quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Quebra do código genético: uma sentença


3 10 2007

Poucas vezes tive a oportunidade de ler uma sentença como a que o Dr. Jessé de Alexandria proferiu à frente da 2ª. Vara de Família de Mossoró (set./07).

Em face do caráter de vanguarda, devo explicar um pouco das surpresas inacreditáveis que a decisão reserva. O caso trata-se de um segundo pedido de investigação de paternidade, mesmo tendo havido o trânsito em julgado da decisão anterior. Como normalmente acontece nesses casos, alega-se a imprescindibilidade do exame de DNA, omitido na primeira ação, julgada desfavorável para a investigante.

O interessante é que, ante a recusa do investigado para fazer o exame de DNA, o juiz quebrou o seu sigilo do código genético do investigado. Como o investigado havia realizado exame de DNA noutro processo (com outras partes), Jessé determinou a “quebra” da indisponibilidade do sangue e das informações genéticas do investigado, as quais estavam armazenadas no Laboratório, para fins de realizar o exame de DNA.

A decisão aprecia a colisão entre o direito à imutabilidade da coisa julgada e o direito à investigação da paternidade, como também traz à luz o direito ao conhecimento da ascendência biológica ou genética. Depois de feitas as ponderações, afasta-se o princípio da coisa julgada material e também se reconhece a nulidade da sentença anteriormente proferida.

E não pára aí. Estudando os precedentes jurisprudenciais do STF (caso Glória Trevi e caso Roberta Jamilly), a sentença pondera o direito à inviolabilidade do código genético, permitindo-se a possibilidade de pequena mitigação da inviolabilidade, com o aproveitamento do código genético do investigado constante noutro processo.

De fato, diante do ante do exame minucioso do caso, senti uma sensação de que nós juízes não viemos apenas para julgar, mas para salvar, como escreve Dom Paulo Evaristo Arns.

A ementa da sentença ficou assim redigida:

CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS. PRELIMINAR DE COISA JULGADA MATERIAL: RELATIVIZAÇÃO DA RES IUDICATA E RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA SENTENÇA ANTERIOR. COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL. COLISÃO APARENTE ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: PONDERAÇÃO. PREVALÊNCIA DO MACROPRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA SOBRE O PRIMADO DA SEGURANÇA. PREPONDERÃNCIA DO DIREITO AO CONHECIMENTO DA ASCENDÊNCIA BIOLÓGICA SOBRE A COISA JULGADA MATERIAL. TRANSFERÊNCIA JUDICIAL DO SIGILO DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS DO INVESTIGADO: PROVA EMPRESTADA. ALEGAÇÃO, PELA DEFESA, DE VIOLAÇÃO À INTIMIDADE DO RÉU E ILICITUDE DA PROVA. COLISÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL AO CONHECIMENTO DA ASCENDÊNCIA BIOLÓGICA E O DIREITO À INVIOLABILIDADE DO SIGILO DAS INFORMAÇÕES GENÉTICAS DO INVESTIGADO: PONDERAÇÃO. PREVALÊNCIA DO DIREITO DO INVESTIGANTE À PERSONALIDADE MORAL SOBRE O DIREITO À INTIMIDADE DO INVESTIGADO. PROVA LÍCITA E LEGÍTIMA. DISPONIBILIDADE DO SANGUE PELO JUÍZO. ALEGAÇÃO, PELO RÉU, DE VIOLAÇÃO À INTANGIBILIDADE DO CORPO DO INVESTIGADO E DE ILICITUDE DA PROVA. COLISÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL DO INVESTIGANTE AO CONHECIMENTO DA ASCENDÊNCIA BIOLÓGICA E O DIREITO FUNDAMENTAL À INDISPONIBILIDADE DO SANGUE DO INVESTIGADO E À INVIOLABILIADADE DE SUA IDENTIDADE GENÉTICA: PONDERAÇÃO. PREPONDERÂNCIA DO DIREITO DO AUTOR À PERSONALIDADE MORAL. VALIDADE DA COMPARAÇÃO DOS PERFIS GENÉTICOS: PROVA LÍCITA E LEGÍTIMA. EXAME PERICIAL DE DNA. RESULTADO POSITIVO. INVESTIGADO QUE EXERCE CARGO POLÍTICO. RENDAS AUFERIDAS DE ALUGUERES. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS DEFINITIVOS EM PROL DO MENOR PÚBERE. PRESERVAÇÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. PATERNIDADE RECONHECIDA. CONDENAÇÃO EM ALIMENTOS. PROCEDÊNCIA INTEGRAL DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E DA AÇÃO DE ALIMENTOS; PARCIALMENTE EM RELAÇÃO AO QUANTUM DE ALIMENTOS. EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO COM APRECIAÇÃO MERITÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 269, I, CPC. FUNDAMENTOS NOS ARTS. 1.596, 1.694 A 1.696, CC, E ARTS. 1º, III, 227, CAPUT E § 6º, E 229, CF.

