POLÍTICA
Elio Gaspari, O Globo
Quis a sorte que o julgamento do mensalão coincidisse com um pedaço dos Jogos de Londres. Quem viu o drama da eliminação de Rafaela Silva no judô deve reconhecer que o Supremo Tribunal Federal está investido da mesma prerrogativa exercida pelos árbitros que desclassificaram a atleta brasileira.
Torcer é uma escolha pessoal, aceitar as regras é obrigação coletiva. Quando Rafaela perdeu a luta, a decisão parecia incompreensível, sobretudo para quem torcia por ela e para quem não conhece as regras da luta. Explicada a decisão, ela foi aceita pela própria atleta: “Eu senti que ela estava descendo e pus a mão na perna dela. Infelizmente, cometi um erro. Foi minha primeira Olimpíada e agora isso serve de exemplo.”
Tanto para quem quer assar os réus do mensalão como para Lula, que já julgou o caso, classificando-o como “farsa”, o exemplo de Londres deveria orientar as reações aos votos dos ministros do Supremo. (Nosso Guia não esclareceu se os ministros serão atores ou juízes.)
Numa outra dimensão, o julgamento do Supremo e os votos de seus ministros merecem ser discutidos pelas suas argumentações e pela sua essência.
Há poucos meses, duas Cortes julgaram casos que dividiam as sociedades brasileira e americana. Aqui, por unanimidade, julgou-se constitucional a política de cotas nas universidades públicas. Lá, a constitucionalidade da reforma da saúde pública, defendida pelo companheiro Obama e aprovada pelo Congresso, prevaleceu por 5x4.
Infelizmente, em Pindorama quem era a favor das cotas continuou a favor e quem era contra, contra continuou. Todos com os mesmos argumentos. Não se ouviu uma só voz analisando o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowsky. Descontados alguns floreios, foi uma peça estudada, bem argumentada. Fora da Corte, Lewandowsky não teve audiência.
Com a Corte Suprema Americana deu-se o contrário, houve um sincero interesse na compreensão do voto do juiz John Roberts, que desempatou a votação. Ele evitou a divisão provocada pela discussão da liberdade de comércio e deu razão a Obama, entendendo que o Congresso tem direito de criar impostos. Houve quem concordasse e quem discordasse, mas seus argumentos foram levados em conta.
O debate das cotas brasileiras continuou pobre pelo desinteresse da discussão do voto de Lewandowsky. A controvérsia americana enriqueceu-se com o voto de Roberts.
Se os advogados e os ministros resolverem falar português compreensível, prestarão um inestimável serviço ao Judiciário, permitindo que a população entenda o que dizem. Lembrar que o parágrafo oitavo do artigo trinta diz isso ou aquilo não quer dizer nada. É um pernosticismo que às vezes esconde um argumento central embaraçoso.
À plateia restará a oportunidade de acompanhar um julgamento procurando entender os argumentos apresentados. Quem já está com a cabeça feita, não precisa perder seu tempo. Ficará alegre ou triste, como se saísse de uma competição esportiva, perdendo a oportunidade de enriquecer seu sentido de justiça.
Além disso, contribuirá para uma blindagem estapafúrdia do Supremo. Como não se entende direito o que ele diz e como cada um já tomou sua decisão, todo mundo perde, inclusive a Corte.
Um comentário:
"Se os advogados e os ministros resolverem falar português compreensível, prestarão um inestimável serviço ao Judiciário, permitindo que a população entenda o que dizem."
Apenas isso já teria sido suficiente para fazer o texto valer a pena.
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