segunda-feira, 29 de julho de 2013

Artigo - Mães Injustiçadas e Justiça Transformada... Publiquei o seguinte texto no informativo da AMARN

Mães Injustiçadas e Justiça Transformada
Fábio Ataíde
Juiz de Direito

A rotina de uma Vara Criminal pode distanciar o juiz das especificidades dos casos. Os anos passam e logo, um após outro processo, todos os “criminosos” se parecem iguais. E assim não paramos para pensar que as aparentes semelhanças dos processos escondem as diferenças dos casos. Ocorreu-me essa questão ao término de uma audiência de um processo pelo crime de roubo. O acusado era um jovem. No interrogatório, confessou o crime e disse que estava trabalhando no Projeto Novos Rumos, construindo o Estádio Arena das Dunas. Falou de suas dificuldades e que tinha lutado muito para finalmente conseguir esse primeiro emprego.
Ele já estava condenado em outros dois processos pelo mesmo crime e nas mesmas circunstâncias, estando cumprindo a pena restante de oito anos no regime semiaberto. Ao que tudo indicava, seria condenado naquele terceiro caso e inevitavelmente teria regressão para o regime fechado.
Terminada a audiência, as partes pediram prazo para memoriais. Bateu-me de perguntar mais ao jovem. Quantos anos você tem? Vinte e seis, disse-me, transformando a feição completamente. Demonstrou um estado de extrema preocupação com a situação. Pensei se ele teria tempo de reconstruir a nova vida que eu estava decidido a interromper. Também achei que aquele jovem refletia sobre esse desafio.
Aquele caso era mesmo diferente. O interrogado estava ali por causa da inflexibilidade de sua mãe. Até onde sei e posso imaginar, foi ela quem denunciou o próprio filho à polícia, fazendo-o devolver os objetos roubados. Uma mãe inflexível ou uma exceção que confirma a regra? Certamente houve quem tenha reprimido essa mãe por levar o filho às grades. Vizinhos costumam aparecer nessas horas.
À sombra de uma mãe assim, aquele jovem estava prestes a ser condenado a perder o primeiro emprego. As suas esperanças dependia agora da flexibilidade da justiça. O fato é que em casa não havia perdão para os seus crimes. O jovem disse-me então que já havia outra mãe na história. A sua mulher estava grávida do segundo filho e o emprego no estádio de futebol fora a primeira oportunidade na vida, tendo finalmente descoberto uma profissão. Baixando e levantando a cabeça em vários momentos, falou-me que estava para ser promovido no trabalho e que tinha muita esperança de continuar empregado depois do término das obras. Diante da incerteza de seu futuro, disse-me que o seu regime de cumprimento de pena fora flexibilizado. Ficava recolhido durante o dia para poder trabalhar à noite.
Aqui está a questão. Diante de uma sociedade de controles informais que se tornaram flexíveis, como construir uma justiça transformadora sobre o alicerce da inflexibilidade? A mãe inflexível da história é uma exceção que confirma a regra. Quero acreditar que ela não entregou o filho às grades, mas à transformação.
E é aqui onde reside o problema. É possível uma justiça transformadora e inflexível ao mesmo tempo? Precisamos mesmo de uma justiça que seja uma mãe para o preso? Aos que se prestam a responder essas indagações, tenho a dizer que não se lancem a dar respostas rápidas sem antes pensar o que de fato isso significa. Sem dúvida, parece inevitável o desejo por uma justiça transformada e que igualmente transforme, a questão é que em muitos casos essa nova justiça precisa de um novo programa transformador e isso nós não temos. Um projeto para o Judiciário não é bom apenas por causa de seu ineditismo; atualmente as soluções para o sistema de justiça se multiplicam, com também as  promessas transformadoras.
Fixando a minha análise ao âmbito do sistema de política criminal, parto deste limite para pensar que muitos concordarão que as soluções transformadoras viáveis remontam ao mais tradicional modelo de justiça setecentista, atualmente muito bem representado pelo garantismo penal. Porém não fixo minhas bases de raciocínio neste patamar.
Quero pensar no modelo de flexibilidade da justiça, ou seja, nas janelas que se abrem para quem entra no sistema penal; nos papéis das partes interessadas; no caráter paterno da justiça penal e, finalmente, nos aspectos emocionais que isso desperta nos sentimentos coletivos ou como isso tudo pode auxiliar na construção de um novo programa de justiça penal materna. Assim, refletindo a partir de tantos pontos, começo então a entender ou procurar a entender os fatores que determinam a (in)flexibilidade do sistema punitivo e o que isso tem a ver com transformação.
O primeiro desafio à transformação da justiça penal surge por falta de um programa criminal materno, ou melhor, por falta de um modelo de flexibilização do sistema punitivo.
Analisemos o sistema americano e o europeu. O primeiro notadamente inflexível, ao contrário do segundo (DUFF, 2005).  Quanto mais hierarquizada a sociedade, mais  tendência há de o sistema produzir soluções inflexíveis para os que estão na escala inferior da estrutura social. Tendem a ser mais flexíveis os sistemas punitivos onde existem mais soluções possíveis para a situação problema do crime. A inflexibilidade do sistema punitivo, tão admirada por muitos, limita a solução punitiva e, ao que parece, não resolve a questão de uma justiça que se presta a transformar.
A tendência de inflexibilização do sistema punitivo só produz aumento do controle formal, mas não transforma nada. Imaginemos agora a questão no âmbito da justiça penal juvenil. Na medida em que jovens ganharam mais direito ao longo do séc. XX, mais direitos produziram mais liberdade e mais liberdades diminuíram as possibilidades de controle. O mesmo ocorreu com os adultos. No entanto, especialmente quanto à justiça juvenil, temos algumas outras particularidades que realçam as contradições dessa justiça transformadora.
Nesse aspecto estrito, as contradições se somam a um programa de justiça essencialmente transformador em todos os aspectos, mas que aos longos dos anos foi sendo corroído politicamente, até que chegamos ao momento de reconhecer a possibilidade concreta de um retorno a um modelo de justiça inflexível, igual para jovens e adultos. O velho juiz de menores, que assumiu a função anteriormente cumprida pelo padre, agora dar lugar a uma justiça paterna que não possui nenhum método científico e que não se funda em nenhum projeto transformador. A redução da maioridade penal na verdade é uma redução do programa transformador da justiça penal materna. E não apenas isso, o que mais me preocupa é o caráter simbólico engendrado na proposta, como também a consequente diminuição na flexibilidade nas soluções que envolvem o adolescente em situação de risco.
A flexibilidade da justiça penal, historicamente, comprometida por ausência de políticas eficazes, começa a se expandir para novas políticas de controle. A única inflexibilidade admitida no sistema de justiça penal deveria ser a das garantias e, a partir destas, se queremos transformar a justiça penal, precisamos recriar as nossas soluções para cada problema que temos e cada problema exige uma solução diferente. Até onde sei, cada caso é um caso.
Em praticamente todas as campanhas públicas para a mudança do sistema de justiça penal encontramos à frente a figura da mãe. São elas as que mais sofrem com o crime e com um sistema de justiça penal que seletivamente escolhe os mais pobres para punir inflexivelmente. Os sentimentos de mãe, mas não de qualquer mãe, o das mães injustiçadas ou das mães com seus filhos injustiçados, não nos explica os motivo pelos quais uma mãe é levado a denunciar o crime do próprio filho à polícia. O sentimento de justiça delas é superior ao dos pais (CHARMAN; SAVAGE, 2009, p. 81). Acredito nisso, como acredito que a mãe de nossa história quis apenas transformar o seu filho. Como juiz, irei fazer de tudo para cumprir o seu desejo, ainda que isso implique transformar a justiça penal.
REFERÊNCIAS
CHARMAN, Sarah; SAVAGE, Stephen P.  Mothers for Justice? Gender and Campaigns against Miscarriages of Justice. Brit. J. Criminol. (2009) 49, 900–915. Acesso em 26/08/2009.