- A colisão entre direitos fundamentais resolve-se em nível de colisão entre princípios constitucionais (Robert Alexy).

- Na referida colisão, dever-se-á realizar a ponderação de valores, segundo Robert Alexy, ou de bens e interesses, invocando a técnica consagrada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, vale dizer, pela utilização do princípio (critério ou máxima) da proporcionalidade em sentido amplo (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

- Tratando-se de colisão entre direitos fundamentais da personalidade, pode-se utilizar a técnica desenvolvida por Hubmann/Capelo de Sousa, que se resume na seguinte fórmula investigativa: a) a estrutura formal e o fundamento axiológico-normativo dos direitos residem em interesses de qualidade e grau idênticos; b) ou de grau e qualidade diversos, mas equilibrados; c) ou há predominância de interesses.

- Prevalecerá, no caso concreto, o princípio da dignidade da pessoa humana, invocado a preservar o direito fundamental ao conhecimento da ascendência biológica, sobre o princípio da segurança jurídica (primado da segurança), quando a coisa julgada material for um obstáculo à realização do exame de DNA, o qual porá um fim ao desconhecimento do vínculo biológico existente entre investigante e investigado: quando a relativização da res iudicata for um meio adequado a esse objetivo, porque alcança ou, ao menos, fomenta o fim almejado; necessário, porque não há disponível um meio menos danoso à segurança jurídica; e proporcional, porquanto as vantagens em fazer prevalecer o direito do autor ao conhecimento da ascendência biológica sobre a coisa julgada são maiores e acarretam menos danos ao direito oposto.

- Prevalecerá, no caso concreto, o direito ao conhecimento da ascendência biológica, em contraponto ao direito à intimidade (preservação do sigilo da informação genética do investigado), quando, no conflito entre tais direitos fundamentais da personalidade, vê-se que o direito ao conhecimento da ascendência biológica se apresenta mais intenso, visto que repercute em toda a esfera social (status familiae, direito da personalidade moral, identidade sócio-familiar) do autor, à proporção que o direito à intimidade não se apresenta violável com intensidade, porquanto o conhecimento da identidade genética do réu estará adstrito ao processo (direito psíquico da personalidade); ademais, o equilíbrio entre os dois direitos fundamentais permanece até o fim, neste processo, visto que a intervenção na intimidade do investigado se apresenta mínima, se comparada à magnitude do interesse do investigante.

- Os poderes instrutórios do juiz, conferidos pela Constituição Federal, no âmbito do justo e devido processo substancial, reclamam do magistrado uma atuação em conformidade com a busca incessante da verdade material, sobretudo quando o julgador está diante de direitos indisponíveis em jogo.

- Perfeitamente lícita e legítima a prova emprestada, consubstanciada no exame pericial realizado entre o investigado e terceira pessoa, em outro processo, trazida aos autos sob determinação judicial, inclusive com zelo ao sigilo transferido, uma vez que a norma constante do art. 130, CPC — amparada constitucionalmente pelo art. 5º, LIV e LV, CF — o permite.

- Também se apresenta lícita e legítima a prova pericial realizada com amostras de sangue do investigado, armazenadas em virtude da realização de exame de DNA em outro processo, entre o investigado e terceira pessoa (ali investigante), vez que não se viola o direito à intangibilidade do corpo do investigado (amostras de seu sangue, armazenado em laboratório, não fazem parte de seu corpo), nem a legalidade (expressa previsão dos arts. 130, 339 e 340, III, CPC).

- Verificada, após as devidas ponderações, a confirmação, por exame de DNA, da paternidade atribuída ao investigado, cabe ao julgador reconhecer o vínculo biológico de paternidade e filiação entre as partes, declarando a paternidade imputada ao réu, bem assim fixar os alimentos devidos, segundo as condições de fortuna deste e a presunção da necessidade do investigante menor.

- É caso de procedência integral dos pedidos; procedência parcial do pedido de alimentos, relativamente ao quantum almejado. Eis o caso

Um comentário:

Anônimo disse...

Apreciei com carinho e entusiasmo a matéria , como estou fazendo uma monografia sobre alimentos E TRATANDO DE COLISÃO DE DEIREITOS FUNDAMENTAIS , FOI BASTANTE OPORTUNO .
APESAR DE TER APRECIADO CREIO QUE NAO PODEREI ILUSTRAR A MINHA MONOGARFIA COM TAL SENTENÇA POIS NÃO TENHO O NÚMERO DA MESMA , A MATÉRIA NÃO DIVULGOU E EU PRECISO COMO REFERENCIA PARA A MONOGRAFIA , CASO ESSE PEDIDO CHEGUE A TEMPO O MEU EMAIL É JAQUELINE_PESSOA@HOTMAIL.COM
MUITO OBRIGADO!

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