicção. Já não sabemos ou somos capazes de saber o que é preciso saber. O autor mostra como a pós-modernidade se entrega a crença do nada ou, quando não, em coisa sem sentido algum (as vendagens do ocultista Paulo Coelho estão aí como prova).
Estudando a sociedade americana, MERTON mostrou que nem sempre a sociedade age conforme suas crenças (cf.
MERTON, Robert K. “A Ambivalência Sociológica e outros Ensaios”. Trad. Maria José Silveira. Rio de Janeiro: Zahar, 1979). É isto mesmo o que mostra o caso. Ué, nós não acreditamos do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana? O caso parece não revelar esta crença.
É isso aí. Depois da repercussão, o vereador que propôs a dita menção honrosa recuou e pediu suspensão do requerimento. E é aí onde a menção honrosa acabou por desonrar o lupanário. A sociedade que ainda não está certa de seus valores vez por outra faz justiça ao reconhecer o papel das profissionais do sexo, mas logo logo aqueles que se dizem convictos (não sei de que) apressam-se para que a margem fique apenas para os marginais.
O que é isso, sociedade em crise? Querem comprometer a reputação do lupanário “Garotas da Gogo”? Explico. As casas de alcoviteira integram o que se entende por subcultura, sendo disso a garantia de sua “reputação”. Num ambiente de estruturas sociais fundadas na moral, apredi que estas casas não deveríam ser frequentadas por estarem à margem dos valores sociais. Mas não é mais assim (?). Na sociedade em crise, o lupanário está por dentro das estruturas sociais, tanto que pode merecer menção honrosa.
E vejam só: é estranho, enquanto há um poder homenageando as “Garotas da Gogo”, o ex-prefeito de Campos Borges/RS, Olivan Antonio de Bortoli, foi condenado pelo Judiciário por ter usado um carro oficial para sair com uma prostituta. A decisão foi da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que considerou que o ex-agente público feriu a dignidade do cargo. É nisso o que dá viver em sociedade.
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Para saber mais sobre tais questões, pesquise sobre a teoria criminológica labelling approach, também conhecida como teoria da etiquetagem ou da reação social.
Já escrevi noutra postagem sobre o movimento político das profissionais do sexo. Confira:
Moralismo na República dos Renans: só não perdoaram as prostitutas e os transexuais
Num artigo mais denso, já abordei a questão dos esvranhos à comunidade na ótica do pensamento penal:
ALVES, Fábio Wellington Ataíde; MAGALHÃES, Renato Vasconcelos. “A Contemporaneidade e o Tratamento dos Estranhos à Comunidade”. Revista da Esmarn. Natal: Esmarn, v. 3, n. 1, p. 263-277, setembro de 2006.
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