DUFF, R.A. Punishment, Dignity and Degradation. Oxford J Legal Studies (Spring 2005) 25(1): 141-155 doi:10.1093/ojls/gqi007. Disponível em: http://ojls.oxfordjournals.org/content/25/1/141.citation, acesso em 18/3/11.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Revista Direito e Liberdade (RDL) - CHAMADA DE ARTIGOS


    A Revista Direito e Liberdade (RDL), da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte, comunica que adota fluxo contínuo de recebimento de artigos. Os trabalhos submetidos até 30 de agosto do corrente ano terão preferência na editoração do Número 3, do Volume 15, a ser publicado até o dia 30 de dezembro de 2013.
    Atualmente a RDL possui estrato B3, classificada pela Comissão da Área de Direito da Qualis/Capes. Ademais, informa que atualmente adota a periodicidade quadrimestral e prima pela submissão de textos inéditos.
    O periódico adota a dupla avaliação cega por pares (double blind peer review), por meio do qual, pelo menos dois especialistas no assunto avaliam o trabalho e emitem parecer pela aprovação, aprovação com ressalvas ou reprovação.
    A “avaliação por pares” significa que esses revisores terão sempre titulação igual ou superior a do(s) autor(es), por exemplo, um doutor é avaliado por dois ou mais doutores. Além disso, tais examinadores desconhecem a autoria do trabalho em análise. Isso garante o controle adequado da qualidade dos trabalhos e o combate a influxos ideológicos nas avaliações.
    São cinco as linhas editoriais:
    (i)  Desenvolvimento e Meio Ambiente;
    (ii) Cidadania e Processos Coletivos;
    (iii) Violência de Gênero;
    (iv) Produção e Aplicação do Direito;
    (v) Teoria do Direito, Hermenêutica e Principiologia Jurídica.
    Maiores informações podem ser obtidas no portal da RDL acessível em:http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade
    Submissão por meio do cadastro do autor pelo Portal SEER/OJS da Revista Direito e Liberdade:http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/user/register

Francisco Seráphico da Nóbrega Coutinho
Editor Chefe
Antônio Jorge Soares
Editor Assistente
Fábio Wellignton Ataíde Alves
Editor Assistente